TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representados(as): Jair Messias Bolsonaro e outra Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) DECISÃO Trata–se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada... Leia conteúdo completo
TSE – 6011785720225999872 – Min. Paulo De Tarso Vieira Sanseverino
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representados(as): Jair Messias Bolsonaro e outra Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) DECISÃO Trata–se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Jair Messias Bolsonaro e da Coligação Pelo Bem do Brasil, em que se alega suposta prática de desinformação na propaganda eleitoral gratuita veiculada em inserções na televisão, haja vista transmitir ao público fatos inverídicos e descontextualizados, além de degradar, ridicularizar, injuriar e difamar o candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, provocando estados passionais no eleitor. Na petição inicial, a representante sustenta em síntese (ID 158097442): a) a publicidade impugnada tem por objetivo difundir fatos sabidamente inverídicos e descontextualizados, notadamente a fim de atacar a imagem do candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva; b) “entre os dias 16.09.2022 e 19.09.2022, a inserção Isso foi mentira? fora veiculada pelos Representados – ao menos ¿ 51 vezes, nos canais TV SBT, TV Globo, TV Band, TV Record e Rede TV” (p. 3); c) “na aludida peça publicitária, foram retiradas de contexto diversas falas de jornalistas e de um ex–Ministro do Supremo Tribunal Federal, de modo a produzir verdadeira desinformação no sentido de que o aludido candidato não seria inocente” (p. 6); d) extrai–se também da inserção a produção de ofensas contra a imagem do ex–presidente Lula, na medida em que lhe foi atribuída, indevidamente, a pecha de ser condenado e mentiroso ¿ tudo a provocar indevidos estados passionais no eleitor; e) o estado de inocência somente pode ser infirmado com o trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República); f) o Supremo Tribunal Federal e o Comitê de Direitos Humanos da ONU entenderam pela inocência do candidato Lula e pela preservação dos seus direitos políticos, além do que, “em mais de vinte oportunidades, o ex–presidente Lula conseguiu vitórias nos Tribunais pátrios, de modo que nenhuma das pretensões acusatórias movidas contra ele resultaram em condenações” (p. 13); g) de acordo com o art. 242 do Código Eleitoral, reforçado pelo art. 10 da Res.–TSE nº 23.610/2019, é vedado o uso de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais com potencial de macular a escolha livre e consciente dos cidadãos; h) as inserções veiculam fatos inverídicos e descontextualizados e afrontam os arts. 9º–A, 22, inciso X, e 72, §§ 1º e 2º, da Res.–TSE nº 23.610/2019. Defende a presença dos elementos autorizadores da concessão da tutela de urgência, alegando que a probabilidade do direito decorre da “manifesta violação às normas e princípios que disciplinam a propaganda eleitoral, sobretudo a Resolução nº 23.610/2019 deste c. TSE, de modo a ferir a lisura do processo eleitoral”, e o perigo do dano encontra–se “na perpetuação de propaganda eleitoral que, por todas as violações narradas, tem o potencial de macular o voto livre e consciente” (p. 24). Requer a concessão de tutela de urgência para que sejam adotadas medidas no sentido de “impedir ou fazer cessar imediatamente a propaganda impugnada” (p. 24). No mérito, postula a confirmação da medida liminar, bem como a condenação dos representados à sanção de multa e perda do direito de transmitir propaganda no horário eleitoral gratuito do dia subsequente ao da decisão. É o relatório. Passo a decidir. A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, suspender a transmissão de inserção que veicula suposta desinformação na propaganda eleitoral gratuita da coligação representada, em prejuízo ao candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. Aprecio o pedido de tutela provisória de urgência, para indeferi–lo. Para a concessão de medidas liminares urgentes, é indispensável a presença concomitante da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do perigo na demora da prestação jurisdicional (periculum in mora). Quanto à plausibilidade do direito pleiteado na espécie, a tutela repressiva da Justiça Eleitoral sobre a prática de propaganda eleitoral irregular deve necessariamente observar – sob o manto da ordem constitucional vigente – as liberdades de expressão e de manifestação de pensamento. Nesse sentido, a orientação jurisdicional deste Tribunal é no sentido de que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão” (AgR–REspe nº 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022, g.n.). No que diz respeito à desinformação, esta Corte Especializada teve a oportunidade de conceituá–la como a divulgação de informações manifestamente falsas, deliberadamente criadas para enganar e prejudicar terceiros. Acrescentou–se, quanto ao tema, o seguinte: [...] para que a liberdade de expressão seja devidamente assegurada, em princípio, não devem ser caracterizados como “fake news”: os juízos de valor e opiniões; as informações falsas que resultam de meros equívocos honestos ou incorreções imateriais; as sátiras e paródias; e as notícias veiculadas em tom exaltado e até sensacionalista. Deve–se usar o conceito de “fake news” para o conteúdo manifestamente falso que é intencionalmente criado e divulgado para o fim de enganar e prejudicar terceiros, causar dano, ou para lucro. (REspe nº 972–29/MG, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 26.8.2019) Com efeito, conforme o conceito da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) da União Europeia, a desinformação se caracteriza por um acréscimo intencional de elementos falsos, imprecisos ou enganadores aos fatos, capazes de criar uma narrativa destinada a corromper uma dada realidade. A propósito, esclarece que: Uma notícia, por definição, não é falsa. Falsas são as narrativas que, embora anunciadas como notícias e contendo partes de textos copiados de jornais ou de sites do mesmo género, integram conteúdos ou informações falsas, imprecisas, enganadoras, concebidas, apresentadas e promovidas para intencionalmente causar dano público ou obter lucro. [...] Para melhor delimitação do universo em causa, foi adotado como conceito operacional de desinformação toda a informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que é susceptível de causar um prejuízo público. [...] A desinformação não abrange erros na comunicação de informações, sátiras, paródias ou notícias e comentários claramente identificados como partidários e, como já referido, não estão em causa conteúdos ilegais. (Disponível em: https://www.parlamento.pt/Documents/2019/abril/desinformacao_contextoeuroeunacional–ERC–abril2019.pdf) Na hipótese dos autos, verifica–se, da publicidade questionada, narrativa que busca convencer os espectadores no sentido de não ser verdadeira a afirmação de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teria sido inocentado dos processos em que respondeu na Justiça Comum. Em análise superficial, típica dos provimentos cautelares, observa–se que a publicidade questionada não transmite, como alegado, informação gravemente descontextualizada ou suportada por fatos sabidamente inverídicos, que extrapole o debate político–eleitoral e o direito à crítica inerente ao processo eleitoral, a ponto de justificar a interferência desta Justiça especializada. Sobre este último aspecto, o entendimento desta Corte é de que “fatos sabidamente inverídicos a ensejar a ação repressiva da Justiça Eleitoral são aqueles verificáveis de plano” (R–Rp nº 0600894–88/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 30.8.2018, g.n.), o que não se aplica ao caso dos autos. Ainda de acordo com os precedentes do TSE, “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”. Nesse sentido: R–Rp nº 2962–41/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010; Rp nº 0601513–18/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 5.10.2018. Com efeito, “no processo eleitoral, a difusão de informações sobre os candidatos – enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas e na condição de homens públicos, ainda que referentes a fato objeto de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva – e sua discussão pelos cidadãos evidenciam–se essenciais para ampliar a fiscalização que deve recair sobre as ações do aspirante a cargos políticos e favorecer a propagação do exercício do voto consciente” (AgR–REspe nº 0600045–34/SE, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4.3.2022). Na espécie, pode–se afirmar que é fato notório a existência de condenações criminais e prisão do candidato Lula, assim como é de conhecimento geral da população que foram anuladas pelo STF as referidas condenações, especialmente quanto à extinta Operação Lava Jato. Tanto é assim que, restaurado o pleno exercício de seus direitos políticos, o seu registro de candidatura ao cargo de presidente da República para as eleições de 2022 foi deferido, pois ausente condenação por órgão colegiado a impedir–lhe a disputa neste pleito. Para além de qualquer juízo de valor acerca do aspecto fático–jurídico referente ao caso – que sequer cabe nesta seara –, forçoso reconhecer–se a prevalência, para todos os fins, da presunção de inocência, nos moldes do que preceitua o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988. Todavia, a peça publicitária foi produzida com base em notícias amplamente divulgadas na mídia nacional. Não aparenta ser a inserção impugnada, à primeira vista, apta a caracterizar a propaganda como totalmente inverídica ou gravemente descontextualizada, de modo a se assegurar, in casu, o direito à liberdade de expressão. Com efeito, não há como entender pela divulgação de fato sabidamente inverídico, notadamente porque, de fato, houve a imposição de pena em processo criminal e, posteriormente, a anulação das condenações, o que também é de amplo conhecimento público. Quanto a este aspecto, a doutrina esclarece que: A crítica política – dura, mordaz, espinhosa, ácida – é peça essencial ao debate democrático [...]. [...] por meio da crítica à figura dos candidatos, os eleitores têm acesso a um quadro mais completo das opções políticas. Considerações a respeito do caráter, da idoneidade e da trajetória dos políticos não são indiferentes ou [ir]relevantes para o eleitorado e fazem parte do leque de informações legitimamente utilizadas na definição do voto. (Osorio, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 228). Cabe destacar, ainda, a compreensão exarada pelo STF de que a “liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” (ADI nº 4439/DF, redator. p/ ac. o Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.6.2018). Da mesma forma, também não se sustenta a arguição ofensa à honra ou à imagem do candidato por veiculação de informações alusivas a fatos pretéritos, levando–se em conta o que decidido pelo STF no julgamento do RE nº 10106–06. Na ocasião, firmou–se a tese de que o direito ao esquecimento não está albergado pelo texto constitucional: É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. (STF, RE nº 10106–06/DF, rel. Min. Dias Toffoli, de 11.2.2021). Por fim, no que tange à pretensa ofensa ao art. 242 do Código Eleitoral, é digna de menção recente decisão proferida pela Min. Maria Claudia Bucchianeri na Rp nº 0600964–66, publicada em 15.9.2022, quando afirma que “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo–se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão” (grifos no original). Assim, ao menos nesse juízo de cognição sumária, diante da ausência de elementos indispensáveis à concessão medida de urgência, não se autoriza a intervenção da Justiça Eleitoral para suspender a veiculação da propaganda impugnada, o que, por sua vez, é suficiente para o indeferimento da medida cautelar pleiteada. Ante o exposto, indefiro o pedido de tutela provisória de urgência. Determino a citação dos representados Jair Messias Bolsonaro e Coligação Pelo Bem do Brasil para, querendo, apresentarem manifestação, no prazo legal de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.–TSE nº 23.608/2019. Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, intime–se o Ministério Público Eleitoral (MPE) para manifestação no mesmo prazo de 2 (dois) dias, com posterior e imediata nova conclusão a esta relatoria. Publique–se. Brasília, 21 de setembro de 2022. Ministro PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO Relator
Data de publicação | 22/09/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60117857 |
NUMERO DO PROCESSO | 6011785720225999872 |
DATA DA DECISÃO | 22/09/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Paulo De Tarso Vieira Sanseverino |
Projeto |