TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Corregedoria–Geral da Justiça Eleitoral AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0601624–60.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASILADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO – OAB/SP256786–AADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS –... Leia conteúdo completo
TSE – 6016246020225999872 – Min. Benedito Gonçalves
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Corregedoria–Geral da Justiça Eleitoral AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0601624–60.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASILADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO – OAB/SP256786–AADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS – OAB/GO46407–AADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO – OAB/DF70829–AADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO – OAB/DF17115–AADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO – OAB/DF11498–AREPRESENTANTE: JAIR MESSIAS BOLSONAROADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO – OAB/SP256786–AADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS – OAB/GO46407–AADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO – OAB/DF70829–AADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO – OAB/DF17115–AADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO – OAB/DF11498–AREPRESENTADO: LUIZ INACIO LULA DA SILVAREPRESENTADO: GERALDO JOSE RODRIGUES ALCKMIN FILHO AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. USO INDEVIDO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. ATUAÇÃO ORQUESTRADA. DIFUSÃO DE CONTEÚDOS FALSOS. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS. ENTREVISTA VERÍDICA. REPERCUSSÃO. POSTAGENS CRÍTICAS. DEBATE PÚBLICO. INÉPCIA. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Trata–se de ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) destinada a apurar a ocorrência de uso indevido dos meios de comunicação, ilícito supostamente perpetrado por meio da divulgação massiva de conteúdos sabidamente inverídicos e intencionalmente descontextualizados em redes sociais para, de forma criminosa, associar o Presidente candidato à reeleição à prática de pedofilia. 2. Para a propositura da AIJE, é preciso que sejam apresentados indícios e circunstâncias que apontem para a ocorrência de condutas aptas, em tese, a configurar alguma das modalidades de abuso. Na ausência desses elementos mínimos, a petição inicial deve ser indeferida (art. 22, I, c, LC n° 64/90). 3. No juízo de admissibilidade, deve–se avaliar se a parte autora foi capaz de romper a inércia da jurisdição, o que exige, entre outros pressupostos processuais, a aptidão da petição inicial. Esse requisito está ausente, dentre outros motivos, quando não houver correlação lógica entre os fatos descritos e a imputação de práticas abusivas (art. 330, § 1º, III, CPC). 4. Na hipótese dos autos, a ação se ampara na alegação de que há um esquema coordenado para, deliberadamente, difundir informações gravemente descontextualizada de forma rápida e exponencial, por meio da utilização de perfis com grande penetração nas redes sociais, cujos responsáveis teriam aderido ao que foi denominado, na petição inicial, de “cruzada caluniosa”, “blitzkrieg” (guerra–relâmpago) e “guerrilha digital petista”. 5. A grave imputação se faz com base em postagens de influenciadores de perfis variados (como artistas, figuras políticas, chefs de cozinha, jornalistas, filósofos, humoristas e blogueiros), aos quais se atribui atuação dolosa para, em unidade de desígnios com os investigados, produzir e divulgar calúnias. 6. Contudo, a inicial foi instruída apenas com uma seleção de postagens críticas à fala do candidato investigado, proferida durante entrevista concedida no dia 14/10/2022. Os textos publicados, de caráter autoral, diferem significativamente entre si. Muitos debatem a expressão “pintou um clima” e sustentam que essa e outras expressões utilizadas são machistas e misóginas. Nem mesmo a hashtag mencionada (#bolsonaropedofilo) se repete em todas as postagens, constando em pouquíssimos dos tuítes trazidos na petição inicial. 