TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601443–59.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representados(as): Coligação Pelo Bem do Brasil e outro Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e... Leia conteúdo completo
TSE – 6014435920225999872 – Min. Maria Claudia Bucchianeri
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601443–59.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representados(as): Coligação Pelo Bem do Brasil e outro Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) DECISÃO Trata–se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil e de Jair Messias Bolsonaro, por suposta veiculação de desinformação no horário eleitoral gratuito, mediante inserção de rádio, consistente na divulgação de fatos sabidamente inverídicos, ofensivos e descontextualizados sobre o candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. A representante alega que (ID 158232461): a) nos dias 11 e 12.10.2022, a inserção “Atenção, cuidado com o seu voto” foi veiculada, ao menos, 36 vezes na Rádio Bandeirante, Rádio Band News, Rádio CBN, Rádio Jovem Pan (p. 3); b) a peça publicitária parte “da realidade paralela de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teria contas a prestar com a Justiça, afirmando–se, veladamente, que um voto nele se traduz em apoio a um ¿bandido'” (p. 6); c) a mídia “se vale da prisão ilegal do ex–presidente Lula e da desconexa prisão de terceiros para tentar conjecturar, em um peculiar raciocínio binário, uma espécie de organização criminosa (¿Todos presos; E quem mandava em todos eles?; Lula, também preso')” (p. 10); d) “a seguinte fala (pertencente ao candidato Lula) [é] retirada de seu contexto: ¿É pra quem rouba celular pra vender, pra ganhar um dinheirinho. Depois vão pro bar tomar uma cerveja juntos...'” e veiculada com “cena de um crime à mão armada, passando a impressão equivocada de que o ex–presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva compactuaria com esse tipo de prática” (p. 14); e) agências de checagem “já atestaram que é falso que Lula tenha dito que ladrões roubam celulares para tomar cerveja” (p. 14) f) ao criar artificialmente estados mentais, emocionais e passionais no eleitorado, a propaganda veiculada ofende o art. 242, parágrafo único, do Código Eleitoral e o art. 10 da Res.–TSE nº 23.610/2019, sendo necessária a suspensão da veiculação do conteúdo; g) também se aplica ao caso a norma contida no art. 72, §§1º e 2º, da Res.–TSE nº 23.610/2019, “em virtude da tentativa ardil de levar o eleitor a acreditar que o ex–presidente se trata de um “bandido”, líder de uma indemonstrada organização criminosa – através de sua vinculação a prisão de terceiros sem qualquer relação com seus processos, nos quais, é de bom alvitre consignar, triunfou em todos, sem exceção –, bem como complacente com a criminalidade urbana” (p. 20); e h) “o programa ora atacado, em verdade, nada mais é senão uma desinformação destinada a manipular a opinião pública e atingir a lisura do processo eleitoral” (p. 23), em afronta ao art. 9º–A da Res.–TSE nº 23.610/2019; Requer a concessão de tutela de urgência para que se determine a imediata suspensão da publicação impugnada. No mérito, pleiteia: i) a “confirmação da medida liminar, de modo a determinar que os Representados sejam proibidos de veicular a desinformação em questão – em qualquer meio de transmissão”, e ii) “a condenação dos Representados, determinando–se a abstenção de novas práticas de igual natureza, com a fixação de multa e perda do direito à veiculação de propaganda no horário eleitoral gratuito do dia subsequente ao da decisão” (p. 25). Junta aos autos o áudio impugnado (ID 158232463) e as comprovações das inserções indicadas (ID 158232464). É o relatório. Passo a apreciar o pedido de medida liminar. E, ao fazê–lo, afasto, desde logo, a plausibilidade jurídica da alegada ofensa ao art. 242 do Código Eleitoral, derivada da alegada indução de indevidos “estados emocionais” no eleitorado. Consoante enfatizei na decisão proferida na Rp no 0600896–19/DF, o art. 10, § 1º, da Res.