TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600511–71.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Partido Democrático Trabalhista (PDT) – Nacional Advogados(as): Walber de Moura Agra e outros(as) Representado: Marcos Koury Barreto Advogados: José Luis J. L. Santos e outros REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA... Leia conteúdo completo
TSE – 6005117120225999872 – Min. Maria Claudia Bucchianeri
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600511–71.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Partido Democrático Trabalhista (PDT) – Nacional Advogados(as): Walber de Moura Agra e outros(as) Representado: Marcos Koury Barreto Advogados: José Luis J. L. Santos e outros REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ANTECIPADA NEGATIVA – DISSEMINAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO – VÍDEOS GRAVEMENTE FORJADOS – CONTEÚDO DESCONTEXTUALIZADO – REPRESENTAÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. A RESPONSABILIDADE DE ADMINISTRADORES DE GRUPO DE MENSAGERIA INSTANTÂNEA POR PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR ALI COMPARTILHADA, À MÍNGUA DE DISCIPLINAÇÃO ESPECÍFICA, É SUBSIDIÁRIA E APENAS INCIDIRÁ SE, APÓS NOTIFICAÇÃO OU INEQUÍVOCO CONHECIMENTO, NÃO FOREM ADOTADAS TODAS AS MEDIDAS POSSÍVEIS PARA FAZER CESSAR A SITUAÇÃO DE IRREGULARIDADE (ART. 57–F DA LEI Nº 9.504/97 C/C ARTS. 18 E 19 DA LEI Nº 12.965/2014). NEGATIVA, NO CASO CONCRETO, DE APLICAÇÃO DE MULTA AO ADMINISTRADOR DO GRUPO QUE, AO SER NOTIFICADO DA DECISÃO LIMINAR DESTA CASA, NÃO APENAS ELIMINOU O CONTEÚDO ELEITORAL IRREGULAR COMO TAMBÉM EXCLUIU O RESPONSÁVEL PELO CONTEÚDO ILÍCITO DO GRUPO. DECISÃO Trata–se de representação, com pedido de liminar, ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista em desfavor de Marcos Koury Barreto, por suposta prática de propaganda eleitoral negativa veiculada no Telegram, por meio de vídeo ofensivo à imagem de Ciro Gomes, então pré–candidato ao cargo de presidente da República nestas eleições de 2022. Na petição inicial, o representante alega, em síntese, que (ID 157763442): a) usuária da rede social Telegram, a Senhora Regina Bordallo, utilizou–se de sua conta para compartilhar vídeo manipulado em detrimento do candidato Ciro Gomes no grupo “Super Grupo B–38 Oficial”, que é gerenciado pelo representado, Senhor Marcos Koury Barreto, e, no momento da propositura da ação, possuía 65.241 participantes; b) o referido grupo é uma das maiores comunidades de apoio ao Presidente Jair Bolsonaro e é utilizado, reiteradamente, para compartilhar e viralizar conteúdos falsos de teor eleitoral, com o incentivo de seu organizador, já tendo sido causa de outras ações judiciais; c) o conteúdo impugnado consiste em vídeo com montagens grotescas, que constroem narrativas inverídicas acerca de pretenso envolvimento do então pré–candidato Ciro Gomes com líderes de facções criminosas, contendo diálogo falso entre o presidenciável e um suposto líder de facção criminosa, “montado através de recortes de áudio e vídeo fraudulentos, bem como de fotografia do pré–candidato, induzindo os eleitores à crença falsa e execrável de existência de relação do pré–candidato com os crimes cometidos pelas referidas facções” (p. 6); d) trata–se de nítida propaganda antecipada negativa, uma vez que [...] “o teor da mídia macula a honra e a imagem do Senhor Ciro Gomes, assim como também veicula fato sabidamente inverídico, tudo isso antes do dia 16 de agosto de 2022 (art. 57–A, da Lei nº 9.504/1997)” (p. 10); e) o conteúdo impugnado foi submetido a agências de verificação que comprovaram tratar–se de fake news (“É montagem conversa de Ciro Gomes com líder do PCC', Aos Fatos), razão pela qual é notória a ilicitude do vídeo divulgado, mormente em razão de que visa [...] “criar, através de fatos sabidamente inverídicos e montagem, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais; na contramão da vedação disposta no art. 242 do Código Eleitoral” (p. 10); e f) o representado transcendeu os limites das liberdades públicas e ofendeu a imagem do pré–candidato ao permitir a postagem em seu grupo no Telegram, em afronta ao que determinam os arts. 9º–A e 27, § 1º, da Res.