7. A existência da entrevista é fato incontroverso, sendo que os autores, inclusive, transcrevem na petição inicial o teor do que foi dito pelo candidato, classificando a fala como “uma expressão quando muito infeliz”. 8. É ônus da parte autora construir uma narrativa minimamente verossímil sobre as condutas dolosas e de má–fé atribuídas aos supostos envolvidos, pois a jurisdição não pode se mover a partir de meras especulações. 9. Descrever os influenciadores como “pessoas bem esclarecidas, que contam com equipes diversas de apoio [e] sabem como gerar engajamento nas redes sociais” não comporta o salto lógico de tomar a crítica por eles feita ao candidato investigante como elemento que os insira em uma rede de desinformação organizada pelos investigados. 10. Os autores admitem que as postagens se espalharam de forma orgânica e não relatam qualquer ato coordenado concreto entre os autores das postagens. Esse cenário não dá suporte à alegação de que houve uma atuação orquestrada. 11. A decisão liminar proferida nos autos da RP n° 0601521–53 em 16/10/2022 não possui efeitos erga omnes. Seu comando recaiu sobre postagem específica de uma das representadas, proibindo–se aos réus naquela ação “promover novas manifestações sobre os fatos”. 12. O debate público sobre a fala do Presidente da República, candidato à reeleição, em entrevista que teve amplo alcance, não foi interditado pela decisão, constando do julgamento dos embargos declaratórios opostos naquele feito que o vídeo publicado não contém “fato evidentemente falso ou gravemente descontextualizado” (ED na RP n° 0601521–53, Rel. Min. Carmen Lucia, acórdão publicado em sessão de 28/10/2022). 13. A representação terminou extinta sem resolução do mérito, por ausência de requisitos para seu regular processamento. Ressaltou–se que a listagem de links da inicial, que não versava sobre postagens específicas, levou o juízo a erro e que, na emenda à inicial, foram indicados conteúdos de teor distinto do considerado ilícito. 14. Neste feito, mesmo após a emenda à inicial, remanesce o vácuo da narrativa usada para tentar disparar a apuração de uso indevido de meios de comunicação com base em simples e aleatório apanhado de postagens. 15. Assim, sob qualquer ângulo de análise, não se justifica receber petição inicial que, à míngua de indícios e circunstâncias minimamente aptos a indicar a existência de uma rede de desinformação, colocaria sob escrutínio do Tribunal opiniões exaradas por pessoas públicas e canais sobre episódio (verídico) de compreensível interesse público. 16. O simples processamento de demanda desta natureza é capaz de enviar indesejável mensagem à sociedade, no sentido de que as falas de candidatos não poderiam ser criticadas ou mesmo ensejar discussões sobre temas relevantes para o contínuo processo civilizatório. 17. Petição inicial inadmitida. 18. Processo extinto sem resolução do mérito. DECISÃO Trata–se de ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pela Coligação Pelo Bem Do Brasil contra Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, candidatos respectivamente aos cargos de Presidente e Vice–Presidente da República nas Eleições 2022, por suposta prática de uso indevido dos meios de comunicação. A ação tem como causa de pedir fática a alegada promoção de uma campanha de desinformação destinada a degradar a honra e a imagem pública de Jair Bolsonaro, por meio da divulgação massiva de conteúdos sabidamente inverídicos e intencionalmente descontextualizados em diversas redes sociais, com a utilização de perfis de grande alcance, quais sejam: Felipe Neto, Rachel Sherazade, Janja Lula Silva, Fernando Haddad, André Janones, Márcia Tiburi, Randolfe Rodrigues, Mídia Ninja, Jones Manoel, Thiago Brasil/Thiago Resiste, Bode de Esquerda, Paola Carosella, Marina Silva, Quebrando o Tabu, Tabata Amaral, Maurício Ricardo, Desmentindo Bolsonaro, Marcelo Freixo, XPlastic, Manuela D'Avila, Guilherme Boulos, Sergio Marone e Tiago Barbosa. A autora alega, em síntese, que trechos da fala de Jair Bolsonaro, durante entrevista por ele concedida ao podcast Paparazzo Rubro–Negro em 14/10/2022, foram gravemente distorcidos e descontextualizados. Segundo sua