TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Trata–se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil e por Jair Messias Bolsonaro, candidato à Presidência da República, em desfavor da Coligação Brasil da Esperança e de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da qual se insurgem contra a propaganda veiculada pelos Representados na Televisão, no dia... Leia conteúdo completo
TSE – 6015942520225999872 – Min. Alexandre de Moraes
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Trata–se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil e por Jair Messias Bolsonaro, candidato à Presidência da República, em desfavor da Coligação Brasil da Esperança e de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da qual se insurgem contra a propaganda veiculada pelos Representados na Televisão, no dia 18/10/2022. Na inicial, os Representantes narram, em síntese: i) 'no dia 18.10.2022, os Representados deram início à veiculação de propaganda nos blocos de TV da Tarde e da Noite – vocacionada à ofensa moral do Presidente Jair Messias Bolsonaro – que, como maliciosamente planejada, ofendeu a imagem do Representante, em franca violação à legislação de regência do mais recente entendimento jurisprudencial do Eg. TSE'; ii) 'a ilegalidade perpetrada salta aos olhos, pois a propaganda se vale de falas do segundo Representante, qualificando–as (sem apresentar qualquer elemento fático) como mentirosas' e, ao término, atribui ao candidato a adjetivação de 'Pai da Mentira', termo que remete à figura do diabo, conforme versículo bíblico (João 8:44); iii) 'há, inclusive, utilização de montagem para retratar o Presidente Jair Bolsonaro com face diabólica, que, por óbvia, destoa de qualquer mínimo grau de civilidade no debate político'; iv) a propaganda se vale 'de dados sabidamente inverídicos ao (i) sustentar que um salário–mínimo na época do governo do candidato Luiz Inácia provia a população do poder de compra equivalente a 5 cestas básicas; (ii) promover comparação indevida das taxas de desemprego no país'; v) 'a liberdade de expressão não é absoluta, sendo de rigor o atendimento pelos players eleitorais do quanto disposto na legislação de regência, notadamente nos arts. 53, § 2º, da Lei das Eleições, e nos arts. 9º e 9º–A da Resolução nº 23.610/2019'; vi) o termo 'Pai da Mentira' empregado na propaganda se utiliza da fé do candidato Jair Bolsonaro, uma vez que 'remete precisa e inequívoca à figura do DEMÔNIO', tratando–se de expressão 'traduzida e transliterada do grego para a língua portuguesa e criou na cultura ocidental um clichê que condensa todos os desvalores expressos no Capítulo 8 do Evangelho de João: a tentativa de apedrejamento da mulher adúltera; a prepotência dos fariseus que imputam a Jesus 'testificar a si mesmo'; a negação do povo judeu àquele que se apresentou como Messias, expressa na provocação em 'Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Sereis livres?'; vii) 'a propaganda cria todo um contexto que direciona para o Representante a pecha de ardiloso, vil e corrupto, tudo numa simples propaganda de 30' (trinta segundos)', tendo, como alvo, 'o público evangélico que é capaz de perceber essas nuances todas e atribuir à propaganda todo o desvalor que busca transmitir'; viii) no voto proferido na Representação 060037–03, o Ministro ALEXANDRE DE MORAES assentou que a comparação entre um pré–candidato e o demônio evidentemente denota pedido de não voto; ix) atribuir ao candidato a adjetivação de 'Pai da Mentira' representa 'uma ofensa que tangencia a própria degradação, na medida em que se vale dos fortes ideais religiosos do Representante Jair Bolsonaro para a aferição de dividendos eleitorais'; x) 'para além de simples texto ofensivo, a propaganda faz uso da grafia e das cores conhecidas do público brasileiro, anteriormente empregada e muito difundidas pela capa do filme Advogado do Diabo (Taylor Hackford, 1991), para robustecer as perniciosas associações e incutir no imaginário de parte do eleitorado, mormente o menos esclarecido, uma mensagem final altamente pejorativa ao candidato adversário'; xi) a publicidade, ao afirmar que ''com Lula, o salário–mínimo dava para comprar cinco cestas básicas' e 'com o atual governo, 10% dos brasileiros estão desempregados. Com Lula, eram apenas 5%', veicula fatos sabidamente inverídicos; xii) dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), fonte indicada na própria propaganda, revelam que, em 2010, 'o valor médio de uma cesta básica era de R$ 228,89', razão pela qual, 'considerando que, naquele ano, o valor do salário mínimo era de R$ 510,00, é possível verificar a possibilidade de compra