TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO Nº 0600964–66.2022.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho Advogados: José Eduardo Rangel de Alckmin e outros Representados(as): Coligação Pelo Bem do Brasil e outro(as) Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e... Leia conteúdo completo
TSE – 6009646620225999872 – Min. Maria Claudia Bucchianeri
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO Nº 0600964–66.2022.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho Advogados: José Eduardo Rangel de Alckmin e outros Representados(as): Coligação Pelo Bem do Brasil e outro(as) Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) DECISÃO Trata–se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada por Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil e de Jair Messias Bolsonaro, por propaganda eleitoral irregular em inserção no horário gratuito de televisão, consistente na suposta infringência ao art. 242 do Código Eleitoral pela divulgação de falas descontextualizadas do ora candidato à vice–presidência. O representante afirma que, em 6.9.2022 (ID 158023582), foi veiculada inserção com “propaganda maliciosa, que descontextualiza sem qualquer prurido antiga gravação alusiva à campanha de 2018 para o nítido propósito de confundir o eleitor, dando a entender que a opinião emitida pelo requerente seria atual e que, na verdade, ele não é partidário de seu companheiro de chapa” (ID 158019115, p. 3). Aduz ser “inegável o intento de criar confusão na mente do eleitor, de modo a ludibriar o seu entendimento” e que “tal desiderato é terminantemente vedado pela lei eleitoral” (p. 3). Com amparo no art. 242 do Código Eleitoral e em julgado monocrático deste Tribunal Superior referente às eleições de 2014 (Rp nº 1710–61/DF, rel. Min. Admar Gonzaga), sustenta que “a propaganda que tenha o propósito de enganar o cidadão não pode ser admitida” e que, “se o entendimento jurisprudencial já era assim na campanha presidencial de 2014, com mais rigor isso há de ocorrer na atual quadra, em que se combate com mais firmeza a divulgação das chamadas fake news, enfrentando–se de forma visceral a divulgação de falsidades para turbar o entendimento do eleitor” (p. 6). Requer, ao final, liminarmente, seja suspensa a veiculação da inserção, e, no mérito, a confirmação da medida de urgência, a proibição de nova veiculação do vídeo e a sua retirada de páginas na Internet. Junta a mídia correspondente à inserção impugnada (ID 158019117). Os representados, espontaneamente, apresentam defesa (ID 158045326), alegando a legalidade da inserção. Sustentam que a propaganda “utiliza falas efetivamente externadas pelo Representante, Geraldo Alckmin, em duas ocasiões distintas: (a) na 14ª Convenção Nacional do Partido da Social–Democracia Brasileira (PSDB), realizada em 09.12.2017; e (b) na campanha do Representante à Presidência em 2018, por ocasião da propaganda eleitoral gratuita” (p. 2), inexistindo, por isso, a descontextualização alegada. Aduzem, ainda, que, “em vista de proteger o direito fundamental à liberdade de expressão e o direito à livre escolha do eleitor, o C. TSE possui firme entendimento no sentido de que a Justiça Eleitoral deve intervir tão–somente [sic] quando ultrapassados os limites da liberdade de manifestação, aceitando–se, inclusive, críticas ácidas aos adversários políticos” (p. 5). Citam os precedentes nesse sentido, reforçando que “só há espaço para a limitação do direito fundamental à liberdade de expressão quando verificado evidente abuso de direito, consubstanciado na divulgação de informações manifestadamente inverídicas ou de ofensas à honra, o que inexiste no caso concreto” (p. 7). Além disso, alegam que “não foram carreadas aos autos quaisquer provas de que o conteúdo da propaganda seja inverídico ou que tenham sido utilizados artifícios de manipulação irregular no material” (p. 8) e que, “ausente qualquer razão material sólida para supressão da propaganda, a inicial recorre – como causa de pedir única – ao art. 242 do Código Eleitoral, cuja redação, demasiadamente problemática, proíbe a propaganda que emprega ¿meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais'” (p. 