narrativa, diversas postagens foram difundidas nas redes sociais Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, atribuindo ao, à época, Presidente a qualificação de “pedófilo”, sendo evidente que as postagens teriam sido realizadas como parte de uma estratégia eleitoral para beneficiar os investigados por meio da difusão de fake news, desinformando o eleitor e criando, artificialmente, estados mentais, emocionais e passionais. A finalidade seria “obscura, criminosa e ilegal”. Narra–se na petição inicial que: a) restou evidente que as postagens foram realizadas como parte de uma estratégia eleitoral para beneficiar os investigados por meio da difusão de fake news, desinformando o eleitor e criando, artificialmente, estados mentais, emocionais e passionais; b) a divulgação de fato sabidamente inverídico e descontextualizado, durante o segundo turno da eleição presidencial e às vésperas do pleito teve a finalidade obscura, criminosa e ilegal de vincular o candidato Jair Messias Bolsonaro ao cometimento de crime sexual, havendo na conduta mais do que uma simples ofensa; c) do conteúdo da íntegra da fala de Jair Bolsonaro ao podcast não é possível extrair qualquer vinculação ao crime que lhe passaram a atribuir por meio de uma narrativa baseada em recordes e encadeamentos inexistes na fala, que foi gravemente descontextualizada “com intuito de transmitir a falsa e absurda ideia de que seria ¿pedófilo' e estaria desrespeitando a legislação pátria e os costumes do povo brasileiro”; d) a ilegalidade da divulgação do conteúdo desinformativo foi reconhecida pelo Min. Alexandre de Moraes, que deferiu medida liminar requerida na representação eleitoral nº 0601521–53.2022.6.00.0000, determinando às plataformas digitais a imediata remoção do conteúdo e aos representados, Gleisi Helena Hoffmann e Luiz Inácio Lula da Silva, que se abstenham de promover novas manifestações sobre os fatos, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e) as gravíssimas imputações, divulgadas de forma concatenada e organizada nas redes sociais de apoio aos investigados, causaram graves impactos em sua campanha, exigindo elevado esforço político e eleitoral, além do dispêndio de vultuosos recursos, para fazer frente à campanha de desinformação, beneficiando os investigados pelo tempo em que a notícia falsa não foi desmentida e a ela foi dada ampla visibilidade, não havendo dúvidas de que se tratou de uma estratégia de desinformação operacionalizada em proveito deles. Sustenta a tipicidade da conduta, sob a ótica do uso indevido dos meios de comunicação, perpetrado por meio da violação aos princípios da autenticidade eleitoral e da máxima igualdade na disputa eleitoral, pois a campanha de desmantelamento da imagem de Jair Bolsonaro mediante a divulgação massiva de conteúdo desinformativo, com a agregação da autoridade e do prestígio das personalidades que o compartilharam, teve o condão de restringir indevidamente o direito à livre informação e à livre formação de opinião do eleitorado, “que tem o direito de saber a verdade factual para formação de seus juízos de valores”. Pondera, ainda, o grande alcance das fake news, considerando o raio de influência da rede que se formou, “que vai muito além do público habitual dos Investigados”, o que, juntamente com a manipulação da informação, “possui grande potencial de criar correntes de opinião distorcidas e influenciar segmento específicos artificialmente”. Ressalta que a gravidade está demonstrada pela conjugação de múltiplos fatores, quais sejam: “(a) o dolo na produção e na difusão da mensagem falsa; (b) a proximidade do período eleitoral; (c) a gravidade expressa na imputação do crime de pedofilia a terceiro; (d) a necessidade de Jair Bolsonaro gastar elevada quantia de fundo partidário para se opor à inverdade na internet; (e) a amplitude que a notícia assumiu devido ao elevado número de seguidores dos perfis engajados na cruzada caluniosa”, e que, nos termos do entendimento já fixado por esta Corte, a internet e as redes sociais enquadram–se como “veículos ou meios de comunicação social”, sendo inegável a subsunção do caso à hipótese de uso indevido dos meios de comunicação. Requer a