de 2,22 cestas básicas', sendo enganosa a publicidade no tocante à possibilidade de aquisição de 5 cestas básicas; xiii) ao divulgar que, 'com o atual governo, 10% dos brasileiros estão desempregados. Com Lula, eram apenas 5,3%', a publicidade também apresenta conteúdo inverídico, considerada a 'impossibilidade de se realizar qualquer tipo de comparação entre as taxas verificadas em 2010 e as vigentes em 2022 por ocasião de mudanças na metodologia empregada pelo IBGE no ano de 2016', situação que foi amplamente divulgada pelos veículos da imprensa; xiv) 'a inveracidade também se faz existente na afirmação de que a taxa atual seria de 10%, o que não encontra paralelo com os dados divulgados na página do IBGE, que aponta uma taxa de 8,9%'; xv) a propaganda viola o art. 54, § 1º, da Lei 9.504/97, tendo em vista a aparição da Senadora Simone Tebet, candidata à Presidência da República pelo MDB; xvi) 'considerando que o MDB promoveu a candidatura de Simone Tebet ao cargo de Presidente da República, houve, por óbvio, apoio formal e oficial do partido à sua candidatura nas eleições de 2022, incide a vedação de sua aparição na propaganda do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que ele não tenha logrado êxito no 1º turno'. Requerem, liminarmente, 'a concessão da tutela de urgência requestada, a fim de que se determine a imediata retirada e se proíba a retransmissão, por quaisquer meio de propaganda eleitoral, da inserção constante no vídeo anexo, arbitrando–se astreintes em valor proporcional à eventual desobediência'. No mérito, pretendem a confirmação da liminar e a procedência da Representação, para reconhecer a prática do ilícito e, nos termos dos artigos 53, § 2º, da Lei 9.504/1997 e 9º e 9º–A da Res.–TSE 23.610/2019, proibir a retransmissão do conteúdo impugnado por meio de qualquer propaganda eleitoral. É o relatório. Decido. Conforme se depreende, os Representantes se insurgem em face dos seguintes aspectos da propaganda: i) ofensas à honra de Jair Bolsonaro, inclusive com a utilização do termo 'Pai da Mentira'; ii) utilização de dados inverídicos relacionados ao poder de compra do salário–mínimo durante o governo do candidato adversário e ao índice de desemprego; iii) aparição da Senadora Simone Tebet. A primeira controvérsia submetida ao exame desta CORTE, porém, já foi objeto de análise por ocasião da Representação nº 0601551–88, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, no âmbito da qual a liminar foi INDEFERIDA, tendo em vista 'a aparente conformidade da propaganda impugnada com os limites inerentes às críticas inseridas no debate político–eleitoral, sem traduzir situação de abuso à livre manifestação de pensamento', o que desautoriza a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA. Eis o teor da decisão: A concessão das medidas liminares pressupõe a demonstração da presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (o chamado periculum in mora). No caso concreto, em juízo de cognição sumária, inerente ao exame das medidas cautelares, não se mostram preenchidos os requisitos, tendo em vista a ausência de plausibilidade jurídica dos argumentos veiculados. A propaganda impugnada, com duração de 30 segundos, reproduz trechos de discursos de Jair Bolsonaro a respeito de temas variados –– tais como a fome no Brasil, aborto, coronavírus, ideologia de gênero, desempenho da economia nacional e família ––, seguidos de fala de locutor pronunciando a palavra mentira, a qual, no vídeo, aparece em destaque, em sobreposição à imagem do candidato. A propaganda, considerando as falas do candidato e do locutor, apresenta o seguinte teor: Candidato: 'Fome no Brasil, fome no Brasil, não existe.' Locutor: MENTIRA. Candidato: “O outro lado quer legalizar o aborto.” Locutor: MENTIRA. Candidato: “Uma gripezinha ou resfriadinho.” Locutor: MENTIRA. Candidato: “O outro lado quer legalizar a ideologia de gênero.” Locutor: MENTIRA. Candidato: “A economia está bombando.” Locutor: MENTIRA. Candidato: “O outro lado ataca a família.” Locutor: MENTIRA. A palavra 'mentira' sobreposta à imagem do candidato, por sua vez, aparece da seguinte forma: Ainda, ao final da propaganda, consta imagem do candidato, acompanhada da frase 'O Pai da Mentira' e da fala do locutor 'Bolsonaro é o pai da mentira': A partir de tal contexto, cumpre enfatizar que a liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando–se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar. A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que: “o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81). No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar–se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas. A