TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0600396–74.2020.6.25.0016 (PJe) – CUMBE – SERGIPERELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAESRECORRENTE: SIM 94 FM LTDA, GEORGE MAGALHÃES ANDRADEAdvogado do(a) RECORRENTE: WANDERSON DOS SANTOS NASCIMENTO – SE0004793Advogado do(a) RECORRENTE: WANDERSON DOS SANTOS NASCIMENTO – SE0004793RECORRIDO: PARTIDO SOCIAL CRISTÃO (PSC)... Leia conteúdo completo
TSE – 6003967420206249984 – Min. Alexandre de Moraes
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0600396–74.2020.6.25.0016 (PJe) – CUMBE – SERGIPERELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAESRECORRENTE: SIM 94 FM LTDA, GEORGE MAGALHÃES ANDRADEAdvogado do(a) RECORRENTE: WANDERSON DOS SANTOS NASCIMENTO – SE0004793Advogado do(a) RECORRENTE: WANDERSON DOS SANTOS NASCIMENTO – SE0004793RECORRIDO: PARTIDO SOCIAL CRISTÃO (PSC) – MUNICIPAL, MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORALAdvogado do(a) RECORRIDO: ELAINE CRISTINA CHAGAS PEREIRA – SE9358–A DECISÃO Nos Recursos Especiais (IDs 148721638 e 148721738), os Recorrentes sustentam, em síntese, a ofensa ao art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal, pois George Magalhães apenas narrou fatos ocorridos e fez críticas, sem ofender ou cometer qualquer de tipo de ato ilícito nem propaganda eleitoral negativa. Defende, no caso, ter relatado apenas os episódios sucedidos. Alega, por outro lado, que o então pré–canditado, Erivaldo Barrosa Lima, é pessoa pública, sujeito a críticas, de modo que reprimir o Representado por tal conduta configura censura e violação à liberdade do exercício de imprensa. Em contrarrazões (ID 148722088), o Diretório Municipal de Cumbe requer seja negado seguimento ao Recurso Especial. O Vice–Procurador–Geral Eleitoral opina pela negativa de seguimento ao Recurso Especial (ID 157104798). É breve o relato. Decido. De início, verifica–se que a Recorrente SIM 94 FM Ltda. interpôs, em 29/07/2021, dois Recursos Especiais (ID 148721638 às 20:20 e ID 148721738 às 20:42). Assim, 'a interposição, pela parte, de dois recursos contra o mesmo ato implica a inadmissibilidade do segundo, considerada a unirrecorribilidade recursal e a preclusão consumativa' (RHC 139.307, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 8/6/2020). No mesmo sentido: ED–AgR–RE 421.960, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe de 17/8/2007; AgR–ARE 845.201, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 4/12/2014. Assim, o Recurso Especial interposto no ID 148721738 não deve ser conhecido. No mesmo sentido, não conheço da irresignação de George Magalhães Andrade por falta de interesse recursal, na medida em que, segundo expressamente consta do acórdão regional, 'a presente demanda foi proposta somente em face da FAN FM – CARMÓPOLIS (Associação de Radiodifusão Comunitária da Cidade de Carmópolis/SE), não incluído, no polo passivo da representação, o radialista George Magalhães' (ID 148721338). Conforme se verifica dos autos, há um forte teor propagandístico na programação normal da rádio SIM 94 FM Ltda. (anteriormente FAN FM – Carmópolis) e sem isonomia no tratamento dos candidatos. Vejamos o que foi dito na programação normal no dia 12/11/2020 (ID 148721188): “George Magalhães: Duas senhoras, ele passa, ele tira do bolso, o vídeo ele é muito éeee explícito, ele tira do bolso cédulas, ou seja, dinheiro, entrega provavelmente a proprietária da residência, e a proprietária da residência é o que deixa transparecer faz uma espécie de entrega desse dinheiro, isso tudo é explícito, é porque nós estamos trabalhando, eu estou fazendo a narrativa porque nós estamos no rádio, não estamos numa emissora de televisão, mas nós iremos colocar esse vídeo no fanf1.com.br daqui a pouco e ali quando ela está passando o dinheiro, a pessoa que está recebendo, isso foi em Cumbe viu, recentemente, a pessoa que está recebendo o dinheiro assume o compromisso de votar em um determinado candidato a prefeito, façam isso não, Cidade de Cumbe está estarrecida com esse tipo de problema, oi cidadão que está agindo desse jeito pode ter certeza