regular tramitação da demanda e sua procedência para se declarar “(i) a cassação do registro e eventual diploma dos Investigados; (ii) a decretação de inelegibilidade dos Investigados para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição a que se verificou esse abuso, ex vi art. 22 da LC 64/90” (ID 158276828). Por meio de despacho proferido em 26/10/2022, determinei a intimação da parte autora, para, sob pena de indeferimento, emendar a petição inicial, indicando os elementos que revelariam a existência de uma ação coordenada para promover a citada “cruzada caluniosa”, contra o candidato da investigante, à qual os responsáveis pelos perfis mencionados teriam aderido de forma deliberada (158298420). Em resposta, os investigantes sustentam que: a) a decisão proferida na RP n° 0601521–53, por si só, “impediu o uso sensacionalista de uma fala descontextualizada do Representante, explorada de forma ilegal e irresponsável, a fim de lhe imputar a pecha de pedófilo”, ainda que não tenha sido dirigida contra o grupo de pessoas incluídas no polo passivo desta AIJE; b) na citada decisão, o Min. Alexandre de Moraes estabeleceu “uma obrigação de abstenção ampla dos Representados e de seus apoiadores, frente à ordem direta às plataformas de conteúdo para que obstassem a divulgação do material objeto da representação”; c) a decisão, publicada em diversos meios de comunicação, teve ampla publicidade, não sendo possível que “os representados e seus apoiadores” a desconhecessem; d) “[t]odos os influenciadores mencionados na petição inicial são pessoas bem esclarecidas, que contam com equipes diversas de apoio, sabem como gerar engajamento nas redes sociais e, mesmo diante da inequívoca proibição, empreenderam expressivos e ilegais esforços para manter “o conteúdo objeto da ação” em constante postagem, em ofensa à honra do Representante.” c) “os Representados desobedeceram à decisão do Exmo. Min. Alexandre de Moraes e veicularam, em rede de Televisão, a propaganda proibida. No dia 21.10.2022, nos blocos noturno e diurno, os Representados chamaram os telespectadores para buscarem no google os termos 'Bolsonaro 14 anos', o que ensejou ordem de remoção pela Min. Isabel Galloti e deferimento de direito de resposta' (RP n° 0601641–96 e DR n° 0601646–21); c) “tanto foi o interesse dos Representados em difundir a informação falsa e descontextualizada que descumpriram uma decisão deste C. TSE e levaram o ¿conteúdo objeto' de proibição à rede de televisão, arcando com as possíveis consequências da desobediência”; d) “a imputação construída na petição inicial é de que a falsidade objurgada foi difundida de maneira orgânica pela guerrilha digital petista, [...] [i]sto é, um influenciador que apanha o conteúdo falso e lança a outro que, por sua vez, tece suas considerações e atira a um terceiro, fazendo o conteúdo circular de forma massiva e sem controle nas redes”; e) “[d]essa forma, de pessoa em pessoa, de influenciador em influenciador, foi tecida a rede (ou teia) de mentiras, que lesionou a campanha dos Representantes, impedindo que muitos sufragassem a candidatura de JAIR MESSIAS BOLSONARO, diante de significativa, ilegal e injusta ofensa à imagem do candidato adversário”; f) a asserção de que os Representados foram beneficiários de uma conduta concatenada, empreendida em detrimento dos Representantes, numa eleição que veio a ser decidida com pequena margem de diferença na votação (a menor diferença desde a redemocratização), é causa suficiente para abertura de investigação por abuso de poder dos meios de comunicação; g) para a admissibilidade da ação, basta juízo perfunctório a respeito das alegações, tendo em vista “o interesse público na apuração de fatos potencialmente graves para a lisura do processo eleitoral”; h) “o alcance e a gravidade da estratégia ilegal desenvolvida, por meio de conduta abusiva dos meios de comunicação empreendida em proveito dos Representados, assim como a delimitação do papel exato dos influenciadores, dentro de uma estratégia concatenada e coordenada, pode ser melhor detalhada e apurada ao longo das investigações, sendo inadequado exigir–se o prévio conhecimento e detalhamento do modus