liberdade de expressão permite que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. A Constituição Federal não permite aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio. A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato. Por essa razão, é certo que 'a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrática de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto' (AgR–REspe 0600396–74, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 21/3/2022). No caso, embora os Representantes afirmem que a propaganda reproduz teor ofensivo à honra do candidato, violando o art. 53, §2º, da Lei 9.504/1997, verifica–se que a maior parte da publicidade dirige–se a falas de Jair Messias Bolsonaro a respeito de temas relevantes para o debate político–eleitoral, como a fome no País, a pandemia de COVID–19 e o desempenho da economia, e a discursos proferidos pelo candidato que, na verdade, atribuem aos adversários políticos ('o outro lado') determinados posicionamentos concernentes a assuntos sensíveis ao eleitorado, a exemplo do aborto, a denominada ideologia de gênero e a família. Dessa forma, intercalar as frases efetivamente ditas pelo candidato Jair Messias Bolsonaro com a palavra mentira pronunciada pelo locutor e reproduzida no vídeo, na hipótese, constitui estratégia que visa a criticar e desqualificar os posicionamentos externados pelo Representante, sem representar qualquer ofensa à honra do candidato, revelando–se plenamente compatível com a dialética do debate político, inerente ao ambiente da disputa eleitoral. No que concerne ao final da propaganda, considerada a adjetivação de 'Pai da Mentira', nada obstante o tom hostil e ácido de sua utilização, a análise do inteiro teor da propaganda, neste juízo de estrita delibação, revela que o emprego do termo guarda vinculação com as críticas às falas do candidato reproduzidas durante toda a publicidade e apontadas pela Coligação Representada como inverídicas, não se mostrando viável constatar, de plano, o intuito de transgredir a honra do candidato. De fato, embora a jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL exija, para a configuração de propaganda eleitoral negativa, a existência de 'ato que, desqualificando pré–candidato, venha a macular sua honra ou a imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico” (AgR–REspe 0600016–43, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 13/12/2021), também é certo que 'não é qualquer crítica contundente a candidato ou ofensa à honra que caracteriza propaganda eleitoral negativa', de modo que 'as críticas políticas, ainda que duras e ácidas, ampliam o fluxo de informações, estimulam o debate sobre os pontos fracos dos possíveis competidores e de suas propostas e favorecem o controle social e a responsabilização dos representantes pelo resultado das ações praticadas durante o seu mandato' (REspe 0600057–54, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 22/6/2022). Da mesma forma, a orientação jurisprudencial do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é firme no sentido de que, 'ao decidir–se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar de zona di iluminabilitá, resignando–se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários' (HC 78.426, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 7/51999). No mesmo sentido: Inq. 3.546, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 1º/10/2015. Assim, mesmo que o termo utilizado apresente conteúdo inegavelmente grosseiro, sua relação com as críticas dirigidas às falas e aos discursos do Representante tornam destituídos de plausibilidade jurídica os argumentos veiculados na Representação, tendo em vista a aparente compatibilidade da publicidade impugnada com o debate eleitoral, inserindo–se, por isso mesmo, nos limites da livre manifestação de pensamento. Ainda, embora os Representantes busquem vincular o emprego do termo 'Pai da Mentira' à citação bíblica, trata–se de interpretação construída pelos próprios Requerentes desprovida de respaldo concreto no teor da publicidade, cujo conteúdo não apresenta menção, mesmo minimamente, à bíblia, ao demônio ou a qualquer outra figura religiosa. Por essa razão, a eventual relação entre a publicidade e o versículo bíblico indicado na petição inicial é estabelecida a partir de juízo meramente conjectural, que se apoia unicamente em presunção levantada pelos Representantes, circunstância que evidencia a distinção entre o caso concreto e o contexto subjacente à Representação 060037–03, no âmbito da qual a conotação religiosa era aferida por meio de simples leitura das falas contidas na propaganda