–TSE nº 23.610/2019 é explícito ao estabelecer que, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo–se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão”. Nessa mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático (Rp nº 1201–33/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 23.9.2014). Aliás, “sendo objetivo da propaganda – ou pelo menos da boa propaganda – exatamente gerar nos seus destinatários os mais variados estados mentais, emocionais ou passionais, impõe–se ao intérprete especiais cautelas na exegese do art. 242 do Código Eleitoral de 1965, sob pena de ser inviabilizada a publicidade das candidaturas” (R–Rp no 0601044–69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 20.9.2018). Esse entendimento vem sendo reiterado pelo E. Plenário desta Corte para o presente pleito eleitoral, no Referendo na Rp nº 0601022–69/DF, de minha relatoria, assim ementado: “ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. IRREGULARIDADE. IMPULSIONAMENTO. INTERNET. AUSÊNCIA DO CNPJ. INDICAÇÃO. LEGENDAS. COLIGAÇÃO. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. MEDIDA LIMINAR REFERENDADA. 1. Nos termos do art. 10, § 1º, da Res.–TSE no 23.610/2019, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo–se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão” (destaquei). 2. A jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático. 3. A aplicação da norma proibitiva do art. 242 do CE é cabível apenas em hipóteses excepcionalíssimas, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral, naturalmente vocacionada a despertar sentimentos e emoções, já que a escolha eleitoral nem de longe pode ser qualificada como puramente racional. [...]”. Sempre pertinentes, sob tal aspecto, as lições do saudoso Ministro Gerardo Grossi, expendidas no julgamento de caso histórico (Rp nº 587/DF, PSESS de 21.10.2002), em que conhecida atriz de televisão, em determinada propaganda eleitoral, fazia forte depoimento reconhecendo “ter medo” da vitória da candidatura opositora, o que ensejou interessante debate, nesta Corte, sobre o sentido e o alcance da norma inscrita no art. 242 do CE (p. 3–4): [...] Ao que disse, acrescento que me parece lícito uma pessoa – artista ou não – dizer, publicamente, que tem medo das próprias previsões e análises que faz em torno da vitória de um ou outro candidato à Presidência da República. 3. Na propaganda eleitoral, caberá ao eleitor concordar ou não com tais previsões e análises. É preciso confiar no seu discernimento, nas suas razões para optar por este ou por aquele candidato, sob pena de não se estar acreditando na própria substância do processo democrático representativo. [...] Há, é força confessar, uma certa semelhança entre o dispositivo da Lei de Segurança Nacional e o art. 242 do Código Eleitoral, reproduzido no art. 6º da Resolução nº 20.988. A introdução, nestes, do advérbio 'artificialmente' não os melhora. Enfim, na propaganda eleitoral, como distinguir, com alguma clareza, o que é ou não artificial? Nesse mesmo julgamento (Rp no 587/DF, p. 5), igualmente preciosas as observações do Ministro Sepúlveda Pertence a reforçarem a premissa de aplicação apenas em hipóteses excepcionalíssimas da norma proibitiva do art. 242 do CE, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral: Preocupou–me, na representação que trouxe aqui, a invocação do art. 242 do Código Eleitoral, que é, sim, da redação original do Código. O que introduziu a lei posterior foi apenas a exigência da menção à legenda partidária, e não poderia ser de outra forma. A frase, esta, sim, nos causa medo. Ela é a recordação inevitável, para mim como para o Ministro Gerardo Grossi, de quantas vezes a ouvimos repetida nas auditorias militares, fruto da doutrina da segurança nacional então imposta como artigo de fé aos países periféricos caídos sob o autoritarismo. A transposição da Lei de Segurança Nacional para o Código Eleitoral desta vedação de criar pela palavra estados mentais, emocionais ou passionais, vale, na verdade, pela proibição de qualquer propaganda eleitoral verdadeira, e antecipa de certo modo, no Código Eleitoral, aquele ideal a que então não se ousou chegar, o modelo da Lei Falcão, em que só se criava tédio. De fato, Sr. Presidente, assim como a prognose do paraíso como resultante da eleição de certo candidato, a prognose do inferno como resultado da eleição do adversário, é, sim, mantidos os limites do Direito Penal de certas vedações higiênicas da Lei Eleitoral, o sentido de toda propaganda eleitoral. É, sim, se não criar estados passionais, pelo menos estados mentais e emocionais favoráveis ao candidato que se promove, desfavoráveis ao candidato que se critica. Analiso, agora, a alegada ofensa ao art. 9–A c.c. o art. 22, inciso X, e ao art. 72, §§ 1º e 2º, da Res.