TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601259–06.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugenio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representado: Flávio Nantes Bolsonaro DECISÃO REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. PRETENSÃO DE REMOÇÃO DE... Leia conteúdo completo
TSE – 6012590620225999872 – Min. Cármen Lúcia
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601259–06.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugenio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representado: Flávio Nantes Bolsonaro DECISÃO REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. PRETENSÃO DE REMOÇÃO DE PUBLICAÇÃO NO TWITTER. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. LIMINAR DEFERIDA EM PARTE. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. Relatório 1. Representação, com requerimento liminar, proposta pela Coligação Brasil da Esperança (FE Brasil/Federação PSOL–REDE – PSOL/REDE/PSB/SOLIDARIEDADE/AVANTE/AGIR/PROS) contra Flávio Nantes Bolsonaro, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular na internet, em que veiculada desinformação em ofensa ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva. A representante alega haver prática de desinformação, configuradora de ilícito eleitoral, pelo representado ao veicular, na rede social Twitter, vídeo no qual consta a seguinte legenda, com discurso proferido pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva (ID 158146394, p. 3): 'Essa fala é para cuspir na cara de todos os brasileiros de bem! – Desvios na Petrobras e fundos de pensão – Financiou ditaduras na Venezuela e Cuba – Recebeu R$ 300 milhões da Odebrecht – Sítio de Atibaia e Triplex – Um dos líderes do Foro de São Paulo e apoiado pelo narcotráfico.' Afirma o autor da representação que “as imputações levadas a efeito pelo representado contra o ex–Presidente Lula, carecem todas de materialidade, de modo que é importante evidenciar o óbvio: o estado de inocência somente pode ser infirmado com o trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República)” (ID 158146394, p. 4). Ressalta que, “sobre a primeira afirmação do representado sobre ¿desvios na Petrobras e em Fundos de Pensão', imperioso destacar que em relação ao ex–Presidente Lula não paira qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado”, tendo sido “absolvido na ação que ficou conhecida como ¿Quadrilhão'” (ID 158146394, p. 1). Ressalta que, no que se refere à segunda acusação, “de que o ex–Presidente Lula teria financiado ditaduras na Venezuela e em Cuba, também não há quaisquer indícios de veracidade. Com efeito, não há sequer investigação a respeito dessas levianas acusações. Há, sim, trancamento das ações penais em que se discutia suposto tráfico de influência em relações com Angola, mormente quanto a financiamento de serviços” (ID 158146394, p. 2). Quanto à terceira acusação, de que teria Luiz Inácio Lula da Silva “recebido R$ 300 milhões da Odebrecht”, esclarece que as ações movidas na denominada Operação Lava Jato não foram concluídas com condenação final (ID 158146394, p. 11). Sobre a “quarta afirmação, qual seja, ¿Sítio de Atibaia e Triplex', no sentido de que ambos teriam sido ¿dados' ao ex–Presidente Lula como parte de pagamento de propina, novamente forçoso reconhecer, como é público e notório, que ambos processos se encontram encerrados e não há qualquer sentença penal condenatória em desfavor do ex–presidente Lula” (ID 158146394, p. 12). Assevera também que, quanto à quinta e última acusação, no que se refere ao apoio do narcotráfico, “o Partido dos Trabalhadores ajuizou duas representações perante esse eg. Tribunal Superior Eleitoral, objetivando, em síntese, o reconhecimento da desinformação acerca da suposta relação entre o Partido ora representante e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Por ocasião de apreciação da liminar pleiteada na Representação nº 0600543–76.2022.6.00.0000, o eminente Ministro Presidente Alexandre de Moraes, foi unívoco ao afirmar que a divulgação de fato sabidamente inverídico, com a aparente finalidade de vincular a figura de pré–candidato a atividades de organização criminosa é suficiente para configurar propaganda eleitoral negativa (ID 158146394, p. 14). Para comprovação da plausibilidade do direito, aponta a “manifesta violação às normas e princípios que regem a propaganda eleitoral, sobretudo à Resolução nº 23.610/2019 deste c. TSE, de modo a ferir a lisura do processo eleitoral” (ID 158146394, p. 22). Sobre o requisito relativo ao perigo do dano, afirma ele estar comprovado “na perpetuação de desinformações que maculam a lisura do processo eleitoral, configurando propaganda eleitoral negativa contra o ex–presidente Lula, por meio de publicações veiculadas na internet” (ID 158146394, p. 22). Requer tutela de urgência para que “seja determinado ao Representado que remova o conteúdo desinformador objeto desta ação” e para que se “abstenha de veicular outras publicações que contenham o mesmo teor”, ambos “sob pena multa a ser arbitrada por esta c. Corte” (ID 158146394, p. 27). Pede a procedência da ação, com “a confirmação da medida liminar, de modo a determinar que as publicações sejam removidas e que os Representados se abstenham de veicular outras com o mesmo teor”, e “a condenação por propaganda irregular e a consequente aplicação da multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), conforme previsto no art. 36 da Lei n. 9.504/97, ao Representado” (ID 158146394, p. 28). Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO. 2. Para efeito de liminar, e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, deve–se comprovar a presença dos requisitos previstos no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de publicação em rede social contendo vídeo com legenda em que o representado faria acusações indevidas que teriam o fim de induzir o eleitor a crer que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teria cometido desvios de recursos públicos e financiado ditaduras, sendo, ainda, apoiado pelo narcotráfico. O exame dos dados constantes dos autos conduz à conclusão de assistir razão, em parte, à representante. 3. A solução desta controvérsia jurídica, em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República. No voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei (p. 293 do acórdão): 'A Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (inc. IV, IX e XIV do art. 5º e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas.' Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam–se da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news (p. 294, 297 do acórdão): 'Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...). (...) As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news.' O sistema jurídico vigente não autoriza o exercício abusivo do direito à expressão sem peias ou limites, não sendo aceitável, constitucionalmente, que alguém possa se achar titular de um direito ilimitado, o qual pudesse ser desempenhado contra outrem sem qualquer restrição. Por isso, é juridicamente possível a restrição do exercício desse direito fundamental quando constatada eventual ilicitude em prática submetida ao Poder Judiciário. 4. Na espécie, o representado publicou, em sua rede social, em 25.9.2022, vídeo, contendo legenda do candidato Luiz Inácio Lula da Silva em evento no qual comenta sua situação jurídica de inocente: 'Essa fala é para cuspir na cara de todos os brasileiros de bem! – Desvios na Petrobras e fundos de pensão – Financiou ditaduras na Venezuela e Cuba – Recebeu R$ 300 milhões da Odebrecht – Sítio de Atibaia e Triplex – Um dos líderes do Foro de São Paulo e apoiado pelo narcotráfico.' Quanto aos trechos “desvios na Petrobras e fundos de pensão”, e “sítio de Atibaia e Triplex”, tem–se que são alegações genéricas, nas quais não são apontados fatos específicos e delimitados. Têm–se afirmações passíveis de interpretação e discussão, garantidas pelo livre exercício da manifestação do pensamento, bem como do direito de crítica do representado, diante das afirmações feitas pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva no que se refere aos resultados dos processos que respondeu na Justiça. 5. Entretanto, a mensagem transmitida não tem respaldo em dados fáticos no que se refere às acusações de recebimento de 300 milhões de reais da Odebrecht e de recebimento de apoio do narcotráfico. A alegação de que o ex–Presidente teria recebido a quantia de R$ 300 milhões da empreiteira Odebrecht pode configurar imputação caluniosa, que visa macular a honra do candidato, pois não se demonstra haver decisão judicial econhecendo a ocorrência deste fato. Quanto à alegação de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é apoiado pelo narcotráfico, também não ha qualquer dado a confirmar a alegação. Também inexiste confirmação da veracidade da afirmação específica: “financiou ditaduras na Venezuela e Cuba”. Na Representação n. 0600543–76, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, o Tribunal Superior Eleitoral analisou acusação similar, de envolvimento entre o ex–Presidente com o grupo criminoso Primeiro Comando da Capital – PCC decidiu que: 'Há nítida percepção de que as mentiras divulgadas objetivam, de maneira fraudulenta, persuadir o eleitorado a acreditar que um dos pré–candidatos e seu partido, (...) possuem ligação com o crime organizado, com o fascismo e com o nazismo, tendo, ainda igualado a população mais desafortunada ao papel higiênico. O sensacionalismo e a insensata disseminação de conteúdo inverídico com tamanha magnitude pode vir a comprometer a lisura do processo eleitoral, ferindo valores, princípios e garantias constitucionalmente assegurados, notadamente a liberdade do voto e o exercício da cidadania.' Comprova–se, portanto, na espécie em análise, que as alegações destacadas não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é a veiculação de mensagem mentirosa, ofensiva à honra e à imagem de candidato à presidência da República, o que leva à repercussão ou interferência negativa no pleito e evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação. Este Tribunal Superior fixou o entendimento de que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR–REspEl n. 0600396–74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 21.3.2022). Ainda conforme a jurisprudência deste Tribunal Superior, “as ordens de remoção de propaganda irregular, como restrições ao direito à liberdade de expressão, somente se legitimam quando visem à preservação da higidez do processo eleitoral, à igualdade de chances entre candidatos e à proteção da honra e da imagem dos envolvidos na disputa” (REspe n. 529–56/RJ, Relator o Ministro Admar Gonzaga, DJe 20.3.2018). 6. O quadro apresentado no processo revela que a veiculação da mensagem não tem suporte em dados veríficos, mostrando a plausibilidade do direito sustentado nesta representação. O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso às postagens por número cada vez maior de pessoas, acarretando propagação de ofensa à honra e à imagem do candidato. Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil). 9. Pelo exposto, reservando–me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos do perigo da demora e da plausibilidade jurídica, defiro, em parte, o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º–B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, concedo o pedido de tutela provisória de urgência para que sejam removidas, no prazo de 24 horas, as postagens nas quais constem as afirmações “Recebeu R$ 300 milhões da Odebrecht”; “apoiado pelo narcotráfico” e “financiou ditaduras na Venezuela e Cuba” indicadas no seguinte endereço eletrônico: https://twitter.com/FlavioBolsonaro/status/1574091437146267650 Oficie–se o provedor de aplicação Twitter para a imediata retirada das publicações, nos termos dos §§ 1º e 1º–B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior. Intime–se o representado para que se abstenha de veicular mensagens que contenham o mesmo teor, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 por postagem, observado o limite máximo de R$ 30.000,00, em aplicação analógica do § 5º do art. 57–B da Lei n. 9.504/1997. Proceda–se à citação do representado para que apresente defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da citada Resolução. Na sequência, intime–se o representante do Ministério Público Eleitoral – MPE para que se manifeste no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da Resolução n. 23.608/2019. Publique–se e intime–se. Brasília, 27 de setembro de 2022. Ministra CÁRMEN LÚCIARelatora
Data de publicação | 16/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60125906 |
NUMERO DO PROCESSO | 6012590620225999872 |
DATA DA DECISÃO | 16/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, FLAVIO NANTES BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Cármen Lúcia |
Projeto |