–TSE nº 23.610/2019, devendo ser reconhecida a prática de propaganda eleitoral negativa. Ao fim, foi requerida a concessão de medida liminar, inaudita altera pars, para que o representado “se abstenha de praticar conduta semelhante à esposada, consubstanciada na permissão de veiculação de conteúdo propagandístico que dê conta de fatos sabidamente inverídicos e acintosos à honra e à imagem do Senhor Ciro Gomes, em grupos sob sua gerência, especialmente o grupo “SUPER GRUPO B–38 OFICIAL”, sob pena de imputação em crime de desobediência e multa, [...] dobrando–se a cada reincidência” (p. 18–19). No mérito, postulou–se a confirmação da liminar e a aplicação da multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, fixada no patamar máximo. Nos termos do art. 17 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, os autos foram conclusos ao Ministro Alexandre de Moraes, presidente em exercício, que, em 13.7.2022, deferiu o pedido liminar para determinar ao representado, coordenador do grupo “Super Grupo B–38 Oficial” no Telegram, que (ID 157763638): I) procedesse à imediata remoção do vídeo publicado no grupo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); e II) exercesse o controle sobre o conteúdo veiculado, de modo a evitar a realização de novas postagens do vídeo impugnado, sob pena de multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) pelo descumprimento. Em petição de 21.7.2022 (ID 157816557), o representado informou o cumprimento da decisão de remoção do vídeo e a exclusão da autora das postagens do grupo. O Ministério Público Eleitoral (MPE) manifestou–se pela confirmação da liminar, porém, sem a responsabilização do representado, por meio de parecer assim ementado (ID 157915501, p. 1): Eleições 2022. Representação por propaganda eleitoral negativa em campanha presidencial. Vídeo manipulado. Informações manifestamente falsas. Representação contra o administrador de populoso grupo de Telegram. Analogia com o regime jurídico dos provedores. Art. 57–F da Lei 9.504/1997. Liminar que determinou a retirada da mídia manipulada cumprida imediatamente. Efetiva exclusão da autora da publicação malsinada do grupo do Telegram. Ausência de elementos que caracterizem a responsabilidade do administrador do grupo. É o relatório. Decido. A controvérsia cinge–se à suposta prática de propaganda eleitoral antecipada negativa derivada de compartilhamento, na rede social Telegram, de vídeo manipulado contendo diálogo fictício entre o candidato à presidência da República Ciro Gomes, do PDT, e o líder de uma suposta organização criminosa. Ou seja, o caso em exame envolve suposta propagação de desinformação, comportamento que vulnera a higidez e a integridade do ambiente informativo, valores que justificam e legitimam a intervenção corretiva da Justiça Eleitoral. Para melhor compreensão da demanda, transcrevo o trecho do conteúdo da mídia impugnada, nos termos da inicial (ID 157763442, p. 6–7): Líder da Facção: “O que não posso “mano” é ficar parado sabendo aí, que tem aí 700 à 800 mil de compromissos e ajudas a serem pagas aí pro comando aí.” Sr. Ciro Gomes: “O Camilo ta pagando e eu não quero isso. A “bucha” é outra, mas pro mal também. Porra, tão torturando alguém e o responsável sou eu.” Líder da Facção: “Eu aprendi que eu tenho que ver o que eu vou fazer pelo “comando”, e não o que o “comando vai fazer por mim. Sr. Ciro Gomes: “Esse argumento eu entendo. O Bolsonaro fez uma coisa que eu considerava uma irresponsabilidade. Transferiu os chefes do PCC, do Comando Vermelho, dessas facções pros presídios federais e cortou a rede de comunicação. Então veja, não foi o Bolsonaro quem criou a crise, mas ele está gravando, está aprofundando a crise. Consoante entendimento desta Corte Superior, “a configuração de propaganda eleitoral extemporânea negativa pressupõe pedido explícito de não voto ou, ainda, ato que macule a honra ou a imagem de pré–candidato ou divulgue fato sabidamente inverídico em seu desfavor” (AgR–REspe nº 0600018–36/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 25.5.2022; e AgR–REspe nº 0600016–43/MA, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 13.12.2021). De acordo com o art. 9º–A da Res.–TSE nº 23.610/2019, é vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral. Caracterizada a propaganda eleitoral irregular, a Justiça Eleitoral poderá determinar a retirada de publicações em sítios da Internet, inclusive redes sociais, na forma do art. 57–D, § 3º, da Lei nº 9.504/1997. Isso porque, embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré–campanha e no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem–se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configura prática desviante, que gera verdadeira falha no livre mercado de ideias políticas, deliberadamente forjada para induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha. Daí as preciosas observações de Elder Maia Goltzman, na preciosa obra “Liberdade de Expressão e Desinformação em Contextos Eleitorais” (Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2022, p. 54), no sentido de que “é preciso empoderar o cidadão para que possa tomar suas decisões relativas à esfera pública de maneira consciente e ancorado em informação de qualidade, não em narrativas fabricadas ou versões construídas e distribuídas para ludibriá–lo”. Em resumo: não há a menor dúvida de que a desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem, como dito, verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor em erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã. Por outro lado, tenho para mim que a intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso capazes de vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e a integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais. É nesse exato sentido a prática jurisprudencial desta Corte Superior: ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA NEGATIVA. PROGRAMA DE RÁDIO. CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Os argumentos apresentados pela Agravante não conduzem à reforma da decisão. 