–TSE nº 23.610/2019, derivada da suposta veiculação de fatos gravemente descontextualizados, a ponto de torná–los inverídicos, além de violadores à honra do candidato a presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, considerada a métrica já oferecida pelo Plenário desta casa para o pleito de 2022. Consoante já tive a oportunidade de enfatizar em diversas decisões anteriores, entre elas a Rp nº 0600229–33/DF, o meu entendimento é no sentido do minimalismo judicial em tema de intervenção no livre mercado de ideias políticas, de sorte a conferir tratamento preferencial à liberdade de expressão e ao direito subjetivo do eleitor e da eleitora de obterem o maior número de informações possíveis para formação de sua escolha eleitoral, inclusive para aquilatar eventuais comportamentos supostamente desleais ou inapropriados. No entanto, o Plenário desta Corte Superior, considerando o peculiar contexto inerente às eleições de 2022, com “grande polarização ideológica, intensificada pelas redes sociais”, firmou orientação no sentido de uma “atuação profilática da Justiça Eleitoral”, em especial no que concerne a qualquer tipo de comportamento passível de ser enquadrado como desinformativo (R–Rp nº 0600557–60/DF, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, PSESS de 1º.9.2022, em que fiquei vencida isoladamente) e flagrantemente ofensivo. Também assim, o julgamento da Rp nº 0600851–15/DF, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 22.9.2022, ocasião em que esta Casa voltou a destacar o direito do eleitorado não apenas de ter acesso à mais ampla informação, mas, também e sobretudo, à informação “verdadeira” e “não fraudulenta”, com o que se conferiu a esta Casa um dever de filtragem mais fino. Em idêntico sentido, na sessão jurisdicional de 13.10.2022, o Plenário desta Casa determinou, nos autos da RP 0601373–42, a remoção de matéria jornalística, sem nenhuma edição, veiculada ainda no ano de 2011 pela TV Record, envolvendo o debate público então travado em torno do combate a homofobia nas escolas, por se haver considerado que o título atribuído à mídia (19.05.2011 – kit gay causa polêmica) era desinformativo. Nesse mesmo julgamento, em que fiquei vencida ao lado do Ministro Sergio Banhos, o Ilustre Presidente desta Casa, Ministro Alexandre de Moraes, registrou que a associação de diversos fatos verdadeiros a uma conclusão inverídica também configura “fake news”. Sua Excelência também destacou que o só fato de determinadas matérias terem sido divulgadas em veículos tradicionais de imprensa não afasta eventual natureza desinformativa. Também na sessão de 13.10.2022, o Plenário desta Casa, vencidos os llustres Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Sergio Banhos e Carlos Horbach, determinou a imediata remoção dos conteúdos da URL mencionada no acórdão, nos autos da RP nº 0601372–57, por entender que, mesmo tratando–se de um vídeo estruturado a partir de conteúdo jornalístico, apresentava “desordem informacional”. Essa, portanto, é a métrica a nortear a análise do presente feito. Pois bem, consoante relatado, o que se pretende, em sede de tutela provisória de urgência, é a suspensão de suposta veiculação de desinformação e ofensas contra o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, constante de inserção, que pode ser dividida em dois blocos fáticos (ID 158232461, p. 6 e 7): Bloco 1: [Locutor]: Atenção. Cuidado com o seu voto. Quem apoia bandido, é cúmplice. Lula quer os seus cúmplices de volta. José Genuíno, José Dirceu, Antônio Palocci, todos presos. E quem mandava em todos eles? Lula, também preso. Lula quer impunidade para bandidos. Bloco 2: [suposta voz de Luiz Inácio Lula da Silva]: É pra quem rouba celular pra vender, pra ganhar um dinheirinho. Depois vão pro bar tomar uma cerveja juntos... [Locutor]: O seu voto pode trazer essa turma de volta. Você quer ser eleitor ou cúmplice? Cuidado com o seu voto. Quanto ao primeiro bloco fático da propaganda questionada, tem–se conteúdo crítico, duro, ácido e desagradável, a envolver não apenas as pretéritas condenações e prisão do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, mas, também, de antigos aliados e ex–ministros, todos de seu partido, in verbis (ID 158232461, p. 