ele não terá compromisso nenhum com os moradores da Cidade depois, cidade de Cumbe todos sabem ahhhh a administração por dois mandatos do atual prefeito, o que que ele pode fazer pelo município de cumbe, uma administração que todos sabem, dispensa comentários pelo trabalho que tem feito, e de repente esse trabalho ele ser prejudicado porque alguém chegou na cidade de cumbe e resolver comprar a consciência do eleitorado, é estarrecedor, eu vou é no decorrer do programa, é porque é existe a imagem porque a imagem é muito mais forte do que o momento em que a pessoa que tem acesso ao recinto entrega o dinheiro e ai conversa olhe compromisso é compromisso, estou aqui vindo. Aqui seu dinheiro, mas tem que cumprir o compromisso, mas as imagens elas são muito mais fortes do que a conversa em si, e deixa transparecer também que a pessoa já estava ali de prontidão esperando essa oferta, entre aspas, chegar. Sujeira, isso é uma situação que ninguém pode comungar o que está acontecendo na cidade de Cumbe, outro detalhe, esse vídeo já foi inclusive encaminhado para o representante do Ministério Público Eleitoral, envolvidos nessa questão vai estar a pessoa que levou o dinheiro, a pessoa que entregou o dinheiro e quem recebeu, ou seja, os três irão responder processo, se a pessoa que levou o dinheiro, que foi a pessoa indicada para privilegiar uma determinada candidatura no município de Cumbe e resolver chegar no Ministério Público e afirmar olhe eu realmente eu entreguei o dinheiro, porque a imagem não mente, a imagem não é Fake News, olhe eu levei realmente o dinheiro e foi para prestigiar ou para privilegiar a candidatura a ou b do município de Cumbe, se ele declinar o nome desse que resolveu comprar o voto no momento da eleição, muito cuidado muito cuidado, porque hoje todo mundo tem um celular e faz a filmagem, se no Ministério Público esse cidadão ou a senhora que recebeu o dinheiro, ou a outra senhora que fez uma espécie de pagamento resolver declinar o nome de quem estava sendo ou quem será privilegiado no momento da eleição com a compra do voto cabe ai a justiça e ao Ministério Público pedir indeferimento da candidatura, é olhe como diz no jargão popular é um prato cheio para que essa candidatura seja anulada, até mesmo se a justiça for célere antes da eleição, ai o candidato que seria privilegiado ele que vá brigar na justiça para obter êxito caso seja eleito para exercer o mandato, isso acontecer em cumbe uma vergonha, o que aconteceu em Cumbe foi uma vergonha, a compra explícita do voto de uma senhora lá no município de Cumbe, vou tentar colocar daqui a pouco ohhh o vídeo no ar, mas como e disse antes as imagens são muito mais fortes do que exatamente o que eles conversam, eles não conversam muito, mas agem com muita nitidez perante o vídeo, o dinheiro que é retirado do bolso é do cidadão que entra, que passa pra uma pessoa e ele depois sai, ai essa pessoa passa o dinheiro para uma possível eleitora que estava sendo comprada, os três logo logo serão chamados pela justiça eleitoral pra que expliquem essa situação e se lá o depoimento colocar outro nome e que esse nome seja de quem realmente mandou fazer o pagamento significa compra do voto, provavelmente essa candidatura ela será indeferida pela justiça e mesmo que o resultado seja favorável esse candidato, se é que podemos chamar de candidato de candidato, ele não irá assumir o pleito que ele acha que ganhou com a compra do voto, vamos aguardar. É no decorrer do programa estaremos trazendo mais informações sobre essa situação lá na Cidade de Cumbe” Para os Recorrentes, a mensagem encontra abrigo na liberdade de expressão. Entretanto, o direito fundamental à livre manifestação de pensamento, consagrado constitucionalmente, deve ser exercido dentro do binômio LIBERDADE com RESPONSABILIDADE. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais. No célebre caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630–1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando–se a existência de verdades absolutas e permitindo–se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”. No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435). Todas as opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271–72). O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688–89, 1959). A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático, como ressaltado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, na ADI 4451, de minha relatoria (DJE de 6/3/2019). Observe–se, porém que a liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. Dessa maneira, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. Nesse cenário, a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto. Nesse sentido: RESpe 0600025–25.2020, de minha relatoria. Portanto, não há respaldo a tese de que a notícia veiculada estaria dentro dos contornos da liberdade de imprensa e do direito jornalístico de informar, de criticar ou de debater interesse de assunto de interesse local. Como bem destacado pela Corte de origem, percebe–se que “a pretexto de divulgar matéria jornalística, a emissora de rádio [...] conclama o eleitor a não votar no então candidato Erivaldo Barroso Lima, descumprindo, assim, comando normativo, proibitivo das emissoras de rádio veicular, em sua programação normal, propaganda eleitoral.” (destaquei). Nesse sentido: “[...] Duas senhoras, ele passa, ele tira do bolso, o vídeo ele é muito é explícito, ele tira do bolso cédulas, ou seja, dinheiro, entrega entrega provavelmente a proprietária da residência, e a proprietária da residência é o que deixa transparecer faz uma espécie de entrega desse dinheiro, isso tudo é explícito, é porque nós estamos trabalhando, eu estou fazendo a narrativa porque nós estamos no rádio, não estamos numa emissora de televisão, mas nós iremos colocar esse vídeo no fanf1.com.br daqui a pouco e ali quando ela está passando o dinheiro, a pessoa que está recebendo, isso foi em Cumbe viu, recentemente, a pessoa que está recebendo o dinheiro assume o compromisso de votar em um determinado candidato a prefeito, façam isso não, Cidade de Cumbe está estarrecida com esse tipo de problema, oi cidadão que está agindo desse jeito pode ter certeza ele não terá compromisso nenhum com os moradores da Cidade depois (¿).” (destaquei) Além disso, após imputar o crime de compra de votos (art. 299 do Código Eleitoral), o radialista George Magalhães ainda enaltece a administração do então Prefeito. Vejamos: “[¿] cidade de Cumbe todos sabem ahhhh a administração por dois mandatos do atual prefeito, o que que ele pode fazer pelo município de cumbe, uma administração que todos sabem, dispensa comentários pelo trabalho que tem feito, e de repente esse trabalho ele ser prejudicado porque alguém chegou na cidade de cumbe e resolver comprar a consciência do eleitorado, é estarrecedor, (...) (destaquei) Como se vê, a pretexto de divular matéria jornalística, o que se verifica é o excesso ao limite da crítica e da liberdade de manifestação do pensamento, assim como do propósito de prejudicar a candidatura do adversário político, imputando–lhe a prática de crime, em evidente propaganda eleitoral negativa. Tal circunstância afronta a isonomia e se revela “incompatível com a finalidade social das emissoras de rádio”. Por outro lado, conclusão contrária exigiria o revolvimento do acervo fático probatório, o que é vedado pela Súmula 24/TSE. Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO ao Recurso Especial, nos termos do art. 36, § 6º, do RITSE. Publique–se. Brasília, 5 de janeiro de 2022. Ministro ALEXANDRE DE MORAES Relator
Data de publicação | 06/01/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60039674 |
NUMERO DO PROCESSO | 6003967420206249984 |
DATA DA DECISÃO | 06/01/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2020 |
SIGLA DA CLASSE | REspEl |
CLASSE | RECURSO ESPECIAL ELEITORAL |
UF | SE |
MUNICÍPIO | CUMBE |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | propaganda na Internet |
PARTES | GEORGE MAGALHÃES ANDRADE, Ministério Público Eleitoral, PARTIDO SOCIAL CRISTÃO (PSC) - MUNICIPAL, SIM 94 FM LTDA |
PUBLICAÇÃO | DJE |
RELATORES | Relator(a) Min. Alexandre de Moraes |
Projeto |