TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600852–97.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados: Eugenio José Guilherme de Aragão e outros DECISÃO REPRESENTAÇÃO. PRETENSÃO DE RETIRADA DE CONTEÚDO DE REDES SOCIAIS. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. LIMINAR PARCIALMENTE... Leia conteúdo completo
TSE – 6008529720225999872 – Min. Cármen Lúcia
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600852–97.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados: Eugenio José Guilherme de Aragão e outros DECISÃO REPRESENTAÇÃO. PRETENSÃO DE RETIRADA DE CONTEÚDO DE REDES SOCIAIS. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. Relatório 1. Representação, com requerimento liminar, proposta pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor dos responsáveis pelos canais “Campanha Bolsonaro 2022“ e “Thales Aragão” no YouTube e dos responsáveis pelos perfis “Ademir Krug” no Facebook, “Flávio Antônio Almeida” no Kwai e “alex_almeidaphb” e “gilmarjaraujo” no Twitter, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular na internet, em que veiculada desinformação sobre pesquisas de intenção de voto e urnas eletrônicas. Alega ter havido, no período de 2 a 4.6.2022, “veiculação de desinformação pelos representados, em suas diversas redes sociais (Facebook, Twitter, Kwai e Youtube), no sentido de que ¿o Diretor do DataFolha, Mauro Paulino, teria confessado em áudio que as pesquisas eleitorais são manipuladas para convencer que Lula estaria liderando nas intenções de voto para presidente' e ¿que o ex–diretor do DataFolha também teria um plano em curso para fraudar as urnas”' (ID 157956554, p. 2 e 3). Afirma que os representados divulgaram o áudio na internet ¿ já desmentido por veículos de comunicação e agências de checagem – acompanhado de mensagens e imagens semelhantes, a fim de induzir a opinião pública a uma conclusão inverídica. Ressalta já ter sido comprovado que a) Mauro Paulino, atualmente ex–diretor do Datafolha, não gravou o áudio mencionado; b) não há indício de que as urnas eletrônicas seriam fraudadas; c) as pesquisas de intenção de voto são legítimas, pois, segundo recente publicação de reportagem jornalística (G1) e de agências de checagem (Aos Fatos, Lupa e Uol Confere), o áudio mencionado é de autoria de um humorista conhecido como Nana Arroba, que teria imitado a voz de Mauro Paulino. Acrescenta ter havido divulgação e compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos e de teor eleitoreiro a milhares de pessoas, em ofensa à honra objetiva do ex–presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores, em afronta aos arts. 9–A, 22, inciso X, e 27 , § 1º, da Res.–TSE nº 23.610/2019. Aduz estarem presentes os elementos autorizadores do deferimento da liminar requerida. 2. Para demonstrar o fumus boni iuris, argumenta ser manifesta a “violação às normas e princípios que regem a propaganda eleitoral, sobretudo a Resolução nº 23.610/2019 deste c. TSE, de modo a ferir a lisura do processo eleitoral” (ID 157956554, p. 19). Quanto ao periculum in mora, assinala que aquele requisito está “na perpetuação de desinformações que maculam a lisura do processo eleitoral, configurando propaganda eleitoral negativa contra o ex–presidente Lula e ao Partido dos Trabalhadores, por meio de publicações veiculadas na internet” (ID 157956554, p. 19). Requer tutela de urgência para que sejam excluídas da internet as publicações impugnadas, nos termos dos arts. 17, § 1º–B, da Res.–TSE nº 23.608/2019 e 38, § 1º, da Res.–TSE nº 23.610/2019, e sejam determinadas diligências para a identificação dos responsáveis. 3. Pede a procedência da ação, com remoção definitiva do conteúdo propagandístico eleitoral ilícito, abstenção de veiculá–lo e aplicação da multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, em seu patamar máximo. Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO. 4. Para análise de liminar, há de se comprovarem os requisitos previstos no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. O direito brasileiro não autoriza a concessão de tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, como se dispõe no art. 300, § 3º do Código de Processo Civil. 5. Como relatado, a representante pretende – em sede de tutela provisória de urgência – a remoção de publicações expostas em canais e perfis de rede social, nas quais veiculada desinformação de que o ex–diretor do Datafolha, Mauro Paulino, em uma fala gravada em áudio, teria afirmado a manipulação de pesquisas de intenção de voto em prol do candidato Lula e a existência de um plano para fraudar as urnas eletrônicas. Verifica–se, de plano, que as publicações impugnadas – embora em formatos diversos – transmitem o mesmo áudio desmentido por sistemas de checagem, cujo teor vem transcrito na inicial (ID 157956554, p. 3–4): “Vão afirmar, vão convencer o povo de que o Lula está na frente, com as urnas eletrônicas ao nosso favor, a favor do PT, do nosso grupo e ninguém vai questionar o resultado das eleições e caso questionem o resultado das eleições, os bolsominions, né, é assim que se chama esse povo, começa a reclamar, Bolsonaro junta lá o povo dele, começa a se mobilizar, a gente grita que é golpe, 'o Bolsonaro vai dar golpe, 'e o povo vai vir pra cima, entendeu? O povo de facão, de enxada, vai vir pra cima. O objetivo é esse, de imediato convencer o povo que o PT tá na frente. E acabou. Quem tá falando são as pesquisas e ponto final. Ninguém nem debate isso aí. E depois as urnas também ao nosso favor, como sempre foi, a gente emplaca essa porra toda. Eu já estou parecendo o Bolsonaro. Tá ok? A gente emplaca isso aí. Deixa o pessoal chiar, deixa falar, deixa dizer que é mentira. Joga a pesquisa aí de 60, 70 e vamos pra frente pra gente retomar esse governo. Dessa vez não falhar. Dessa vez a gente fazer com que a coisa aconteça. Porque eu vou te falar uma coisa. Pesquisa pode não ser verdadeira. Porém o que nós estamos preparando para as urnas é imensamente grande e não tem federal e não tem nada que venha impedir que a gente consiga essas eleições a favor do nosso presidente”. 