6): Atenção. Cuidado com o seu voto. Quem apoia bandido, é cúmplice. Lula quer os seus cúmplices de volta. José Genuíno, José Dirceu, Antônio Palocci, todos presos. E quem mandava em todos eles? Lula, também preso. Lula quer impunidade para bandidos. Nesse ponto, o que sustenta a representante é que “o ex–presidente Lula triunfou sobre as frívolas acusações que lhe foram feitas, inclusive com absolvições definitivas” (p. 6 e 7); que sua prisão foi “ilegal”; e que “a prisão dos demais sujeitos, noutro giro e sem qualquer juízo de mérito, em absolutamente nada têm a ver com o ex–Presidente Lula” (p. 12). Neste capítulo, portanto, não vislumbro plausibilidade jurídica na tese da representante. De saída, de se registrar que a situação jurídica do candidato Luiz Inácio Lula da Silva é de conhecimento público. Após ser preso e condenado, o candidato teve seus processos integralmente anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), considerado o reconhecimento de graves vícios formais. Esses mesmos vícios formais, que maculavam severamente os procedimentos criminais contra o candidato, também foram reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em inaceitável prática de verdadeira lawfare, expressão que se popularizou entre nós precisamente no contexto do modus operandi adotado pela denominada “Operação Lava Jato” contra o candidato do PT. Resta, no entanto, ainda viva, controvérsia eminentemente técnico–jurídica sobre se tais julgamentos de anulação processual por vícios formais podem ser equiparados a uma sentença de absolvição. Ou, dito de outro modo, muito embora seja inequívoco o restabelecimento do status de inocência do candidato, dada a inexistência de qualquer condenação transitada em julgado contra si, haveria propriedade técnica na afirmação de que teria ele sido “inocentado”? Ou, ainda, seria possível dizer, dada a anulação dos processos respectivos, que os fatos ali narrados foram judicialmente reconhecidos como inocorrentes? Diversas agências de checagem já se debruçaram sobre o assunto e já entenderam que NÃO, ou seja, que não seria possível afirmar, a partir das anulações processuais, que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva “foi inocentado” ou que os órgãos do Poder Judiciário teriam assentado que os fatos objeto dos procedimentos criminais não ocorreram (https://esportes.yahoo.com/entenda–por–que–n%C3%A3o–%C3%A9–201930610.html; https://www.aosfatos.org/noticias/o–que–e–falso–e–o–que–e–fato–em–declaracoes–de–lula–sobre–absolvicoes–na–onu–e–na–justica/). Isso significa, portanto, que os episódios que desembocaram nos processos criminais contra o candidato Luiz Inácio Lula da Silva são públicos, acham–se fartamente documentados em TODOS os veículos credenciados de imprensa, o que impede que a menção a eles seja qualificada como fato sabidamente inverídico, apto a justificar a excepcional intervenção judicial para conceder a medida de urgência ora pleiteada. Não por outro motivo, o Plenário desta Casa, analisando precisamente essa temática (condenação do candidato, anulação de seus processos, debate em torno da melhor expressão jurídica aplicável) já assentou que a alusão a todos esses eventos não configura fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado, não revelando propaganda eleitoral irregular. Confira–se: ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. TELEVISÃO. INSERÇÕES. SUSPENSÃO DO PROGRAMA. DESINFORMAÇÃO. FATOS INVERÍDICOS E DESCONTEXTUALIZADOS. INEXISTÊNCIA. INTERVENÇÃO MÍNIMA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO À CRÍTICA. INDEFERIMENTO DA LIMINAR. REFERENDO. 1. A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, suspender a transmissão de inserção que veicula suposta desinformação na propaganda eleitoral gratuita da coligação representada, em prejuízo ao candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. 2. A orientação jurisdicional deste Tribunal é no sentido de que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão” (AgR–REspe nº 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022, g.n.). 