10). Pleiteiam, por fim, o indeferimento da medida liminar e, no mérito, a improcedência da representação. Na data de 15.9.2022, indeferi o pedido liminar de suspensão da exibição de inserções com alegada propaganda eleitoral irregular com falas descontextualizadas do candidato ao cargo de vice–presidente da República da Coligação Brasil da Esperança no horário eleitoral gratuito na televisão (ID 158069607). Determinei, ainda, a submissão da decisão liminar ao referendo do Plenário desta Corte Superior, a citação dos representados para apresentar defesa e, após, a intimação do representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) para se manifestar na forma do art. 19 da Res.–TSE nº 23.608/2019. A Procuradoria–Geral Eleitoral opinou pela improcedência do pedido em parecer assim ementado (ID 158080853): Eleições 2022. Representação. Propaganda no horário eleitoral gratuito. A reprodução de vídeo sem adulteração de conteúdo não configura descontextualização por ter sido produzido em momento eleitoral passado. Parecer pela improcedência do pedido. Mediante a Petição ID 158082605, o representante assevera que a decisão exarada não teria chegado a tratar do específico tema da representação aqui deduzida, passando ao largo do ponto controverso, que seria a distorção da realidade, “inegavelmente conduta empregada para produzir fake news”. Pleiteou, ainda, o julgamento de mérito, considerando que a representação já estaria devidamente aparelhada. Em sessão de 20.9.2022, este Tribunal, por unanimidade, referendou a decisão que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência (ID 158109041), consoante a ementa a seguir transcrita: ELEIÇÕES 2022. DIREITO DE RESPOSTA. CANDIDATO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DIVULGAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. TELEVISÃO. RÁDIO. ALEGAÇÃO. INFORMAÇÃO INVERÍDICA. DIVULGAÇÃO. FALAS DESCONTEXTUALIZADAS. VIOLAÇÃO. ART. 58 DA LEI Nº 9.504/1997). ART. 242 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA. PRESSUPOSTO NECESSÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CUMULAÇÃO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA IRREGULAR. LIMINAR INDEFERIDA. REFERENDO. 1 – Nos termos do art. 10, § 1º, da Res.–TSE no 23.610/2019, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo–se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão”. 2 – A jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático. Precedentes. 3 – A aplicação da norma proibitiva do art. 242 do CE é cabível apenas em hipóteses excepcionalíssimas, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral. 4 – A jurisprudência desta Corte Superior, firmada precisamente na perspectiva do art. 58 da Lei nº 9.504/1997, é consolidada no sentido da natureza absolutamente excepcional da concessão do direito de resposta, que somente se legitima, sob pena de indevido intervencionismo judicial no livre mercado de ideias políticas e eleitorais, com comprometimento do próprio direito de acesso à informação pelo eleitor cidadão, nas hipóteses de fato chapadamente inverídico, ou em casos de graves ofensas pessoais, capazes de configurarem injúria, calúnia ou difamação. 5 – Eventuais mudanças de posição de lideranças, ao longo do tempo, sobre assuntos de interesse coletivo, sobre determinadas políticas públicas ou mesmo sobre seus aliados e suas aliadas se inserem na própria dinâmica que é própria da política e não autorizam ou desafiam qualquer tipo de censura judicial, sob pena de criminalização da própria atividade política. 6 – Se as falas trazidas na inserção não chegam a ser questionadas e se, ademais, qualificam–se como públicas e notórias, descabe cogitar de fato sabidamente inverídico, pressuposto indispensável à excepcionalíssima concessão de direito de resposta. Precedentes. 7 – Eventuais mudanças de posicionamento seja quanto a temas de interesse coletivo, seja quanto à formação de alianças, são legítimas e inerentes à própria dinâmica da política, sendo direito do eleitor, considerada sua liberdade de informação, ter amplo conhecimento dessas movimentações e ponderar sobre os motivos que as justificaram, dentro do mais desembaraçado espaço de debate político. 