2. A livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto. 3. No caso, a pretexto de divulgar matéria jornalística, houve flagrante excesso ao limite da crítica e da liberdade de manifestação do pensamento, assim como indisfarçado propósito de prejudicar a candidatura do adversário político, imputando–lhe a prática de crime, em evidente propaganda eleitoral negativa. Tal circunstância afronta a isonomia e não atende à finalidade social das emissoras de rádio. 4. Agravo Regimental desprovido. (AgR–REspEl nº 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, publicado em 21.3.2022 – destaquei) No caso dos autos, entretanto, como bem destacou o Ministro Alexandre de Moraes em juízo de cognição sumária, ocorreu inequívoca veiculação de fato sabidamente inverídico, visando difamar a imagem do então pré–candidato Ciro Gomes ao vinculá–lo a membros de organização criminosa, por meio de divulgação de vídeo notoriamente manipulado e mentiroso. Destaco da decisão proferida pelo eminente Ministro presidente em sede de liminar (ID 157763638 – destaquei): Ocorre que o vídeo impugnado, apresentado juntamente com a petição inicial (ID 157763492), conforme apontado pelo Autor, já teve sua veracidade desmentida em diversos meios de comunicação, restando assentado tratar–se de montagem que alterna trechos de conversas de integrantes de organização criminosa, obtidas pela Polícia Federal em 2019, com fragmentos de entrevista concedida pelo pré–candidato em setembro de 2019. Trata–se, assim, de veiculação de fato sabidamente inverídico, com a aparente finalidade de vincular a figura do pré–candidato a membros de organização criminosa, o que, em tese, configura propaganda eleitoral negativa, tendo em vista o entendimento firmado pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, segundo o qual a configuração do ilícito pressupõe “pedido explícito de não votos” (AgR–REspe 0600004–50, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, PSESS de 23/11/2020), “ou ato que, desqualificando pré–candidato, venha a macular sua honra ou a imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico” (AgR–REspe 0600016–43, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 13/12/2021). Na mesma linha, tenho ressaltado que a “livre circulação de pensamentos opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR–REspe 0600396–74, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 21/3/2022). Na hipótese, embora o Representado não tenha divulgado o vídeo impugnado, sua condição de coordenador do grupo “Super Grupo B–38 Oficial” atribui–lhe o ônus de exercer controle sobre o conteúdo veiculado no ambiente virtual, de modo a evitar a disseminação de material revestido de ilicitude, incluindo–se ofensas ou propagação de discurso de ódio, e a preservar a integridade e veracidade das informações propagadas. No ponto, cumpre ressaltar que o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL firmou a compreensão no sentido de que, tratando–se de titular de determinado domínio na internet, que controla o conteúdo a ser divulgado por meio de sua inclusão ou exclusão, esses detentores “dos sítios exercem um controle das informações nele divulgadas sempre que os elementos postados por terceiro possam de alguma forma ferir a legislação” (Rp. 1289–13, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe de 20/8/2010). No mesmo sentido: AgR–AC 1384–43, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, julgado em 29/6/2010. Nada obstante o contexto julgado envolver comentários de terceiros publicados em blogs, a ratio se revela plenamente aplicável à hipótese dos autos, na qual o Representado figura como coordenador de grupo em determinada rede social, no âmbito do qual são divulgadas opiniões e informações pelos integrantes do espaço virtual. Nessa linha, conforme bem ressaltou o Ministro MARCO AURÉLIO por ocasião do julgamento da mencionada Representação 1283–13, sabendo o titular do sítio virtual, “ele tem de estar vigilante quanto ao que é lançado no próprio sítio, muito embora por terceiros. A partir do momento em que tolere uma veiculação que surge discrepante do figurino legal, assume, evidentemente, a responsabilidade