3. Na espécie, pode–se afirmar que é fato notório a existência de condenações criminais e prisão do candidato Lula, assim como é de conhecimento geral da população que foram anuladas pelo STF as referidas condenações, especialmente quanto à extinta Operação Lava Jato. 4. Em análise superficial, típica dos provimentos cautelares, observa–se que a publicidade questionada não transmite, como alegado, informação gravemente descontextualizada ou suportada por fatos sabidamente inverídicos, que extrapole o debate democrático e o direito à crítica inerente ao processo eleitoral, a ponto de justificar a interferência desta Justiça especializada. 5. Não se sustenta a arguição ofensa à honra ou à imagem do candidato por veiculação de informações alusivas a fatos pretéritos, levando–se em conta o que decidido pelo STF no julgamento do RE nº 10106–06, no qual se firmou a tese de que o direito ao esquecimento não está albergado pelo texto constitucional. 6. Liminar indeferida referendada. (Referendo–Rp nº 0601178–57/DF, rel. Min. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, PSESS de 30.9.2022) Cumpre citar, ainda, no mesmo sentido, as decisões proferidas nos autos da DR nº 0600906–63/DF e nº 0601035–68/DF, ambas publicadas em Mural eletrônico de 26.9.2022, e o acórdão plenário proferido na R–DR nº 0600923–02/DF, todos de minha relatoria. Por idênticos motivos, as prisões e os processos criminais contra antigos aliados e Ministros de Estado, todos do mesmo partido do candidato (José Dirceu, Antonio Palocci, José Genuíno), também revelam fatos públicos e notórios, amplamente divulgados por todos os veículos de imprensa, o que, segundo entendo, faz com que a alusão a tais episódios em propagandas eleitorais seja expediente legítimo, que não configura fato manifestamente inverídico, gravemente descontextualizado ou ofensivo à honra. Assim, a narrativa construída na referida peça publicitária, de que não apenas o candidato, mas aliados próximos e antigos ministros, todos do mesmo partido, também se viram envolvidos em processos e condenações judiciais por crimes de corrupção, de sorte que a eleição do candidato poderia trazer essa “turma de volta”, a despeito de ácida e desagradável, não configura, ao meu olhar, fato manifestamente inverídico ou pessoalmente ofensivo, a ponto de justificar a intervenção sancionatória desta Corte. Cabe, em tal cenário, ao próprio candidato, dentro do mais amplo livre mercado de ideias políticas e eleitorais, neutralizar, caso assim deseje, tal construção narrativa, explicando, por exemplo, se ainda tem tais pessoas como aliadas e de que forma pretende evitar que episódios dessa natureza se repitam, especialmente com o envolvimento de agentes políticos que lhe eram próximos. Nesse contexto, entendo que as afirmações contidas na propaganda ora questionada, em especial “Quem apoia bandido, é cúmplice”, “Lula quer os seus cúmplices de volta”, “E quem mandava em todos eles? Lula, também preso”, “Lula quer impunidade para bandidos” são nitidamente críticas, desconfortáveis e, eu diria, até mesmo indesejáveis, num cenário “óptimo” ou “ideal (idealizado, talvez)” de disputas eleitorais fundadas exclusivamente na comparação de projetos políticos (Rp nº 0601326–68/DF, de minha relatoria, Mural eletrônico de 3.10.2022). Apesar de ásperas, no entanto, trata–se, a meu ver, de típicas críticas políticas, também inseridas no debate político, e que devem ser neutralizadas e respondidas dentro do próprio ambiente político, sem a intervenção do Poder Judiciário que, no meu entender, deve se pautar pelo minimalismo judicial, não podendo e nem devendo funcionar como “curador” da “qualidade” de discursos e narrativas de natureza eminentemente políticas, especialmente quando construídas a partir de fatos de conhecimento público. Aplica–se, portanto, à espécie, a jurisprudência desta Casa no sentido de que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”. Nesse sentido: R–Rp nº 2962–41/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010; e Rp nº 0601513–18/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 5.10.2018. Também assim, a premissa de que, “no processo eleitoral, a difusão de informações sobre os candidatos – enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas e na condição de homens públicos, ainda que referentes a fato objeto de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva – e sua discussão pelos cidadãos evidenciam–se essenciais para ampliar a fiscalização que deve recair sobre as ações do aspirante a cargos políticos e favorecer a propagação do exercício do voto consciente” (AgR–REspEl nº 