8 – Qualquer intervenção judicial no livre mercado de ideias políticas e eleitorais deve ser excepcionalíssima, minimalista e necessariamente cirúrgica, sob pena de inconstitucional cerceamento do próprio direito à livre informação pelo eleitor. 9 – Impossibilidade, nos termos do art. 4º da Res.–TSE nº 23.608/2019, da cumulação objetiva, numa mesma ação, de pedido de direito de resposta, com representação por propaganda irregular. Precedentes. 10 – Ausência, no caso concreto, dos pressupostos necessários ao excepcional deferimento de pedido de direito de resposta. 11 – Liminares indeferidas referendadas. É o relatório. Passo a apreciar os pedidos veiculados nesta representação. A controvérsia cinge–se à alegada infração da parte final do art. 242 do Código Eleitoral, consubstanciada na realização de propaganda eleitoral irregular em inserção veiculada com falas descontextualizadas, a primeira extraída de discurso feito em evento de natureza pública e a segunda feita em propaganda eleitoral de eleições anteriores (ID 158019117), cujo teor transcrevo a seguir: Falas de Geraldo Alckmin: “Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ele quer voltar à cena do crime. Está também em suas mãos evitar que a corrupção e a roubalheira voltem a comandar o país. Evitar a volta do petrolão. Evitar o fim da Lava–Jato. É você que pode evitar que um preso condenado por corrupção seja solto”. Fala do narrador: “Se até o vice do Lula pensa assim, como é que eu vou confiar nele?” Entendo que o caso é de confirmação da decisão indeferitória da medida liminar, tal como também entendeu a douta Procuradoria–Geral Eleitoral. Os fundamentos para tanto invocados, e que foram confirmados pela unanimidade do E. Plenário desta Corte são os seguintes: Consoante relatado, o que se sustenta nesta representação é que a veiculação dos mencionados trechos de manifestações de Geraldo Alckmin, feitas publicamente em eleições anteriores, configuraria o uso de afirmações descontextualizadas e, portanto, divulgadas em violação ao disposto na parte final do art. 242 do Código Eleitoral. O dispositivo apontado dispõe que “a propaganda, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”. Consoante enfatizei na decisão proferida na Rp no 0600896–19/DF, nos termos do art. 10, § 1º, da Res.–TSE no 23.610/2019, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo–se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão”. Nessa mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático (Rp nº 1201–33/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 23.9.2014). Aliás, “sendo objetivo da propaganda – ou pelo menos da boa propaganda – exatamente gerar nos seus destinatários os mais variados estados mentais, emocionais ou passionais, impõe–se ao intérprete especiais cautelas na exegese do art. 242 do Código Eleitoral de 1965, sob pena de ser inviabilizada a publicidade das candidaturas” (Rp no 0601044–69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 20.9.2018). Sempre pertinentes, sob tal aspecto, as lições do saudoso Ministro Gerardo Grossi, expendidas no julgamento de caso histórico (Rp nº 587/DF, PSESS de 21.10.2002), em que conhecida atriz de televisão, em determinada propaganda eleitoral, fazia forte depoimento reconhecendo “ter medo” da vitória da candidatura opositora, o que ensejou interessante debate, nesta Corte, sobre o sentido e o alcance da norma inscrita no art. 242 do CE (p. 3–4): [...] Ao que disse, acrescento que me parece lícito uma pessoa – artista ou não – dizer, publicamente, que tem medo das próprias previsões e análises que faz em torno da vitória de um ou outro candidato à Presidência da República. 