6. A solução da presente controvérsia jurídica, em sede liminar, exige alguma consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República. Ao votar na Ação Direita de Inconstitucionalidade 6281, no Supremo Tribunal Federal, realcei que “a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (inc. IV, IX e XIV do art. 5º e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral, instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas” (pág. 293 do acórdão). Observei, então, ser necessário respeitar–se aquele direito considerando–se a pessoa sobre quem se expressa algo e também a pessoa que se expressa, porque os direitos são interligados e a observância do direito é dever de todos. Por isso, mentiras, divulgações inverídicas e caluniosas, difamatórias ou injuriosas são tidas, desde o século passado, no direito brasileiro, como ilícitos penais. Anotei, naquela assentada, que a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, não poucas vezes se alimentam da ferocidade destrutiva das mentiras novas e agressivas, amplamente nomeadas como fake news: Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...). As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news (págs. 294 e 297 do acórdão) . Não se cogita do exercício absoluto do direito fundamental à livre manifestação do pensamento em detrimento de igual direito dos outros. Por isso, é juridicamente possível a restrição da manifestação desse direito fundamental quando constatada eventual ilicitude no seu exercício. 7. O preceito normativo previsto no art. 27, § 1º, da Res.–TSE nº 23.610/2019 é categórico ao dispor que a manifestação do pensamento deve ser limitada no caso de ofensa à honra de terceiros ou de divulgação de fatos sabidamente inverídicos. A norma busca evitar a proliferação de notícias falsas ou desinformação que, de algum modo, possam afetar a higidez do processo eleitoral. No caso em análise, as publicações impugnadas são manifestamente inverídicas, segundo os sistemas de checagem de informação “Aos Fatos”, “Lupa” e “Uol Confere”, resultando, em alguma medida, repercussão ou interferência negativa no pleito, o que é objeto da competência da Justiça Eleitoral. Não obstante o princípio da interferência mínima desta Justiça Especializada, a proteção ao direito à veracidade da informação e da honra dos atores do processo eleitoral é diretriz para que a Justiça Eleitoral exerça seu papel de reguladora pontual do certame. Consoante entendimento deste Tribunal Superior, “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR–REspe nº 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022). Nesse contexto, é plausível a tese da representante de que as publicações impugnadas acarretam desinformação. Comprova–se, assim, preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência. 8. Pelo exposto, nos termos do art. 38, § 4º, da Res.–TSE nº 23.610/2019, concedo parcialmente a tutela provisória de urgência para determinar a remoção imediata das publicações localizadas nos endereços eletrônicos a seguir indicados (ID 157956554 p. 4–5): 1) https://twitter.com/gilmarjaraujo/status/1532789942224621569 2) https://twitter.com/alex_almeidaphb/status/1533068442256957440 3) https://www.facebook.com/ademir.krug.9/videos/567587628107621/ 4) https://m.kwai.com/photo/150001005113180/5217570266655319863?photoId=5217570266655319863&share_item_info=5217570266655319863&fid=150001342714369×tamp=1661283209218&share_uid=150001342714369&kpn=KWAI&userId=150001005113180&cc=MORE&language=pt–BR&share_item_type=photo&share_device_id=4BA862FA–56AC–4352–9E6C–EB519AFCDC81&share_id=4BA862FA–56AC–4352–9E6C–EB519AFCDC81_1661283209218&shareBucket=br&shareBiz=photo&short_key=5CJNpp7Z 5) https://www.youtube.com/watch?v=PQZuCYZ28Y0 6) https://www.youtube.com/watch?v=Ei6khLEfdq4 Oficiem–se os provedores de conteúdo Facebook, Twitter, Kwai e YouTube para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo de 24h, conforme preceito normativo previsto no art. 17, § 1º–B, da Res.–TSE nº 23.608/2019. Indefiro o pedido de diligências em relação aos canais e perfis não adequadamente identificados. As representações possuem rito célere e a identificação do usuário ofensor é matéria destinada ao momento da propositura da ação. Nesse sentido: AgR–AC nº 1384–43/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 17.8.2010; Rp nº 0601686–42/DF, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 3.11.2020. Na sequência, intime–se o representante do Ministério Público Eleitoral para que se manifeste, no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da referida resolução. Publique–se e intime–se. Brasília, 6 de setembro de 2022. Ministra Cármen Lúcia Relatora
Data de publicação | 17/09/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60085297 |
NUMERO DO PROCESSO | 6008529720225999872 |
DATA DA DECISÃO | 17/09/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Publicação Internet |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, Responsável pelo canal 'Campanha Bolsonaro 2022' no Youtube, Responsável pelo canal 'Thales Aragão' no Youtube, Responsável pelo perfil 'Ademir Krug' no Facebook, Responsável pelo perfil 'Flavio Antonio Almeida' no Kwai, Responsável pelo perfil 'alex_almeidaphb' no Twitter, Responsável pelo perfil 'gilmarjaraujo ' no Twitter |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Cármen Lúcia |
Projeto |