operandi, por ocasião da inicial (providência que justificaria a emenda)”. Concluem que “os indícios narrados na inicial, bem como as complementações ora realizadas, acompanhadas dos documentos apresentados nessa oportunidade, autorizam e justificam, com segurança, a abertura da investigação judicial eleitoral”, devendo–se avançar com a instrução de modo a responder se “há gravidade na difusão de fato mentiroso, potencialmente grave e criminoso, imputado a um dos candidatos, numa disputa de segundo turno, mediante rede de apoiadores do outro candidato”. Acostaram cópias das decisões citadas na manifestação e vídeo contendo reprodução do canal Poder 360, com dizeres “21.out.2022 – Lula (programa eleitoral 5min – TV): Bolsonaro facilita venda de armas para o crime”. Havendo sido assegurada a oportunidade para que a parte autora emendasse a petição inicial, reputo que as alegações são insuficientes para suprir o vício de inépcia. O art. 22 da LC n° 64/90, que embasa a propositura da ação de investigação judicial eleitoral, exige que a demanda contenha elementos suficientes para seu processamento, dentre os quais a apresentação de indícios mínimos de ocorrência de condutas aptas, em tese, a configurar alguma das modalidades de abuso. Tendo em vista a gravidade das sanções que podem decorrer da condenação, a lei reforçou a necessidade de que o exame de viabilidade da ação seja feito antes da citação dos réus, conforme se extrai do inciso I, c, daquele dispositivo: Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor–Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: I – o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial, adotará as seguintes providências: [...] c) indeferirá desde logo a inicial, quando não for caso de representação ou lhe faltar algum requisito desta lei complementar; (Sem destaques no original) Para o adequado juízo de admissibilidade, deve–se avaliar se a parte autora foi capaz de romper a inércia da jurisdição, o que exige, entre outros pressupostos processuais, a aptidão da petição inicial. Esse conceito é extraído, contrario sensu, do § 1º do art. 330 do CPC, que descreve características que tornam a petição inicial inepta e, portanto, incapaz de disparar a atuação jurisdicional. Transcrevo: Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: I – for inepta; [...] § 1º Considera–se inepta a petição inicial quando: I – lhe faltar pedido ou causa de pedir; II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV – contiver pedidos incompatíveis entre si. Como se percebe, as hipóteses de inépcia dizem respeito a vícios lógicos intrínsecos à petição inicial, à qual falta: (i) narrativa fática ou jurídica; (ii) pedido determinado; (iii) correlação entre os fatos descritos e as consequências jurídicas pretendidas; (iv) coerência entre as providências pleiteadas. É de especial importância para a AIJE a exigência de correlação lógica entre fatos descritos e a imputação de práticas abusivas. Isso porque, tal como visto acima, o art. 22 da LC n° 64/90 impõe que sejam apontados “indícios e circunstâncias” que confiram suporte à ação. Quando insuficientes esses elementos, a ação deve ser extinta em seu nascedouro. A preocupação com o manejo responsável da AIJE é, ademais, reforçada pelo art. 25 da LC n° 64/90, que tipifica como crime o ajuizamento temerário de demanda que pode levar à declaração de inelegibilidade. É certo que, na hipótese, não se está diante dessa circunstância extrema, pois “o ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral com base apenas em elementos indiciários ou prova pouco robusta não basta, por si só, para condenação por litigância de má–fé e/ou configuração do crime previsto no art. 25 da LC nº 64/1990, tendo em vista a necessária comprovação da intenção de alterar a verdade dos fatos, da deslealdade e do abuso de direito” (AIJE n° 0601779–05, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 11/03/2021). No entanto, tampouco é possível considerar que a demanda, tal como proposta e mesmo após os complementos trazidos na petição de ID 158298420, tenha preenchido requisitos mínimos para que seja considerada viável. Conforme se observa, a ação se ampara