e responde pelo ato omissivo que tenha praticado”. Por isso mesmo, em razão dos fundados indícios da veiculação, no grupo em que o Representado é coordenador, de conteúdo sabidamente inverídico com a finalidade de atingir a honra de pré–candidato, vinculando–o a atividades de organizações criminosas, justifica–se a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA, a fim de ver preservada a veracidade das informações acessíveis aos eleitores. Ante o exposto, DEFIRO a liminar, nos seguintes termos: i) determinar ao Representado que proceda à imediata remoção do vídeo publicado no grupo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); ii) determinar, ainda, que o Representado, na condição coordenador do grupo “Super Grupo B–38 Oficial”, exerça o controle sobre o conteúdo veiculado, de modo a evitar a realização de novas postagens do vídeo impugnado, sob pena de multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) pelo descumprimento. Proceda–se à citação do Representado, para que apresente defesa no prazo legal. Após, intime–se o Ministério Público Eleitoral para manifestação e encaminhe–se o processo à eminente Relatora. Publique–se com urgência. A meu ver, no caso, foi precisa a decisão do eminente Min. Alexandre de Moraes, devendo, por isso, ser mantida em sua integralidade. O vídeo divulgado no referido grupo do Telegram é falso, tratando–se, como afirmado pelo representante, de montagem grosseira de falas descontextualizadas do candidato e de pretenso integrante de facção criminosa, e foi veiculado no intuito de difamar sua imagem e prejudicá–lo na corrida eleitoral, como atestado pela agência de checagem Aos Fatos (www.aosfatos.org), que destacou o seguinte (ID 157763442, p. 9): Não é verídico o diálogo de Ciro Gomes e uma liderança do PCC (Primeiro Comando da Capital), como tem sido veiculado em publicações nas redes sociais. A montagem foi produzida a partir de duas fontes distintas: uma entrevista do político cearense ao canal do humorista Maurício Meirelles veiculada em setembro de 2019 e trechos de conversas entre integrantes da facção criminosa interceptados pela PF (Polícia Federal) no ano passado. Conforme pode ser verificado no vídeo original (abaixo), trechos utilizados na peça, como a parte em que Gomes diz que “estão torturando alguém”, não têm nenhuma relação com o PCC ou com o crime organizado, mas sim com os problemas enfrentados quando governou o Ceará. Ciro Gomes também não foi citado no documento da PF sobre a Operação Cravada, que tinha o objetivo de desarticular o núcleo financeiro do PCC. Iniciada em fevereiro de 2019, a ação foi responsável pela identificação e pelo bloqueio de mais de 400 contas bancárias em todo o país. No Twitter, o candidato à Presidência da República pelo PDT em 2018 classificou a peça como “a mais nova fake news” contra ele nas redes sociais. O Boatos.org e a Agência Lupa também desmentiram esta peça de desinformação. (URL: https://www.aosfatos.org/noticias/e–montagem–conversa–de–ciro–gomes–com–lider–do–pcc/) É cediço o entendimento deste Tribunal no sentido de que “a divulgação de propaganda sabidamente inverídica é vedada, inclusive no período de campanha, como forma de garantir a lisura do processo eleitoral. Tal publicação conduz a reflexos claros na esfera jurídica dos pré–candidatos, constituindo um pedido de não voto, na medida em que desabonadoras e depreciativas à honra dos pretensos participantes do pleito” (AgR–REspEl nº 0600603–19/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.9.2021 – destaquei). Assim, no caso em tela, evidencia sem sombra de dúvidas a propaganda eleitoral extemporânea negativa em detrimento do candidato à presidência da República pelo partido representante, mediante a disseminação de vídeo contendo manipulação e desinformação, com a nítida intenção de atingir a honra e a imagem do candidato, de forma a influenciar a vontade do eleitor. O autor, no entanto, vai além e pede a aplicação de multa ao representado Marcos Koury Barreto – na condição de administrador do grupo no Telegram “Super Grupo B–38 Oficial”. No caso, referido administrador de grupo, tão logo intimado da decisão desta Corte, cumpriu a determinação liminar desta Casa e não apenas removeu o vídeo impugnado (ID 157816557), como também excluiu o participante do referido grupo. A douta Procuradoria–Geral Eleitoral, em seu parecer, invocando, em analogia, dada a inexistência de regra específica, a norma inscrita no art. 57–F da Lei nº 9.504/97, manifestou–se contra a aplicação de multa ao administrador do grupo em que trocadas as mensagens ora tida como ilegais, tendo em vista que, ao ser notificado da decisão desta Casa, adotou todas as medidas possíveis para excluir o conteúdo e, mais do que isso, retirar o responsável daquele ambiente, verbis: “(...). O art. 57–F da