TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601394–18.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino Representantes: Coligação Pelo Bem do Brasil e outro Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representada: Coligação Brasil da Esperança e outro Advogados(as): Eugênio José Guilherme de... Leia conteúdo completo
TSE – 6013941820225999872 – Min. Paulo De Tarso Vieira Sanseverino
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601394–18.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino Representantes: Coligação Pelo Bem do Brasil e outro Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representada: Coligação Brasil da Esperança e outro Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representado: Luiz Inácio Lula da Silva DECISÃO Trata–se de representação, por direito de resposta, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil e por Jair Messias Bolsonaro em desfavor da Coligação Brasil da Esperança e de Luiz Inácio Lula da Silva, com fundamento no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, por suposta divulgação de propaganda eleitoral, na modalidade de inserções, contendo mensagem descontextualizada que teria aviltado a imagem daquele candidato à reeleição. Na petição inicial, os representantes alegam, em síntese, que (ID 158213763): a) em 8.10.2022, os representados veicularam 14 inserções em propaganda eleitoral gratuita na televisão que contêm mensagem ofensiva à imagem do representante Jair Messias Bolsonaro, promovendo grave e intencional descontextualização de entrevista concedida pelo candidato como estratégia publicitária de desinformação, reveladora de fato sabidamente inverídico; b) “a entrevista original revela o efetivo e real contexto da fala, que, longe de comportamento repulsivo e desumano que busca construir artificialmente a representada, consubstancia, na realidade, a deferência do representante à cultura indígena [...]” (p. 3); c) a mensagem reproduzida pelos representantes, a partir de recortes do texto original, visa à divulgação de “fake news, desqualificação e ofensa a imagem do candidato adversário”, pois, “como se observa, a peça se descola completamente da realidade, fazendo uso de recortes e encadeamentos inexistentes de falas gravemente descontextualizadas do representante, com intuito de transmitir a falsa e absurda ideia de que seria canibal e até praticante de atos que atentariam contra a população indígena, quando a entrevista integral revela justamente o contrário” (p. 4); d) “desrespeita–se a cultura indígena, a partir de importante ritual funerário, gravado de forte espiritualidade e significação cultural, para transforma–lo em prática bárbara, não civilizada e verdadeiramente monstruosa” (p. 8); e e) “há todo um regramento jurídico eleitoral com a finalidade específica de combater eficazmente a propaganda eleitoral voltada ao aviltamento de candidaturas, notadamente mercê da desonrosa utilização de informação gravemente descontextualizada, de modo a apontar fato inverídico e ofensivo à honra do representante” (p. 5); Ao final requerem o deferimento do pedido ventilado para que, nos termos da Lei nº 9.504/1997, art. 58, § 3º, inciso III, e da Res.–TSE nº 23.608/2019, art. 32, inciso IIII, seja concedido direito de resposta a ser exercido “na forma de inserção em televisão nos mesmos turnos e em igual tempo ao da ofensa (mapa de mídia anexa), mantidas em igual tempo e visibilidade” (p. 10). A Coligação Brasil da Esperança apresentou contestação por meio da petição ID 158223648, na qual aduz que: a) “inserção de propaganda eleitoral da Coligação representada possui simplesmente 4 falas, quais sejam: (i) ¿Depois de todos esses absurdos que o Brasil ja ouviu de Bolsonaro, surge um ainda mais assustador'; (ii) ¿E monstruoso'; (iii) ¿Bolsonaro revela que comeria carne humana'; e (iv) ¿O Brasil nao aguenta mais Bolsonaro'” (p. 4); b) “nenhuma das 4 (quatro) falas contidas na peça de propaganda da Coligação representada ha a divulgação de nenhuma informação que não seja textual e expressamente confirmada na íntegra da entrevista do candidato Jair Bolsonaro” (p. 4); c) “em nenhum momento da propaganda afirma–se que Jair Messias Bolsonaro e adepto do canibalismo. Afirma–se, em pura e simples repetição do que foi dito pelo próprio candidato, que ele comeria carne humana” (p. 4); e d) as expressões utilizadas estão abarcadas pela liberdade de expressão, sendo o direito de resposta uma ferramenta jurídica excepcional que não se aplica à hipótese dos autos. Por fim, pugna pela total improcedência da representação. O Ministério Público eleitoral manifestou–se pela procedência da representação, em parecer assim ementado (ID 158232360): Eleições 2022. Presidente da República. Direito de resposta. Propaganda que, ao editar entrevista, distorce o que o candidato efetivamente disse, produzindo impressão gravemente desvirtuada da imagem do atingido. A pretensão dos representantes consiste na obtenção de direito de resposta, com fundamento no art. 58, § 3º, inciso III, da Lei nº 9.504/1997, em decorrência de alegada veiculação de 14 (quatorze) inserções, em propaganda eleitoral na televisão, no dia 8 de outubro de 2022, em que teria sido transmitido ao público fato inverídico e gravemente descontextualizado com o intuito de macular a imagem do candidato à presidência da República Jair Messias Bolsonaro. Nos termos do art. 58 da Lei nº 9.504/1997, regulamentado pelos arts. 31 a 36 da Res.