na alegação de que há um esquema coordenado para, deliberadamente, difundir informações gravemente descontextualizadas de forma rápida e exponencial, por meio da utilização de perfis com grande penetração nas redes sociais, cujos responsáveis teriam aderido ao que denominou de “cruzada caluniosa”. A grave imputação atinge influenciadores de perfis variados (como artistas, figuras políticas, chefs de cozinha, jornalistas, filósofos, humoristas e blogueiros), aos quais se atribui atuação dolosa para, em unidade de desígnios com os investigados, produzir e divulgar calúnias. O grupo de pessoas e perfis que estariam envolvidos, nas palavras dos autores, em uma “blitzkrieg” (guerra–relâmpago) contra o candidato seria composto por: Felipe Neto, Rachel Sheherazade, Janja Lula Silva, Fernando Haddad, André Janones, Márcia Tiburi, Randolfe Rodrigues, Mídia Ninja, Jonas Manoel, Thiago Brasil, Bode de Esquerda, Paola Carosella, Marina Silva, Quebrando o Tabu, Tabata Amaral, Maurício Ricardo, Desmentindo Bolsonaro, Marcelo Freixo, XPlastic, Manuela D'Ávila, Guilherme Boulos, Sergio Marone e Tiago Barbosa. Essas pessoas não foram incluídas no polo passivo da ação. Mas suas postagens autorais são apontadas como ilícitas, o que, em uma ação deste porte, tem efeito intimidatório – sem que a autora tenha, diretamente, assumido o ônus público de requerer a abertura de investigação contra influenciadores de grande porte. Percebe–se por isso o risco de que a ação, sem substância, avance perigosamente sobre o campo da liberdade de expressão. Note–se que, já no despacho em que se determinou a emenda à inicial, foi indicado o vício lógico da petição inicial: a ausência de correlação entre meras postagens críticas à expressão “pintou um clima”, assumidamente dita pelo segundo investigante, e a grave afirmação de que diversas figuras públicas fariam parte de um esquema coordenado que orquestrou uma “cruzada caluniosa” liderada pelo então candidato Lula. Com efeito, foram apresentados diversos prints que demonstram a repercussão – no caso, desfavorável – do trecho da entrevista de Jair Bolsonaro ao podcast Paparazzo Rubro–Negro em 14/10/2022. Porém, simples leitura revela que os textos publicados diferem significativamente entre si. Muitas postanges debatem a expressão “pintou um clima” e sustentam que esta e outras expressões utilizadas são machistas e misóginas. Nem mesmo a hashtag mencionada (#bolsonaropedofilo) se repete em todas as postagens, constando em pouquíssimos dos tuítes trazidos na petição inicial. Aspecto relevante é que a existência da entrevista é admitida pelos autores, que, inclusive, transcrevem na petição inicial o teor do que foi dito por Jair Bolsonaro, classificando a fala como “uma expressão quando muito infeliz”. Há, portanto, um fato incontroverso, que são os dizeres do Presidente da República, apto a despertar comoção nas redes sociais e levar pessoas a opinarem de diversas formas, inclusive exarando críticas incisivas. Selecionar algumas dessas manifestações críticas, particularmente entre perfis com grande número de seguidores, não é suficiente para ajuizar uma ação em que alegadamente se quer investigar uma “guerrilha digital petista” (ID 158321458, p. 6). Sem dúvida alguma, a efetiva descrição de um elemento de coordenação, ainda que por contornos genéricos, seria indispensável para evitar que esta AIJE se convolasse em mero mecanismo de silenciamento de críticas públicas aos candidatos. Não se está a exigir, como asseveram os autores, que a prova cabal de um conluio acompanhasse a inicial. O que se assinala é que é ônus da parte autora construir uma narrativa minimamente verossímil sobre as condutas dolosas e de má–fé atribuídas aos supostos envolvidos, pois a jurisdição não pode se mover apenas a partir de um apanhado aleatório de postagens nas redes, que têm por único ponto em comum a repulsa, vinda de perfis com muitos seguidores, à fala do candidato. Pois bem. Concedida aos investigantes a oportunidade de complementar sua narrativa com algum elemento que sugerisse haver atuação dolosa e coordenada, não tiveram êxito. Isso porque limitaram–se a agregar argumentos no sentido de que os autores das