0600045–34/SE, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4.3.2022). Esta casa também já firmou o entendimento de que “não devem ser caracterizados como ¿fake news' [...] as notícias veiculadas em tom exaltado e até sensacionalista” (REspEl nº 972–29/MG, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 26.8.2019 – p. 20, destaquei), assim como é cediço que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico (Rp nº 1393–63/DF, rel. Min. Admar Gonzaga, PSESS de 2.10.2014, entre outros). Nesse contexto, impende destacar alguns julgados cuja ratio decidendi se aplica a este caso, embora referentes a pedido de direito de resposta: ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. INSERÇÕES. VEICULAÇÃO. EMISSORAS DE TELEVISÃO. DESPROVIMENTO. 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), a “liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” (ADI no 4439/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018). 3. A propaganda questionada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. Cuida–se de acontecimentos amplamente divulgados pela mídia, os quais são inaptos, neste momento, a desequilibrar a disputa eleitoral. Em exame acurado, trata–se de declarações, cuja contestação deve emergir do debate político, não sendo capaz de atrair o disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997. 4. Recurso desprovido. (R–Rp nº 0601054–16/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 18.9.2018 – destaquei) ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. INSERÇÕES. TELEVISÃO. INEXISTÊNCIA DE AFIRMAÇÃO SABIDAMENTE INVERÍDICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO. 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. A propaganda eleitoral impugnada foi embasada em notícias veiculadas na imprensa e em entrevistas concedidas pelo próprio candidato recorrente, inclusive com a exibição das manchetes dos jornais na propaganda eleitoral, como forma de demonstrar a origem das informações. 3. Esta Corte já firmou o entendimento de que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico (Rp nº 1393–63/DF, rel. Min. Admar Gonzaga, PSESS em 2.10.2014). 4. A propaganda impugnada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. 5. Recurso desprovido. (R–Rp nº 0601420–55/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 5.10.2018 – destaquei) Também nessa linha, convém realçar as esclarecedoras palavras de Aline Osorio: A crítica política – dura, mordaz, espinhosa, ácida – é peça essencial ao debate democrático. Em disputas acirradas por cargos eletivos, é natural que candidatos e partidos não se limitem a discutir propostas e programas de governo e utilizem também a estratégia de desqualificar seus oponentes, destacando seus defeitos, pontos fracos, erros e manchas em suas biografias [...]. [...] por meio da crítica à figura dos candidatos, os eleitores têm acesso a um quadro mais completo das opções políticas. Considerações a respeito do caráter, da idoneidade e da trajetória dos políticos não são indiferentes ou [ir]relevantes para o eleitorado e fazem parte do leque de informações legitimamente utilizadas na definição do voto. (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 228) Diferente percepção tenho em relação ao segundo bloco fático constante da peça publicitária ora questionada, em que são veiculadas falas de Luiz Inácio Lula da Silva, com imagens de aparente roubo ao fundo. Eis, quanto ao ponto, os fundamentos trazidos pela representante, a balizarem a análise do direito por ela vindicado (p. 14–16): (...). propaganda em destaque prossegue com arranjos sonoros e reproduz a seguinte fala (pertencente ao candidato Lula) retirada de seu contexto: “É pra quem rouba celular pra vender, pra ganhar um dinheirinho. Depois vão pro bar tomar uma cerveja juntos...”. Veja–se, diversas agências de checagem já atestaram que é falso que Lula tenha dito que ladrões roubam celulares para tomar cerveja (...). Como se vê, por meio de tais falas, o programa impugnado, imbuído de forte apelo emocional, consubstancia–se em flagrante descontextualização do ex–Presidente Lula, com a finalidade de transmitir ao espectador um estado emocional de que seria o ex–Presidente conivente com a marginalidade do país 23. Com isso, é clara a intenção dos Representados em incutir a fantasiosa ideia do que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é conivente com a violência urbana que assola nossa sociedade, ao passo que supostamente justificou a ocorrência de roubos para a compra de bebida alcoólica. Nada mais teratológico. 