e a tentativa de vincular a figura do candidato ao demônio se apresentou de forma clara e expressa. De igual modo, a apontada semelhança entre as fontes do texto da propaganda e àquelas utilizadas na capa do filme Advogado do Diabo, que também constitui raciocínio desenvolvido a partir de meras impressões dos Representantes, não se revela apta a evidenciar a ilicitude da propaganda. No ponto, eis a suposta relação indicada na petição inicial: Como visto, além de nem sequer ser possível constatar a alegada semelhança entre as fontes, tornando inviável estabelecer qualquer nexo entre a propaganda e o filme, eventual relação entre os dois, por si só, não traduziria ofensa à honra do candidato e, consequentemente, não se mostraria suficiente a qualificar como ilícita a propaganda. Por isso mesmo, neste juízo de cognição sumária, a aparente conformidade da propaganda impugnada com os limites inerentes às críticas inseridas no debate político–eleitoral, sem traduzir situação de abuso à livre manifestação de pensamento, desautoriza a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA. Ante o exposto, INDEFIRO A LIMINAR. Em relação aos outros aspectos impugnados, a publicidade consiste em narrativa a respeito de temas econômicos, incluindo–se valor do salário mínimo, cestas básicas, inflação e desemprego, apresentando dados, nos seguintes termos: Hoje a gente vai falar de economia, mas sem “economês”. É papo reto, vida real. Sabe aquele sofrimento na hora de pagar as contas? Isso acontece porque, com o atual governo, o salário–mínimo não compra nem duas cestas básicas e o valor não tem aumento real há quatro anos. Já com o Lula, o salário–mínimo dava para comprar cinco cestas básicas e o aumento real foi de 77%. Antigamente a gente conseguia bastante coisinha, né. Hoje, no mercado, com R$ 50,00, você não traz nada. Você entra com R$ 500,00 e você só traz três sacolinhas, chorando. O desespero que você sente ao entrar no mercado, é a inflação, o preço das coisas. Com o atual governo, a inflação aumentou 133% e vem sufocando as famílias. Já com o Lula, a inflação caiu de 12 para menos de 6%, o que dava às famílias mais poder de compra. Na época em que ele foi presidente, eu não passei nenhum aperto. Hoje você vai ao mercado, vai comprar simplesmente aquela coisa que é o necessário, o básico do dia a dia. E o desemprego, com o atual governo, 10% dos brasileiros estão desempregados. Com Lula, eram apenas 5,3%. Estou desempregada desde antes da pandemia, desde 2019. Não tem emprego, não tem uma indústria, não tem nada. Quanto ao poder de compra do salário–mínimo, embora a propaganda mencione que, durante o governo de Lula, era possível comprar 5 cestas básicas, a própria fonte indicada na publicidade permite a conclusão de que se trata de dado exagerado, não correspondente à realidade. Isso porque, a partir de tabela apresentada pelos Representantes, extraída do sítio do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) (https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2010/201004cestabasica.html), o preço médio da cesta básica em abril de 2010, considerados os valores em 17 capitais do país, era de R$ 228,89: Assim, tendo em vista que o salário–mínimo, à época, era de R$ 510,00, verifica–se que a informação sobre a possibilidade de aquisição de cinco cestas básicas não se sustenta. De igual modo, vê–se que o próprio site oficial do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, sobre o mesmo tema, contém informação diversa, noticiando que 'a título de comparação, usamos a mesma base de dados do Dieese para recuperar o preço das cestas básicas em 2006 (R$ 172,31), 2010 (R$ 249,06) e 2014 (R$ 354,63), no estado de São Paulo, no mês de junho. Calculando a relação com os salários mínimos da época, era possível comprar 2,03 cestas em 2006 (quando o salário mínimo era de R$ 350), 2,04 cestas em 2010 (R$ 510) e em 2014 (R$ 724)' (https://lula.com.br/um–salario–minimo–compra–quantas–cestas–basicas–compare–lula–dilma–e–bolsonaro/). Dessa forma, no ponto, verifica–se a utilização de dados inverídicos a respeito de tema revestido de extrema relevância social, divulgados com a finalidade de, sem aparente base fática, exaltar os feitos da gestão do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, de modo que sua veiculação apresenta aptidão de repercutir na formação da convicção do eleitor, o que não pode ser tolerado pela JUSTIÇA ELEITORAL. No que concerne às informações relativas ao desemprego – 'E o desemprego, com o atual governo, 10% dos brasileiros estão desempregados. Com Lula, eram apenas 5,3%' –, os Representantes apenas afirmam não ser viável realizar