TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601598–62.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representado: Coligação Pelo Bem do Brasil Advogados(as): Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e outros(as)... Leia conteúdo completo
TSE – 6015986220225999872 – Min. Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601598–62.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representado: Coligação Pelo Bem do Brasil Advogados(as): Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representado: Jair Messias Bolsonaro Advogados(as): Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) DECISÃO ELEIÇÕES 2022. DIREITO DE RESPOSTA. CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA. HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. RÁDIO. PRECEDENTE DA CORTE. OFENSA QUE DESBORDA A MERA CRITICA POLÍTICA. IMPUTAÇÃO DE “CORRUPTO” E “LADRÃO” AO CANDIDATO. ESCANDALO DE CORRUPÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO DE DIREITO DE RESPOSTA ANTE A NATUREZA SATISFATIVA DA MEDIDA. LIMINAR DEFERIDA APENAS PARA SUSPENDER A VEICULAÇÃO DO QUE GLOSADO. Trata–se de pedido de direito de resposta, com pedido liminar, ajuizado pela COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA em desfavor de JAIR MESSIAS BOLSONARO e da COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, por alegada divulgação de falas ofensivas veiculadas por meio de programa de rádio, no horário eleitoral gratuito, no dia 18.10.2022 (às 7h e 12h), na qual veicula fatos sabidamente inverídicos e descontextualizados para ofender a honra e a imagem do candidato LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA. Na petição inicial, assinada por procurador devidamente habilitado (ID 158266240), a representante alega, em síntese, que: a) “[...] no dia 18.10.2022, a propaganda eleitoral ora impugnada fora veiculada, durante o período da manhã e da tarde, por meio de radiotransmissão, às 07h00 e 12h00” (ID 158266239, fl. 3), com o seguinte teor: Reprodução de fala da candidata Simone Tebet: 1 minuto e 45 segundos: 'Lula não tem capacidade de fazer mea culpa como grande orquestrador do até então do maior escândalo da história da república que foi o petrolão e o Ciro também'. Reprodução de fala do candidato Ciro Gomes: 2 minutos: 'Eu sei que ele é corrupto, apenas quero indicar que além de ser corrupto, é um grande corruptor'. Narrador no horário eleitoral: 'Simone e Ciro estão juntos com Lula encangados que nem gafanhoto: 'É tudo farinha do mesmo saco'. Jingle: É farinha do mesmo saco, é tudo farinha do mesmo saco, hoje estão juntos no mesmo buraco. Falaram bonito em democracia e sobre corrupção, no final era tudo mentira, tá tudo abraçado e junto com o ladrão'. Reprodução da fala de Bolsonaro no debate da emissora de TV Band, realizado em 16.10.2022: 2 minutos e seguintes: 'Lula você sabe por que houve roubalheira na Petrobras? Porque você entregou para partidos políticos diretorias da Petrobras. Você fez um leilão em troca de apoio, o pessoal entrava para saquear e você com os votos caindo para aprovar as duas propostas lá dentro você se refestelava. Fala do BNDES, Lula. Por que que a Venezuela tem metrô e Belo Horizonte não tem metrô? Você entregou 1 bilhão e 60 milhões de dólares para o seu amigo Chávez e Maduro, fizeram o metrô lá fora, deram o cano no Brasil e não tem metrô aqui no Brasil. Lula, você tem muito a falar sobre corrupção, não culpe os procuradores da lava jato, os juízes. A responsabilidade pela corrupção no Brasil foi tua. Os números estão aí'. [Narrador]: 3 minutos e 50 segundos: 'Não merecemos a volta da corrupção de Lula e de Zé Dirceu, de petrolão e de dólar na cueca. Bolsonaro deu um fim nessa farra, além de enfrentar crise da guerra e da pandemia, combater a corrupção e cuidar do dinheiro público. Bolsonaro já colhe frutos de um trabalho sério. Esse é o Brasil de Bolsonaro. Ainda mais que a maior bancada de deputados e senadores da história estão com Bolsonaro. Aí sim, vai dar para aprovar mais projetos de interesse de todos os brasileiros. b) “[...] facilmente se pode depreender dessa peça de ficção, constatam–se as seguintes irregularidades: a) divulgação de fatos sabidamente inverídicos, aptos a influir na lisura do processo eleitoral; e b) ataques à honra e à imagem do ex–presidente Lula [...]” (ID 158266239, fl. 5); c) “[...] a partir de falas ofensivas e descontextualizadas dos senhores Ciro Gomes e Simone Tebet, transmitiu–se a falsa conclusão de que o ex–presidente Lula é “corrupto”, “ladrão” e seria o “grande orquestrador do até então maior escândalo de corrupção da história”. Mas não apenas. No final, o candidato Representado ainda