RA 9/15 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (12626) Nº 0601439–32.2022.6.14.0000 (PJe) – BELÉM – PARÁ Relator: Ministro Raul Araújo Agravante: Aurélio Ramos de Oliveira Neto Advogados: Savio Leonardo de Melo Rodrigues– OAB/PA 12985 Agravados: Keniston de Jesus Rego Braga Advogado: Claudio Gonçalves Moraes – OAB/PA 17743 e outros DECISÃO Eleições... Leia conteúdo completo
TSE – 6014393220226140160 – Min. Raul Araujo Filho
RA 9/15 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (12626) Nº 0601439–32.2022.6.14.0000 (PJe) – BELÉM – PARÁ Relator: Ministro Raul Araújo Agravante: Aurélio Ramos de Oliveira Neto Advogados: Savio Leonardo de Melo Rodrigues– OAB/PA 12985 Agravados: Keniston de Jesus Rego Braga Advogado: Claudio Gonçalves Moraes – OAB/PA 17743 e outros DECISÃO Eleições 2022. Cargo de deputado federal. Agravo em recurso especial. Representação por propaganda antecipada negativa. Radialista que critica em seu programa rival político. Ação julgada procedente. Acórdão regional confirma a decisão. Programa transcrito no voto do relator. Não incidência do Enunciado Sumular nº 24 do TSE ante a possibilidade de revaloração jurídica dos fatos. Liberdade de expressão e de imprensa utilizadas como escudo para quebrar a isonomia. Se o radialista utiliza seu programa para criticar rivais políticos, o que pode ser entendido como um pedido de não voto, já inicia a campanha eleitoral em vantagem. Julgamento regional de acordo com a jurisprudência do TSE. Enunciado Sumular nº 30 do TSE. Negado seguimento ao agravo em recurso especial. Na origem, cuida–se de representação ajuizada por Keniston de Jesus Rego Braga, candidato ao cargo de deputado federal pelo Estado do Pará, nas eleições de 2022, em desfavor de Aurélio Ramos de Oliveira Neto, por conta de propaganda negativa antecipada. A decisão que julgou a ação procedente foi desafiada por recurso eleitoral, cujo acórdão transcreve–se (ID 158582637): RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA NEGATIVA ANTECIPADA. RECONHECIMENTO. PROGRAMA DE RÁDIO. PRÉ–CANDIDATOS. MANUTENÇÃO DA MULTA APLICADA. MAJORAÇÃO. INDEFERIMENTO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A ocorrência de propaganda eleitoral extemporânea pressupõe a presença dos seguintes pressupostos: a) pedido explícito de voto ou não voto; b) utilização de formas/meios/instrumentos vedados pela legislação eleitoral em qualquer período ou; c) prejudicar a igualdade de oportunidade nas eleições. 2. In casu, a conduta do representado, durante a apresentação do programa de rádio, excedeu os limites da liberdade de expressão,afigurando–se como irregularidade eleitoral ao ofender o representante e reverberar aos ouvintes a ideia de não–voto. 3. Demonstrada a irregularidade da conduta praticada pelo representado, imperioso a manutenção da sanção aplicada na decisão definitiva em todos os seus termos, sobretudo porque o julgamento tomou por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na aplicação da multa em seu patamar mínimo, de forma que afigura–se escorreita 4. Recursos conhecidos e, no mérito, desprovidos. Aurélio Ramos de Oliveira Neto interpôs recurso especial eleitoral (ID 158582643). Aduz que a decisão recorrida negou vigência ao art. 36–A, V, da Lei nº 9.504/1997. Outrossim, acrescenta (ID 158582644, fl. 7): O primeiro ponto de destaque para fins de reforma do acórdão recorrido é que a conduta do Recorrente se restringiu a tecer comentários sobre áudio que havia recebido de um ouvinte, somente isso. Não houve qualquer suposta criação de narrativa eleitoral, mas apenas a realização de comentário sobre o teor de um áudio de ouvinte contendo acusações contra o Recorrido, o que ensejou críticas contundentes e não supostos ataques à pessoa dele, situação que, diversamente da conclusão contida no acórdão recorrido, não representa nenhum suposto rompimento da paridade de armas, tampouco qualquer extrapolação da liberdade de expressão. Ademais, o uso da alcunha “Jabuti” não configura qualquer suposta “tática de desumanização”, sendo apenas um jeito sarcástico característico do modo de se comunicar do Recorrente, sem que isso traduza qualquer suposta (e inexistente!) ofensa à imagem do