–TSE 23.608/2019, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social. A jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva do referido art. 58 da Lei nº 9.504/1997, é consolidada no sentido da natureza absolutamente excepcional da concessão do direito de resposta, que somente se legitima, sob pena de indevido intervencionismo judicial no livre mercado de ideias políticas e eleitorais, com comprometimento do próprio direito de acesso à informação pelo eleitor cidadão, nas hipóteses de fato sabidamente inverídico, ou em casos de graves ofensas pessoais, capazes de configurarem injúria, calúnia ou difamação. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte Eleitoral: AgR–REspEl nº 0600102–42/MG, rel. Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 27.11.2020; R–Rp nº 0600947–69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 27.9.2018; R–Rp nº 0601048–09/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS de 25.9.2018; Rp nº 0601494–12/DF, rel. designado Min. Admar Gonzaga, PSESS de 3.10.2018. Na hipótese dos autos, para melhor delineamento da controvérsia, transcreve–se o teor da mensagem impugnada, consistente em recorte de entrevista concedida pelo candidato representante, trazida na petição inicial (ID 158213763, p. 2): [00:00 – 00:08 – narradora] Depois de todos os absurdos que o Brasil já ouviu de Bolsonaro, surge um ainda mais assustador... [00:08 – 00:21 – trechos descontextualizados de entrevista do Bolsonaro] É para comer... cozinha por 2, 3 dias e come com banana. E eu queria ver o índio sendo cozinhado. Daí o cara: se for, eu tenho que comer. Eu como. Aí na comitiva ninguém quis ir. [00:21 – 00:25 – narradora] É monstruoso. Bolsonaro revela que comeria carne humana. [00:25 – 00:27 – trechos descontextualizados de entrevista do Bolsonaro] Eu comeria um índio sem problema nenhum. [00:27 – 00:30 – narradora] O Brasil não aguenta mais Bolsonaro [Grifos no original] Necessário se faz a colação da íntegra do conteúdo da aludida entrevista a fim de se perquirir a existência dos requisitos excepcionais, previstos em lei, que autorizam a concessão do direito de resposta (ID 158213763, p. 3): 00:23 – 00:26 – Bolsonaro] eu vou te falar o que é comer um índio... Vou te falar, tá ok? [00:26 – 00:27 – entrevistador] Não entendi [00:28 – 01:00 – Bolsonaro] Vou te falar o do índio, tá ok? Não comi comida nenhuma lá, porque a pessoa fica em cima da panela abanando para não sentar mosca. Se parasse um segundo, enche de mosca. Tive em Surucucu certa vez, e comecei a ver lá as mulheres índias passando com um carregamento de banana nas costas, uma atrás da outra, e o índio passa limpando os dentes com capim. Eu perguntei: o que está acontecendo? Eu vi muita gente andando... Morreu um índio, e eles estão cozinhando. Eles cozinham o índio. É a cultura deles! [01:00 – 01:01 – entrevistador] O corpo? [01:01 – 01:02 – Bolsonaro] Corpo! Bota o corpo... [01:02 – 01:03– entrevistador] Mas não é para comer não? [01:04 – 01:03– Bolsonaro] É para comer. Cozinha por dois, três dias e come com banana. E daí eu queria ver o índio sendo cozinhado. Daí o cara: “se for, tem que comer”. Eu falei: “eu como”. Daí na comitiva, ninguém quis ir. “Vamos comigo lá”, mas ninguém quis ir. Daí, como na comitiva ninguém quis ir, porque tinha que comer o índio... não queriam me levar sozinho lá. Aí não fui. Eu comeria o índio sem problema nenhum. É a cultura deles... e eu me submeti àquilo. [Grifos no original] Cotejando–se ambos os conteúdos, observa–se que o recorte produzido pelos representados é incongruente com a mensagem original, de modo a configurar grave descontextualização aviltante a imagem do candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro. Consoante se depreende da íntegra da entrevista, trata–se de fala proferida no contexto em que o candidato representante, em visita a agrupamento indígena, descreve rito fúnebre de um dos integrantes do povoado, que fora por ele presenciado. Narra para o entrevistador que, na cultura do povo daquela comunidade, quando um indígena morre, o corpo