comparação entre os dados alusivos aos anos de 2010 e 2022, tendo em vista a alteração, em 2016, da metodologia adotada pelo IBGE para calcular a taxa. Nada obstante, a mudança do método do cálculo não se revela apto a demonstrar a manifesta inveracidade do conteúdo divulgado, revelando–se inviável concluir, por isso mesmo, pela ilicitude da publicidade. De fato, conforme a orientação jurisprudencial desta CORTE, os 'a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias' (Rp. 2962–41, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, PSESS de 28/9/2010), situação inocorrente no caso, de modo que, neste juízo de cognição sumária, a iliquidez dos fatos alegados desautoriza o acolhimento da inicial. No mesmo sentido: Rp. 0600894–88, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, PSESS em 30/8/2018. O gráfico em que os Representantes se baseiam (https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173–pesquisa–nacional–por–amostra–de–domicilios–continua–trimestral.html?=&t=series–historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego), embora indique que a taxa de desocupação no trimestre de junho/julho/agosto de 2022 é de 8,9%, também revela que o índice, no trimestre concernente aos meses de fevereiro/março/abril atingiu 10,5% e, em maio/junho/julho, 9,1%, razão pela qual não se pode qualificar o conteúdo da propaganda como sabidamente inverídico De igual modo, mesmo que os Autores aleguem que a afirmação segundo a qual a taxa de desemprego seria de 10% não corresponde a realidade, pois os dados divulgados no IBGE demonstram taxa de 8,9%, tal controvérsia mínima de dados, na hipótese, não justifica a atuação desta CORTE, notadamente em razão da ausência de qualquer conteúdo ofensivo à honra do candidato adversário ou divulgação de qualquer fato que o desqualifique, mantendo–se a postura de mínima intervenção do Poder Judiciário no debate político–eleitoral, pois 'o caráter dialético imanente às disputas político–eleitorais exige maior deferência à liberdade de expressão e de pensamento, razão pela qual se recomenda a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações e críticas próprias do embate eleitoral, sob pena de se tolher substancialmente o conteúdo da liberdade de expressão' (AgR–RO 758–25, Red. p/ acórdão Min. LUIZ FUX, DJe de 13/9/2017). Além disso, como bem ressaltou o Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO na Rp. 0601455–73, os Representantes dispõem dos mesmos espaços de comunicação para contraditar as informações da propaganda impugnada, tratando–se o tema de matéria inerente ao debate eleitoral, no âmbito do qual se insere a comparação entre o desempenho do atual Governo e gestões anteriores a respeito de matérias de interesse político–eleitoral. Por fim, quanto à aparição da Senadora Simone Tebet, que concorreu à Presidência da República pelo MDB, a jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL firmou–se no sentido de que, no segundo turno, 'pessoa filiada a outro partido político pode participar da propaganda eleitoral gratuita reservada para determinada agremiação ou coligação, desde que não tenha formalizado apoio para candidato concorrente' (Cta. 773, Rel. Min. FERNANDO NEVES, DJ de 2/7/2002). Por essa razão, mesmo que no primeiro turno o MDB, por óbvio, tenha apoiado mencionada candidata, não se depreende – e nem os representantes alegam – que a Agremiação Partidária, no segundo turno, tenha manifestado apoio formal a um dos candidatos, inexistindo, portanto, qualquer ilegalidade na aparição da Senadora na publicidade. Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR, para determinar que: i) os Representados procedam à remoção do conteúdo impugnado em relação aos dados concernentes à relação salário–mínimo e cestas básicas, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a contar de 2 horas da ciência da presente decisão; ii) os Representados se abstenham de realizar novas publicações sobre os dados considerados inverídicos, tanto em concessionárias do serviço público como nas redes sociais, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada um, por reiteração. Cite–se os Representados para, querendo, apresentar defesa, nos termos do art. 18 da Res.–TSE 23.608/2019. Encaminhe–se os autos imediatamente para referendo, conforme o art. 2º da Portaria 791/2022. Publique–se com urgência. Brasília, 20 de outubro de 2022. Ministro ALEXANDRE DE MORAES Relator
Data de publicação | 20/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60159425 |
NUMERO DO PROCESSO | 6015942520225999872 |
DATA DA DECISÃO | 20/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Alexandre de Moraes |
Projeto |