3. Na propaganda eleitoral, caberá ao eleitor concordar ou não com tais previsões e análises. É preciso confiar no seu discernimento, nas suas razões para optar por este ou por aquele candidato, sob pena de não se estar acreditando na própria substância do processo democrático representativo. [...] Há, é força confessar, uma certa semelhança entre o dispositivo da Lei de Segurança Nacional e o art. 242 do Código Eleitoral, reproduzido no art. 6º da Resolução nº 20.988. A introdução, nestes, do advérbio 'artificialmente' não os melhora. Enfim, na propaganda eleitoral, como distinguir, com alguma clareza, o que é ou não artificial? Nesse mesmo julgamento (Rp no 587/DF, p. 5), igualmente preciosas as observações do Ministro Sepúlveda Pertence a reforçarem a premissa de aplicação apenas em hipóteses excepcionalíssimas da norma proibitiva do art. 242 do CE, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral: Preocupou–me, na representação que trouxe aqui, a invocação do art. 242 do Código Eleitoral, que é, sim, da redação original do Código. O que introduziu a lei posterior foi apenas a exigência da menção à legenda partidária, e não poderia ser de outra forma. A frase, esta, sim, nos causa medo. Ela é a recordação inevitável, para mim como para o Ministro Gerardo Grossi, de quantas vezes a ouvimos repetida nas auditorias militares, fruto da doutrina da segurança nacional então imposta como artigo de fé aos países periféricos caídos sob o autoritarismo. A transposição da Lei de Segurança Nacional para o Código Eleitoral desta vedação de criar pela palavra estados mentais, emocionais ou passionais, vale, na verdade, pela proibição de qualquer propaganda eleitoral verdadeira, e antecipa de certo modo, no Código Eleitoral, aquele ideal a que então não se ousou chegar, o modelo da Lei Falcão, em que só se criava tédio. De fato, Sr. Presidente, assim como a prognose do paraíso como resultante da eleição de certo candidato, a prognose do inferno como resultado da eleição do adversário, é, sim, mantidos os limites do Direito Penal de certas vedações higiênicas da Lei Eleitoral, o sentido de toda propaganda eleitoral. É, sim, se não criar estados passionais, pelo menos estados mentais e emocionais favoráveis ao candidato que se promove, desfavoráveis ao candidato que se critica. Nesse contexto, em juízo de cognição sumária, não vislumbro a configuração de situação que autorize a pretendida suspensão da propaganda eleitoral, com fundamento no mencionado art. 242 do Código Eleitoral. No caso concreto, o representante não questiona a existência em si das manifestações outrora feitas por Geraldo Alckmin, que são de conhecimento público, já que, como é de todos sabido, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin já foram adversários em outros pleitos eleitorais. Se é assim, ou seja, se as falas trazidas na inserção não chegam a ser questionadas e, ademais, qualificam–se como públicas e notórias, descabe cogitar a irregularidade da propaganda que as utiliza sob enfoque de crítica política. Explico. Como se sabe, não é incomum, na dinâmica que é própria da política, que lideranças, ao longo do tempo, mudem de posição sobre assuntos de interesse coletivo, sobre determinadas políticas públicas ou mesmo sobre seus aliados e suas aliadas. É dizer: não é atípico que lideranças políticas, outrora contrárias a determinados projetos, passem a defendê–los, e vice–versa. Também não foge ao corriqueiro que antigos aliados políticos se tornem adversários e que antigos concorrentes se tornem parceiros. Trata–se de movimentos que se inserem na própria dialética da política e que não autorizam ou desafiam qualquer tipo de censura judicial, sob pena de criminalização da própria atividade política. Nesse contexto, impende destacar alguns julgados cuja ratio decidendi se aplica a este caso, embora referentes a pedido de direito de resposta. Nas eleições de 2018, por exemplo, o então candidato a Presidente Geraldo Alckmin veiculou, em sua propaganda eleitoral, falas públicas antigas do então candidato Jair Messias Bolsonaro, proferidas contra mulheres, entrecortadas de comentários feitos por um locutor. As falas públicas remontavam o ano de 2003 (15 anos antes, portanto), e o que se alegava perante esta Corte era que as referidas manifestações públicas de Jair Messias Bolsonaro não poderiam ser utilizadas no horário eleitoral do candidato Geraldo Alckmin, precisamente porque estariam fora de seu contexto originário. Esta Casa, no entanto, indeferiu o pedido de direito de resposta, em acórdão assim ementado: ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. INSERÇÕES. VEICULAÇÃO. EMISSORAS DE TELEVISÃO. DESPROVIMENTO. 