afirmou “não merecemos a volta da corrupção de Lula”, assim como tentou conectá–lo com: (i) a suposta “corrupção [...] de Zé Dirceu”; (ii) o “petrolão”; e (iii) “dólar na cueca” (ID 158266239, fls. 5–6); d) “Dessa forma, não é apropriado transmitir que Lula é “corrupto”, “ladrão”, e que supostamente “orquestrou” um alegado esquema de corrupção. Esse raciocínio não encontra amparo na realidade e no Texto Constitucional. O direito fundamental à presunção de inocência é uma regra de tratamento que deve ser observada” (ID 158266239, fl. 11); e) “[...] não há como se aceitar a ilegal tentativa de conectar o referido candidato com crimes que jamais lhe foram imputados, como aqueles relacionados, em tese, ao ex–Ministro Zé Dirceu e ao famigerado caso do “dólar na cueca”. Nesse sentido, inclusive, já decidiu esse e. TSE nos autos da Representação nº 0601372–57.2022.6.00.0000” (ID 158266239, fl. 11); f) “[...] a veiculação de desinformação pelos Representados constitui verdadeiro ato de divulgação e compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos e gravemente descontextualizados que violam a liberdade de opinião dos eleitores, bem como violam gravemente a honra e a imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva” (158266239, fl. 13); g) “[...] a propaganda ora atacada, em verdade, nada mais é senão uma desinformação destinada a manipular a opinião pública e atingir a lisura do processo eleitoral [...]” (ID 158266239, fl. 15); A representante encaminha o texto para resposta, no caso de deferimento do direito de resposta (ID 158266239, fls. 18–19): COMEÇA COM O ROLL: Direito de resposta concedido pela Justiça Eleitoral contra as mentiras e agressões do candidato Bolsonaro. APRESENTADOR ON: O Brasil e o mundo já sabem que a prisão de Lula foi uma grande armação política para tirá–lo da eleição de 2018. Lula liderava todas as pesquisas e foi julgado sem crime e sem prova por um juiz suspeito. Lula venceu todos os processos, e por isso, sua inocência é indiscutível. Mesmo assim, Bolsonaro insiste em atacar Lula com mentiras. Veja bem. É de conhecimento da grande maioria dos brasileiros que o Presidente Lula fez o melhor governo da história deste país porque, pela primeira vez, um presidente governou cuidando de todo o povo, mas com um olhar especial para aqueles que mais precisavam. Não é por acaso que Lula saiu do governo com 87% de aprovação. Um recorde histórico. É mentira que o Governo Lula deu dinheiro para a Venezuela. Isso é mais uma mentira que o Bolsonaro conta para manipular você, eleitor. Na época, o BNDES financiou a exportação de bens e serviços de empresas brasileiras para fortalecer a economia e criar empregos. Não é à toa que no seu Governo foi marcado pela geração de milhões de empregos. Chega de mentiras, Bolsonaro. O Brasil cansou. No ID 158266241, tem–se a transcrição integral do áudio. Por fim, requer liminarmente (ID 158266239, fls. 18–19): a) “o deferimento do Pedido de Direito de Resposta para que, nos termos da Lei nº 9.504/1997, art. 58, §1º, I, e da Resolução–TSE nº 23.608/2019, art. 32, III, “f”, a resposta seja dada em até 02 (dois) dias [...]”, e b) “[...] a suspensão da propaganda impugnada, de acordo com o art. 4º, p. único, da Resolução–TSE nº 23.608/2019”. No mérito, “a confirmação do pedido de liminar, com a condenação do Representados e o deferimento do pedido de resposta nos exatos termos acima transcritos” (ID 158266239, fl. 20). Os autos vieram conclusos em 19.10.2022. É o relatório. Decido. A representante pretende, em sede de tutela provisória, o deferimento do direito de resposta e a suspensão da divulgação de falas que afirma serem ofensivas, veiculadas por meio de programa de rádio, no horário eleitoral gratuito, no dia 18.10.2022 (às 7h e 12h), em que se veiculam fatos que afirma ser sabidamente inverídicos e descontextualizados para ofender a honra e a imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Transcrevo o conteúdo da propaganda eleitoral impugnada, conforme consta da petição inicial: Reprodução de fala da candidata Simone Tebet: 1 minuto e 45 segundos: 'Lula não tem capacidade de fazer mea culpa como grande orquestrador do até então do maior escândalo da história da república que foi o petrolão e o Ciro também'. Reprodução de fala do candidato Ciro Gomes: 2 minutos: 'Eu sei que ele é corrupto, apenas quero indicar que além de ser corrupto, é um grande corruptor'. Narrador no horário eleitoral: 'Simone e Ciro estão juntos com Lula encangados que nem gafanhoto: 'É tudo farinha do mesmo saco'. Jingle: É farinha do mesmo saco, é tudo farinha do mesmo saco, hoje estão juntos no mesmo buraco. Falaram bonito em democracia e