Lei 9.504/97 determina que se aplicam ao provedor de conteúdo e de serviços multimídia que hospeda a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de coligação as penalidades previstas nesta Lei, se, no prazo determinado pela Justiça Eleitoral, contado a partir da notificação de decisão sobre a existência de propaganda irregular, não tomar providências para a cessar a prática. O parágrafo único do artigo preceitua que o provedor de conteúdo ou de serviços multimídia somente será considerado responsável pela divulgação da propaganda, se comprovado que a publicação do material tinha o seu prévio conhecimento. Não há comando normativo específico para o caso de administrador de grupo. Mesmo, porém, que a dimensão do grupo do Telegram em causa, mais de sessenta e três mil participantes, suscite a possibilidade de aplicação desse regime jurídico à espécie, o certo é que, notificado pela eminente relatora, o representado prontamente excluiu a participante do grupo e suprimiu o vídeo manipulado. Dado o comportamento assumido, a hipótese não geraria punição, nem mesmo sob o regime do art. 57–F da Lei 9.504/97”. De fato, o art. 57–F da Lei nº 9.504/97 estabelece que se aplicam “ao provedor de conteúdo e de serviços multimídia que hospeda a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de coligação as penalidades previstas nesta Lei, se, no prazo determinado pela Justiça Eleitoral, contado a partir da notificação de decisão sobre a existência de propaganda irregular, não tomar providências para a cessação dessa divulgação”. Isso significa, portanto, que a regra, em tema de propaganda eleitoral no espaço digital, é a da responsabilidade direta e imediata dos geradores de conteúdo por eventuais ilegalidades nele constantes e, de outro lado, de responsabilidade apenas subsidiária dos responsáveis por espaços em que são veiculados conteúdos por terceiros. Nesse contexto, portanto, os responsáveis por espaços de compartilhamento coletivo de conteúdo em ambiente digital apenas arcarão com as consequências de eventual ilegalidade em material gerado e divulgado por terceira pessoa em caso de comprovado prévio conhecimento ou, ainda, na hipótese de inequívoco conhecimento posterior (decorrente de intimação judicial), associado à inércia na adoção das providências cabíveis para fazer cessar os danos derivados dessa ilegalidade. Esse também é o parâmetro de responsabilidade civil fixado pelo Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), verbis: “Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”. Muito embora os grupos de conversação criados em aplicativos de mensagem instantânea não se equiparem a provedores de conexão, entendo, dado o silêncio da lei eleitoral e do próprio marco civil, que as razões subjacentes à responsabilização apenas subsidiária de provedores de conteúdo aplicam–se, com inteireza, ao caso ora em análise, já que, como é de todos sabido, inexiste, por parte dos administradores de tais grupos, filtragem prévia de conteúdo das mensagens que são ali compartilhadas por cada um de seus integrantes. Se inexiste controle prévio de conteúdo, então a responsabilização dos administradores de grupo de conversação por conteúdo eleitoral irregular ali postado, à revelia de norma específica, deve se dar apenas em casos de inércia, após inequívoco conhecimento da ilegalidade identificada em mensagem de terceiros. Em sentido assemelhado, o voto do Ilustre Ministro Henrique Neves, no R–Rp 1289–13, em que, numa hipótese que se aproximava a um “blog”, asseverou o seguinte: “(...). Neste ponto, esclareço que não compartilho o argumento lançado nas contrarrazões, no sentido de não importar se a propaganda foi ou não retirada. No caso, relembro, estamos a tratar de conteúdo incluído por terceiros. Nesta hipótese entendo que quando o responsável pela manutenção do sítio na Internet, ao ser alertado sobre a presença de conteúdo impróprio inserido por terceiro, toma as providências necessárias e comprova a retirada do material irregular, não há espaço para sua responsabilização”. Ante todo o exposto, julgo parcialmente procedente a presente representação, confirmando a liminar anteriormente deferida, deixando, no entanto, de impor multa ao administrador do grupo que, tão logo notificado, adotou todas as medidas para fazer cessar a situação de irregularidade. Publique–se. Brasília, 29 de setembro de 2022. Ministra Maria Claudia Bucchianeri Relatora
Data de publicação | 29/09/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60051171 |
NUMERO DO PROCESSO | 6005117120225999872 |
DATA DA DECISÃO | 29/09/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | MARCOS KOURY BARRETO, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) - NACIONAL |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Maria Claudia Bucchianeri |
Projeto |