24. Sem mais, o intuito é apenas um: incutir falsas ideias na mente do eleitor, gerando verdadeiros estados passionais e desequilibrar o pleito que se avizinha. 25. Triste investida!. Conforme atestam a agências de checagem apontadas pela representante (fact–check e estadao–verifica – p. 14 e 15), bem como a partir de simples pesquisa à internet, constato que a fala do candidato Luiz Inácio Lula da Silva utilizada na inserção JAMAIS EXISTIU nesses termos, tratando–se, isso sim, de montagem, mediante a reunião de frases que foram ditas em momentos distintos e em contextos distintos. Numa primeira fala, o hoje candidato, então indagado sobre as causas da violência, menciona a “pobreza” e, então sustenta: “Para que ele rouba celular? Para vender, para ganhar um dinheirinho”. Já em outro momento da entrevista, ao enfrentar outro assunto, ao debater o ódio existente na sociedade, ele afirmou: “É preciso distensionar para a sociedade perceber que a torcida do Santa Cruz e do Sport não são inimigas. São adversárias durante o jogo, depois vão para o bar tomar cerveja juntos”. E esse específico trecho do “tomar cerveja juntos” é, então recortado dessa fala e inserido na primeira, para passar a mensagem INVERÍDICA de que Luiz Inácio Lula da Silva teria sustentado – e defendido – que a pessoa “rouba celular” “para tomar cerveja”. Típico caso de grave manipulação discursiva, a impor a atuação corretiva desta Casa. A checagem de fatos da agência Reuters, em matéria de 30 de setembro, foi taxativa ao afirmar que “é falso que Lula tenha dito que ladrões roubam celulares para tomar cerveja”. Nos termos do mencionado sítio, “a alegação tem como base uma montagem que usa trechos de uma entrevista antiga de Lula e muda o sentido das falas do petista. O ex–presidente tampouco minimizou episódios de roubo, como dá a entender o conteúdo desinformativo, que também distorce uma declaração do político sobre violência policial” (https://www.reuters.com/article/fact–check–lula–celular–cerveja–idUSL1N31130O) . A checagem do Estado de Minas vai em idêntico sentido: “é montagem o vídeo de Lula dizendo que ladrões roubam celulares para tomar uma cerveja” (https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/factcheck/2022/07/19/interna_internacional,1381357/e–montagem–o–video–de–lula–dizendo–que–ladroes–roubam–celulares–para–tomar.shtml). A mesma conclusão é extraída do “Estadão Verifica”: “vídeo é editado para parecer que Lula falou em tomar cerveja junto com ladrões de celulares – trechos de entrevista do ex–presidente a rádio universitária de Pernambuco, em 2017, foram recortados para alterar o sentido”. Tal situação revela a nítida propagação de desinformação, comportamento que vulnera a higidez e a integridade do ambiente informativo, valores que justificam e legitimam a intervenção corretiva da Justiça Eleitoral. Isso porque, embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré–campanha e no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem–se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configura prática desviante, que gera verdadeira falha no livre mercado de ideias políticas, deliberadamente forjada para induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha. Daí as preciosas observações de Elder Maia Goltzman, na preciosa obra “Liberdade de Expressão e Desinformação em Contextos Eleitorais” (Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2022, p. 54), no sentido de que “é preciso empoderar o cidadão para que possa tomar suas decisões relativas à esfera pública de maneira consciente e ancorado em informação de qualidade, não em narrativas fabricadas ou versões construídas e distribuídas para ludibriá–lo”. Ante todo o exposto, defiro o pedido de tutela de urgência, para determinar a suspensão da transmissão da propaganda eleitoral impugnada nesta representação. Aplica–se, na hipótese de desc
Data de publicação | 14/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60144359 |
NUMERO DO PROCESSO | 6014435920225999872 |
DATA DA DECISÃO | 14/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | propaganda eleitoral extemporânea negativa |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Maria Claudia Bucchianeri |
Projeto |