sobre corrupção, no final era tudo mentira, tá tudo abraçado e junto com o ladrão'. Reprodução da fala de Bolsonaro no debate da emissora de TV Band, realizado em 16.10.2022: 2 minutos e seguintes: 'Lula você sabe por que houve roubalheira na Petrobras? Porque você entregou para partidos políticos diretorias da Petrobras. Você fez um leilão em troca de apoio, o pessoal entrava para saquear e você com os votos caindo para aprovar as duas propostas lá dentro você se refestelava. Fala do BNDES, Lula. Por que que a Venezuela tem metrô e Belo Horizonte não tem metrô? Você entregou 1 bilhão e 60 milhões de dólares para o seu amigo Chávez e Maduro, fizeram o metrô lá fora, deram o cano no Brasil e não tem metrô aqui no Brasil. Lula, você tem muito a falar sobre corrupção, não culpe os procuradores da lava jato, os juízes. A responsabilidade pela corrupção no Brasil foi tua. Os números estão aí'. [Narrador]: 3 minutos e 50 segundos: 'Não merecemos a volta da corrupção de Lula e de Zé Dirceu, de petrolão e de dólar na cueca. Bolsonaro deu um fim nessa farra, além de enfrentar crise da guerra e da pandemia, combater a corrupção e cuidar do dinheiro público. Bolsonaro já colhe frutos de um trabalho sério. Esse é o Brasil de Bolsonaro. Ainda mais que a maior bancada de deputados e senadores da história estão com Bolsonaro. Aí sim, vai dar para aprovar mais projetos de interesse de todos os brasileiros. Consabido que as críticas, mesmo que veementes, fazem parte do jogo eleitoral, não ensejando, por si só, o direito de resposta, não se admitindo, contudo, que ultrapassem os limites do questionamento político, descambando para o insulto pessoal, a imputação de delitos e de fatos sabidamente inverídicos. Com efeito, a lisura do pleito deve ser resguardada (Rp nº 0601530–54/DF, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe de 18.3.2021), e, portanto, as competências constitucionais desta Corte, inclusive no tocante à fiscalização, são instrumentos necessários para garantir a obrigação constitucional de realizar eleições livres e legítimas (RO–El nº 2247–73 e 1251–75, redator para acórdão Min. Alexandre de Moraes). Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, 'a concessão do direito de resposta previsto no art. 58 da Lei 9.504/97 deve ser excepcional, apenas cabível quando houver divulgação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica que extravase o debate político–eleitoral e o direito à crítica inerente ao processo eleitoral' (TutCautAnt nº 0601625–16, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS em 12.11.2020). Não se pode impedir o debate político com a crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, como consequência da liberdade própria dos debates democráticos. Se as falas trazidas envolvem crítica à forma de atuação política, considerada a liberdade de informação do eleitor, não há restrição ao acesso a essa divulgação, mesmo com avaliação severamente crítica e ácida. Por outro lado, o Plenário deste Tribunal, por unanimidade, com ressalva de entendimento do Min. Carlos Horbach, na sessão de 20.10.2022, referendou a liminar concedida pelo Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino nos autos da Rp nº 0601416–76.2022.6.00.0000. Assentou que a imputação direta ao candidato de ser “corrupto” ou “ladrão” não observa a legislação eleitoral regente e a regra de tratamento fundamentada na garantia constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade. Destacou que: [...] não poderia a Justiça especializada permitir que os partidos políticos, coligação e candidatos participantes do pleito deixassem de observar direitos e garantias constitucionais do cidadão durante a exibição da propaganda no horário eleitoral gratuito na rádio e na televisão, utilizando–se como justificativa a liberdade de expressão para realizar imputações que, em tese, podem caracterizar crime de calúnia, injúria ou difamação ou que não observem a garantia constitucional da presunção de inocência. É inviável que se utilize de espaço público de comunicação para reduzir absolutamente o alcance de um direito ou garantia constitucional e, em contraponto, empregar máxima relevância às condenações criminais anuladas pelo Poder Judiciário, que não permitem afirmar culpa no sentido jurídico–penal. A Constituição Federal é clara ao estabelecer o marco temporal final da presunção de inocência, nos termos do art. 5º, LVII, de que: “Ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O dispositivo constitucional não encerra um sentido meramente político de garantia de um estado de inocência, mas funciona como regra de tratamento a todas as pessoas que não tenham sobre seu status jurídico condenação criminal transitada em julgado. Na abalizada doutrina de Aury Lopes Junior, “a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva ou estigmatização precoce do acusado” (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal, 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014). Nesse passo, in casu, a ilegalidade da propaganda impugnada encontra–se na utilização das expressões ¿corrupto' e ¿ladrão', atribuídas abusivamente ao candidato da coligação representante, em violação a presunção de inocência e em ofensa ao art. 22, inciso X da Res.