é cozinhado e, depois, ingerido por todos os que presenciam o ritual, afirmando que, na ocasião, estava disposto a se submeter à cultura indígena e a comer o corpo, somente não o fazendo porque ninguém de sua comitiva concordou em participar. Nessa toada, infere–se que a mensagem veiculada na publicidade desborda, como demonstrado, do espectro possível da significação das falas do candidato. Da forma como foram divulgadas as mencionadas falas do candidato Jair Messias Bolsonaro, retiradas de trecho de antiga entrevista jornalística, há alteração sensível do sentido original de sua mensagem, pretendendo os representados incutir a ideia de que o candidato representante admite, em qualquer contexto, a possibilidade de consumir carne humana, e não especificamente nas circunstâncias narradas no aludido colóquio, o que acarreta potencial prejuízo à sua imagem e à integridade do processo eleitoral que ainda se encontra em curso. Foi nesse sentido que esta Corte Superior se manifestou no julgamento da Rp nº 0601386–41/DF, de minha relatoria, em que fora apreciada controvérsia envolvendo o mesmo material publicitário impugnado neste pedido de direito de resposta. Nessa assentada, o plenário desta Corte, por unanimidade, referendou decisão monocrática em que deferido o pedido de tutela provisória de urgência, na qual ficou assentado que: Realmente, em juízo perfunctório, a mensagem veiculada na publicidade desborda, como alegado, do espectro possível da significação das falas do candidato, pois, como é possível observar do inteiro teor da entrevista concedida pelo representante, a reportagem se refere a uma experiência específica dentro de uma comunidade indígena, vivida de acordo com os valores e moralidade vigentes nessa sociedade. Nessas circunstâncias, entende–se que, na forma em que divulgadas as mencionadas falas do candidato Jair Messias Bolsonaro, retiradas de trecho de antiga entrevista jornalística, há alteração sensível do sentido original de sua mensagem, porquanto sugere–se, intencionalmente, a possibilidade de o candidato representante admitir, em qualquer contexto, a possibilidade de consumir carne humana, e não nas circunstâncias individuais narradas no mencionado colóquio, o que acarreta potencial prejuízo à sua imagem e à integridade do processo eleitoral que ainda se encontra em curso. Na presente hipótese, em juízo preliminar, a plausibilidade jurídica do pedido de suspensão da divulgação da propaganda impugnada foi demonstrada, pois foram ultrapassados os limites da liberdade de expressão, o que justifica a atuação repressiva dessa Justiça Especializada, haja vista ser possível vislumbrar a violação dos arts. 9º e 9º–A da Res.–TSE nº 23.610/19. Sobre a pretensão deduzida pelos representantes, destaca–se trecho do judicioso parecer do Ministério Público Eleitoral (ID 158232360): Com os cortes efetuados na entrevista, o seu contexto fica substancialmente adulterado, em séria deturpação do que foi dito. Não se trata aqui de opinião sobre um fato ou sobre uma pessoa que mais tarde é revista pelo candidato. Em casos assim, não se justifica que se subtraia do eleitor o conhecimento das posições que o candidato já teve no passado. Aqui, a situação é bem diversa. A montagem da entrevista leva o espectador a crer em algo que nunca foi dito com o significado que a edição da matéria divulga. Não se trata, tampouco, de atribuição de fatos reais sem precisão técnica. Aqui, em virtude da edição do material, se concatena uma compreensão que não corresponde ao que foi dito na realidade. A edição da entrevista, na realidade, equivale a trucagem para incutir a impressão de algo de extrema gravidade que não corresponde aos fatos. Ante o exposto, com fundamento no art. 32, inciso III, da Res.–TSE nº 23.608/2019, julgo procedente o pedido de direito de resposta e determino que a resposta seja veiculada por meio de 14 (catorze) inserções, de 30 segundos cada, pelas emissoras e nos horários aludidos no documento ID 158213765, a ser realizada nos espaços de tempo destinados aos programas dos representados. Aprovo o conteúdo da resposta apresentada pelos representantes na petição inicial (ID 158213763, p. 11), porquanto proporcional ao agravo, nos termos do preceito normativo previsto no art. 5º, inciso V, da Constituição Federal. Publique–se. Intime–se. Brasília, 19 de outubro de 2022. Ministro PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO Relator
Data de publicação | 19/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60139418 |
NUMERO DO PROCESSO | 6013941820225999872 |
DATA DA DECISÃO | 19/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | DR |
CLASSE | DIREITO DE RESPOSTA |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Paulo De Tarso Vieira Sanseverino |
Projeto |