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), a “liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” (ADI no 4439/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018). 3. A propaganda questionada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. Cuida–se de acontecimentos amplamente divulgados pela mídia, os quais são inaptos, neste momento, a desequilibrar a disputa eleitoral. Em exame acurado, trata–se de declarações, cuja contestação deve emergir do debate político, não sendo capaz de atrair o disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997. 4. Recurso desprovido. (R–Rp nº 0601054–16/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 18.9.2018 – destaquei) Interessante destacar, no referido julgamento unânime, as cirúrgicas palavras da eminente Ministra Rosa Weber (p. 9): [...] eu também acompanho o eminente relator. O vídeo revela, a meu juízo, o retrato de um instante, sem que esse instante, todavia, assim retratado, implique distorção da realidade. Por isso, na linha da própria jurisprudência do TSE, no sentido de que os fatos notórios – e aqui foi um fato retratado – não ensejam direito de resposta. Já numa propaganda eleitoral seguinte, o então candidato Geraldo Alckmin não apenas fez uso das mesmas declarações antigas do então candidato Jair Bolsonaro, como também as inseriu numa cena fictícia, protagonizada por artistas. Também aqui o direito de resposta foi negado: ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE DIREITO DE RESPOSTA. PEÇA PUBLICITÁRIA VEICULADA EM REDE SOCIAL. ALEGADA OCORRÊNCIA DE CALÚNIA. DESPROVIMENTO. 1. A peça publicitária impugnada, por um lado, limita–se a compilar falas de candidato amplamente divulgadas pelos meios de comunicação social, com intuito de ressaltar seu temperamento, em ação plenamente compatível com o debate eleitoral. Precedentes. 2. A transposição dessas mesmas declarações para o contexto das relações privadas, por meio da composição de cena fictícia, com o intuito de provocar no eleitorado uma reflexão acerca da postura e das atitudes do candidato, igualmente não consubstancia divulgação de imagem caluniosa, apta a ensejar a incidência do art. 58 da Lei das Eleições. 3. Recurso desprovido. (R–Rp nº 0601106–12/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 27.9.2018 – destaquei) Em outro conhecido episódio das eleições de 2018, também o então candidato Geraldo Alckmin veiculou, em sua propaganda eleitoral, uma entrevista jornalística dada pelo então candidato Jair Messias Bolsonaro no ano de 1999, em que ele afirmava que Hugo Chávez era uma esperança para a América Latina. A propaganda era concluída com um locutor afirmando que este último candidato era um fã de Hugo Chávez e que haveria o risco do Brasil se tornar uma nova Venezuela. Em representação movida perante esta Casa, o então candidato postulava direito de resposta sustentando precisamente que a tal declaração era antiga, descontextualizada e publicamente já não mais refletia sua impressão sobre o antigo presidente da Venezuela, o que a tornaria “fato sabidamente inverídico”. Mais uma vez, o direito de resposta foi negado por esta Corte, sob o entendimento de que, se a declaração efetivamente ocorreu e se ela é pública, descabe cogitar de fato sabidamente inverídico exclusivamente em razão da mudança de posição do candidato. Confira–se: ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. INSERÇÕES. TELEVISÃO. INEXISTÊNCIA DE AFIRMAÇÃO SABIDAMENTE INVERÍDICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO. 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. A propaganda eleitoral impugnada foi embasada em notícias veiculadas na imprensa e em entrevistas concedidas pelo próprio candidato recorrente, inclusive com a exibição das manchetes dos jornais na propaganda eleitoral, como forma de demonstrar a origem das informações. 3. Esta Corte já firmou o entendimento de que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico (Rp nº 1393–63/DF, rel. Min. Admar Gonzaga, PSESS em 2.10.2014). 4. A propaganda impugnada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. 