–TSE nº 23.610/2019. É fato notório a existência de decisões condenatórias e da prisão do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, assim como é de conhecimento geral da população que as referidas condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que, no “processo eleitoral, a difusão de informações sobre os candidatos – enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas e na condição de homens públicos, ainda que referentes a fato objeto de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva – e sua discussão pelos cidadãos evidenciam–se essenciais para ampliar a fiscalização que deve recair sobre as ações do aspirante a cargos políticos e favorecer a propagação do exercício do voto consciente” (AgR–REspEl nº 0600045–34/SE, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4.3.2022). Na espécie, de outro vértice, não há mera menção a fatos pretéritos referentes às condenações posteriormente anuladas pelo STF, mas atribuições ofensivas que desborda da mera crítica política, pois transmite mensagem que imputa ser o candidato ¿corrupto' e ¿ladrão', desrespeitando regra de tratamento decorrente da presunção constitucional de inocência e que viola os preceitos normativos previstos nos arts. 243, IX, do Código Eleitoral e 22, X, da Res.–TSE nº 23.610/2019. E, na sessão de 13.10.2022, o Plenário da Corte não referendou a decisão monocrática do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, na Rp nº 0601372–57.2022.6.00.0000, que indeferiu “[...] o pedido de tutela provisória de urgência” (ID 158212630), e, por maioria, concedeu a tutela provisória para remoção de conteúdo de propaganda veiculada no Twitter, nos termos do voto divergente apresentado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que foi acompanhado pela Ministra Cármen Lúcia e pelos Ministros Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes. Ao apresentar as reportagens jornalísticas sob o título ¿Relembre os Esquemas do Governo Lula', a matéria atribui ao candidato Lula uma série de escândalos de corrupção que jamais foram judicialmente imputadas a ele e a respeito dos quais, por conseguinte, nunca teve a oportunidade de exercer sua defesa. Nesse sentido, considero grave a desordem informacional apresentada e, como tal, apta a comprometer a autodeterminação coletiva, a livre expressão, a livre formação da vontade do eleitor. Senhor Presidente, nos estamos diante de um fenômeno absolutamente novo, um fenômeno da desinformação que vai além da fake news é o cidadão comum eleitor ordinário, no sentido enfim gramatical da palavra, não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional, como eu estou é colocando aqui no meu voto eu cito doutrina [...] [...] Dessa maneira, penso que a veracidade do discurso deve ser tutelada, na medida em que a sua falsidade, o problema mais atual com o qual nos defrontamos, pode severamente comprometer a autodeterminação coletiva, promovendo confrontação, radicalização e polarização. O discurso falso não apenas esgarça o tecido social, mas também sufoca a expressão do que lhe é antagônico, efeito social nocivo que esta Corte não pode admitir. Destaco, ainda, que o Ministro Alexandre de Moraes na Rp nº 0601594–25.2022.6.00.0000, por meio de decisão monocrática de 20.10.2022, assentou que: A partir de tal contexto, cumpre enfatizar que a liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando–se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar. A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. [...] A liberdade de expressão permite que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. A Constituição Federal não permite aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio. A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. [...] No caso, embora os Representantes afirmem que a propaganda reproduz teor ofensivo à honra do candidato, violando o art. 53, §2º, da Lei 9.504/1997, verifica–se que a maior parte da publicidade dirige–se a falas de Jair Messias Bolsonaro a respeito de temas relevantes para o debate político–eleitoral, como a fome no País, a pandemia