postagens não poderiam desconhecer que a decisão liminar proferida pelo Min. Alexandre de Moraes na RP n° 0601521–53 em 16/10/2022 teria imposto “uma obrigação de abstenção ampla dos Representados e de seus apoiadores” de fazer “uso sensacionalista de uma fala descontextualizada”. Não é difícil perceber que essa linha de raciocínio se apoia em um inexistente efeito erga omnes das decisões em representações por propaganda irregular. O fato é que a RP n° 0601521–53 foi ajuizada contra Gleisi Helena Hoffmann Coligação Brasil da Esperança e Luiz Inácio Lula da Silva, e não com base em opinião emitida, mas visando remover conteúdo editado de forma a distorcer o sentido da entrevista. Os representados são os únicos destinatários da proibição de não mais abordar o episódio. Leia–se os trechos pertinentes: A postagem realizada pela Representada Gleisi Hoffmann, em 15/10/2022, se descola da realidade, por meio de inverdades, fazendo uso de recortes e encadeamentos inexistentes de falas gravemente descontextualizadas do Representante, com o intuito de induzir o eleitorado negativamente, diante da autoria de fato grave (pedofilia). Uma vez apresentado o recorte do vídeo pela Representada, a #bolsonaropedofilo foi prontamente elevada à condição de primeira colocada na rede social, o que comprova a ampla dimensão do conteúdo impugnado. (16/10/2022) [...] Ante o exposto, DEFIRO A LIMINAR, para que: i) as Plataformas digitais TIKTOK, INSTAGRAM, LINKEDIN, YOUTUBE, FACEBOOK, TELEGRAM e KWAY, bem como os REPRESENTADOS, removam IMEDIATAMENTE O CONTEÚDO objeto desta ação, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) – a contar de 2 horas da ciência dessa decisão – com as URLs assim indicadas pelos Representantes: (...) ii) os Representados se ABSTENHAM de promover novas manifestações sobre os fatos tratados na presente representação acima detalhada, tanto em concessionárias do serviço público como nas redes sociais, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada um dos representados, por reiteração; (sem destaques no original) A parte autora, ao afirmar que não é possível que os autores dos posts desconhecessem a decisão proferida na RP n° 0601521–53, desconsideram, assim, que esse aspecto é irrelevante para os fins de uma AIJE em que se pretende investigar uma atuação orquestrada, dolosa e criminosa. Descrever os influenciadores como “pessoas bem esclarecidas, que contam com equipes diversas de apoio [e] sabem como gerar engajamento nas redes sociais” não comporta o salto lógico de tomar sua crítica ao candidato investigante como elemento que os situe em uma rede de desinformação organizada pelos investigados. Isso, na verdade, parece ser constatado pelos investigantes, que admitem que as postagens se espalharam de forma orgânica. Mesmo quando supõem que conteúdos falsos seriam passados de influenciador para influenciador, não relatam qualquer ato concreto coordenado entre os autores das postagens. Ou seja, o que se tem são conteúdos de interesse dos usuários de redes sociais – em sua maior parte, postagens refletindo a opinião dos responsáveis pelos perfis –, criados espontaneamente por figuras públicas e canais que debatiam um tema momentoso. Esse cenário não dá suporte à alegação de que houve uma atuação orquestrada. Acresça–se que, passada a máxima urgência da análise do pedido formulado na RP n° 0601521–53, a Relatora do feito, Min. Carmen Lucia, concluiu, ao apreciar os embargos declaratórios opostos pelos representados, que “a listagem de links exposta na petição inicial levou o juízo a erro, na medida em que, como afirmam os embargantes, a quase totalidade deles não cumpria com um mínimo de suficiência o disposto no inc. III do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral”. Constatou–se, assim, que, em momento crítico do período eleitoral, os ora investigantes valeram–se da agilidade própria à tutela para remoção de propaganda irregular requerendo a remoção até mesmo de canais inteiros, como se fossem postagens isoladas, o que foi reportado pelas plataformas. Ademais, mesmo naquele feito, que redunda em sanções menos severas que a AIJE, a Relatora concluiu não haver condições mínimas para