5. Recurso desprovido. (R–Rp nº 0601420–55/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 5.10.2018 – destaquei) Isso significa, portanto, que eventuais mudanças de posicionamento político, seja quanto a temas de interesse coletivo, seja quanto à formação de alianças, são legítimas e inerentes à própria dinâmica da política, sendo direito do eleitor, considerada sua liberdade de informação, ter amplo conhecimento dessas movimentações e ponderar sobre os motivos que as justificaram. Motivos que devem ser declinados pelos interessados, dentro do próprio espaço de debate político. Nos termos da jurisprudência desta Casa, “o que o homem público faz ou diz compromete–o, sem que isso reproduzido constitua ofensa de qualquer ordem ou mesmo demérito ao seu passado, com reflexo no seu presente ou prejuízo futuro” (AgR–Rp nº 497/DF, rel. Min. Caputo Bastos, PSESS de 2.10.2002). Nesse cenário, reafirmo, portanto, o meu entendimento no sentido de que qualquer intervenção judicial no livre mercado de ideias políticas e eleitorais deve ser excepcionalíssima, minimalista e necessariamente cirúrgica, sob pena de inconstitucional cerceamento do próprio direito à livre informação pelo eleitor (Rp nº 0600229–33/DF; e Rp nº 0600927–39/DF). Nos termos da abalizada e sempre citada doutrina da Professora Aline Osorio, no processo eleitoral, a proteção constitucionalmente assegurada à liberdade de expressão é de ser ampliada, a fim de propiciar que “todas as questões de interesse público – incluindo, é claro, a capacidade e idoneidade dos candidatos e a qualidade de suas propostas – sejam abertas e intensamente questionadas” (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 129). Tenho para mim que são de interesse público, sobretudo do eleitor, os posicionamentos passados já externados pelos candidatos. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), de seu turno, é no sentido de que “o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte–se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional” (ADI nº 4451/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 6.3.2019 – destaquei). Nessa mesma linha, este Tribunal Superior já firmou o entendimento de que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR–REspEl nº 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022). Finalmente, mas não menos importante, cumpre registrar que o STF, no julgamento do RE nº 10106–06/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, publicado em 20.5.2021, sob a sistemática da repercussão geral, afastou a existência, em nosso ordenamento jurídico–constitucional, do chamado “direito ao esquecimento”, o que significa dizer que “o passado público” pode ser, em regra geral, legitimamente revisitado, sem apagamentos históricos judicialmente promovidos (p. 3–4): É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. Em resumo, e me valendo uma vez mais da passagem cirúrgica da lavra da eminente Ministra Rosa Weber: 'o vídeo revela o retrato de um instante sem que esse instante, todavia, assim retratado, implique distorção da realidade' (RP 0601054–19). Todos esses fundamentos, portanto, levam–me a entender pela inexistência de irregularidade da propaganda eleitoral veiculada na inserção, o que me impede de deferir o pedido de medida cautelar formulado pelo autor. Ante todo o exposto, no mérito, reitero os fundamentos invocados quando do indeferimento do pedido de medida liminar e, portanto, não tendo identificado razões suficientes para sua modificação, julgo improcedente esta representação, nos termos do art. 36, § 6º, do RITSE. Publique–se. Brasília, 29 de setembro de 2022. Ministra Maria Claudia Bucchianeri Relatora
Data de publicação | 29/09/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60096466 |
NUMERO DO PROCESSO | 6009646620225999872 |
DATA DA DECISÃO | 29/09/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Mensagem Inverídica |
PARTES | COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, GERALDO JOSE RODRIGUES ALCKMIN FILHO registrado(a) civilmente como GERALDO JOSE RODRIGUES ALCKMIN FILHO, JAIR MESSIAS BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Maria Claudia Bucchianeri |
Projeto |