de COVID–19 e o desempenho da economia, e a discursos proferidos pelo candidato que, na verdade, atribuem aos adversários políticos ('o outro lado') determinados posicionamentos concernentes a assuntos sensíveis ao eleitorado, a exemplo do aborto, a denominada ideologia de gênero e a família. Dessa forma, intercalar as frases efetivamente ditas pelo candidato Jair Messias Bolsonaro com a palavra mentira pronunciada pelo locutor e reproduzida no vídeo, na hipótese, constitui estratégia que visa a criticar e desqualificar os posicionamentos externados pelo Representante, sem representar qualquer ofensa à honra do candidato, revelando–se plenamente compatível com a dialética do debate político, inerente ao ambiente da disputa eleitoral. No que concerne ao final da propaganda, considerada a adjetivação de 'Pai da Mentira', nada obstante o tom hostil e ácido de sua utilização, a análise do inteiro teor da propaganda, neste juízo de estrita delibação, revela que o emprego do termo guarda vinculação com as críticas às falas do candidato reproduzidas durante toda a publicidade e apontadas pela Coligação Representada como inverídicas, não se mostrando viável constatar, de plano, o intuito de transgredir a honra do candidato. [...] Reservo–me à análise mais detida da matéria oportunamente, mas, neste momento, considerando a decisão unânime da Corte, quando da análise da citada Rp nº 0601416–76.2022.6.00.0000 e a linha interpretativa que o Plenário está dando às matérias e ele submetidas, incluindo o que julgado na DR nº 0601372–57.2022.6.00.0000, em exame liminar, verifico dos áudios impugnados que foi atribuída ao candidato a pecha de “corrupto”, “ladrão” e ligado a escândalos de corrupção. Assim, nesse ponto, adotando o entendimento externado nos julgados referidos nesta decisão, tenho como presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar, tão somente, para fazer cessar e impedir nova divulgação do áudio no ponto que imputa ao candidato a pecha de “corrupto”, “ladrão” e ligado a escândalo de corrupção descontextualizado. Por outro lado, afasto, por ora, a pretensão trazida nos autos desta DR nº 0601598–62.2022.6.00.0000, voltada à obtenção de direito de resposta por meio de tutela provisória antecipada, considerando–se a natureza satisfativa e irreversível do provimento judicial, nos termos do art. 300, § 3º, do Código de Processo Civil, de que “a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”. Verifica–se que, na hipótese de concessão da tutela antecipada ao direito de resposta, ficaria completamente prejudicado o direito ao contraditório e à ampla defesa dos representados. Nesse sentido: Rp nº 0601634–46/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, de 9.10.2018; e Rp nº 0601510– 63/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, de 10.11.2018. Ante o exposto: a) indefiro o pedido da concessão liminar da veiculação da resposta apresentada, ante a natureza satisfativa da medida; b) defiro o pedido liminar para que os representados se abstenham de divulgar áudio que contenha o mesmo teor do que veiculado na mídia anexa à inicial: 00:01:49 a 00:01:55 (“como grande orquestrador do até então do maior escândalo da história da república que foi o petrolão”), de 00:01:58 a 00:02:02 (“Eu sei que ele é corrupto, apenas quero indicar que além de ser corrupto, é um grande corruptor”), 00:02:30 (“com o ladrão”) e de 00:03:48 a 00:03:52 (“não merecemos a volta da corrupção de Lula e de Zé Dirceu”), IDs 158266242 e 158266243. Citem–se os representados para, querendo, apresentar defesa, nos termos do art. 33 da Res.–TSE nº 23.608/2019. Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, intime–se a Procuradoria–Geral Eleitoral para emissão de parecer, nos termos do § 1º do art. 33 da Res.–TSE nº 23.608/2019. Outrossim, não obstante o deferimento do pedido liminar, é viável a divulgação de parte do áudio, desde que excluídos os trechos acima citados, que imputam ao candidato as pechas de “corrupto”, “ladrão” e ligado a escândalo de corrupção descontextualizado. Encaminhem–se os autos imediatamente para referendo, nos termos do art. 2º da Portaria nº 1.007/2022. Após, retornem os autos conclusos. Publique–se. Brasília, 23 de outubro de 2022. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI Relatora
Data de publicação | 23/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60159862 |
NUMERO DO PROCESSO | 6015986220225999872 |
DATA DA DECISÃO | 23/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | DR |
CLASSE | DIREITO DE RESPOSTA |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Representação |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues |
Projeto |