prosseguimento da ação, extinguindo–a sem resolução do mérito. Transcrevo os fundamentos que prevaleceram, por maioria de 6 a 1, no julgamento havido em 28/10/2022: 13. É necessário, no ponto, delimitar exatamente a causa de pedir delineada na petição inicial dessa representação. Não se afirma mostre o vídeo publicado fato evidentemente falso ou gravemente descontextualizado, em decorrência de cuja desinformação assim produzida, fosse ofensivo à honra de candidato ou à lisura do processo eleitoral de forma a caracterizar conteúdo provocador de confusão informativa ou mentira a autorizar a interferência desta Justiça Eleitoral. O que tornaria ilícitas as postagens, portanto, não seria a veiculação da fala em si mesma, mas, na assertiva dos representantes, a “absurda imputação de conduta criminosa (art. 217–A do CP)” contida nas mensagens que o veiculam, pois, complementam, “referida mensagem, a olhos desarmados, degrada a boa imagem do Presidente JAIR MESSIAS BOLSONARO, ambicionando imputar, no seio do eleitorado, de forma absolutamente descontextualizada e vil, a (falsa) sensação de que ele seria ¿pedófilo'” ou “criminoso”, “depravado”, “traste”. (ID 158246198, p. 2–4). É o caso da postagem de Gleisi Helena Hoffmann em sua rede social Twitter, na qual se veiculava a entrevista questionada, associada ao texto: “Bolsonaro confessa q pintou clima com meninas de 14, 15 anos. Que entrou na casa das garotas... O q mais vamos saber desse homem?! Depravado, criminoso, É triste ver esse traste na presidência do Brasil!”. 14. À parte aquela postagem, já removida como informam os representantes mesmos, não se constata em todos os links trazidos com a petição de ID 15827905 igual referência nem inferência. [...] 15. Em outros casos, os links tratam da repercussão da fala do Presidente da República, e tangenciam o tema da exploração de menores, mas não são idênticos nem suficientemente assemelhados às postagens que serviram de causa de pedir ao ajuizamento da presente representação. É o caso, por exemplo, do link https://lula.com.br/simone–tebet–quando–ele–disse–pintou–umclima–isso–e–crime/. Nele não se contém o vídeo posto em questão. Remete–se à página da campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, da qual consta a seguinte declaração da senadora Simone Tebet: “Quando ele disse ¿pintou um clima', isso é crime. É mais do que isso, é pedofilia, e lugar de pedófilo é na cadeia. Eu não tenho medo, já chamei Bolsonaro de covarde, não tenho medo de dizer que ele cometeu um crime.” Tem–se igual cenário nos links https://www.instagram.com/reel/Cj5L4OTjZVP/?igshid=YmMyMTA2M2Y= (repetidos por três vezes na petição), https://twitter.com/ptbrasil/status/1582687263049207809?s=20 e https://fb.watch/gjShfjtGAG/, que remetem a falas do candidato Lula no sentido de que “Bolsonaro agiu como pedófilo”. Essas falas havidas nas postagens não foram expressamente relacionadas na petição inicial, nem são idênticas às mensagens nela impugnadas. Para a decisão, como afirmado pelas embargantes, há que se esclarecerem os dados apresentados, a fim de que não prevaleça o que apontado na peça recursal, no sentido de que ““existir(ia) equívoco material no julgado, provocado pelos próprios Representantes ao tentarem induzir esse d. Juízo a erro”, porque “as URLs indicadas na inicial são referentes às páginas da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva naquelas plataformas, e não publicações que fazem menção ao conteúdo impugnado nesta ação” (ID
Data de publicação | 01/03/2023 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60162460 |
NUMERO DO PROCESSO | 6016246020225999872 |
DATA DA DECISÃO | 01/03/2023 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2022 |
SIGLA DA CLASSE | AIJE |
CLASSE | Ação de Investigação Judicial Eleitoral |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | USO INDEVIDO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL |
PARTES | COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, GERALDO JOSE RODRIGUES ALCKMIN FILHO, JAIR MESSIAS BOLSONARO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA |
PUBLICAÇÃO | DJE |
RELATORES | Relator(a) Min. Benedito Gonçalves |
Projeto |