Recorrido, até porque, como dito, o Recorrente possui um estilo bem característico de fala, com uso de expressões populares e descontraídas. Porém, ainda que as palavras empregadas pelo Recorrente viessem a ser consideradas duras, isto constituiria o que esta Justiça Especializada define como críticas ácidas e, portanto, permitidas no contexto de liberdade de expressão jornalística. Acrescenta que: [...] os comentários então realizados pelo Recorrente durante o programa de rádio estavam em consonância com a mensagem de áudio encaminhada por um cidadão, contendo denúncias acerca de condutas praticadas pelo Recorrido no que se refere ao pagamento de elevadas quantias de dinheiro a lideranças políticas a fim de apoiálo em eventual candidatura no ano de 2022. A partir daí, no uso legítimo da liberdade de imprensa, o Recorrente limitou–se a realizar comentários sobre tais denúncias recebidas, de modo a externar sua opinião sobre o ocorrido. Com isso, verifica–se a contextualização dos comentários proferidos pelo Recorrido, todos ancorados em circunstâncias incontroversas ocorridas contemporaneamente à fala então exteriorizada, valendo destacar, mais uma vez, que o Recorrido compunha a cúpula da gestão da Prefeitura de Parauapebas (PA), sendo o Secretário de Governo do Município, de modo que é natural – e faz parte da dialética democrática – que ele venha a suportar uma quantidade maior de críticas, as quais comumente ostentam elevada acidez, devidamente salvaguardada pela liberdade de expressão jornalística (ID 158582644, fls. 8 e 9). Ao fim, requer a “[...] admissão/conhecimento do presente Recurso Especial, de modo que no mérito seja dado provimento, reformando o v. aresto regional, a fim de reconhecer a negativa de vigência ao inciso V do art. 36–A da Lei 9504/97, para, com isso, assentar a não ocorrência de propaganda eleitoral antecipada negativa” (ID 158582644, fl. 11). Keniston de Jesus Rego Braga, após a intimação, juntou suas contrarrazões aos autos (ID 158582647). Asseverou que (ID 158582647, fl. 3) : 6. O ilícito eleitoral descrito na petição inicial é claro. A utilização de seu programa de rádio para fazer campanha política em benefício próprio é cristalina, e a quebra da isonomia entre os participantes do pleito é patente, motivo pelo qual não se vislumbra afronta inciso V do art. 36–A da Lei 9504/97 alegada no recurso, muito menos violação direta do art. 5, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. 7. Nesse raciocínio, o recorrente, como já mencionado e inclusive decidido em momentos anteriores, ultrapassa limites da propaganda eleitoral permitida, assim como as balizas da liberdade de expressão, diante dos excessos de ataques pessoais infundados, o que não se coaduna com a festejada liberdade de expressão do inciso IV do art. 5º do texto magno. Nos pedidos, pugnou pelo “recebimento das contrarrazões em recurso especial e que seja desprovido o recurso de Aurélio Goiano” (ID 158582647, fl. 4). A Presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Pará negou seguimento ao apelo nobre (ID 158582650) por entender que o acórdão não contrariou o disposto no art. 36–A da Lei das Eleições. Explica que, “ainda que a conclusão do TRE/PA tenha se firmado em sentido contrário ao entendimento dos recorrentes, tal fato não constitui ofensa ao dispositivo legal supostamente violado” (ID 158582650, fl. 9). Aurélio Ramos de Oliveira Neto interpôs agravo (ID 158582655). Ponderou que (ID 158582655, fl. 7) O fundamento jurídico do Recurso Especial então interposto pelo ora Agravante, e obstado pela decisão agravada, foi a negativa de vigência ao inciso V do art. 36–A da Lei 9504/97, cujo conteúdo descarta suposta propaganda eleitoral antecipada quando se tratar de divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas. E foi exatamente essa a conduta do Agravante, qual seja, a de se posicionar pessoalmente sobre assuntos políticos que eram abordados por ouvintes no programa de rádio Manhã Sertaneja, do qual era apresentador. Deixou–se claro no apelo especial que os elementos fáticos constantes do acórdão proferido pelo Regional paraense permitiam (e permitem!), com absoluta margem de segurança, o enfrentamento da temática relativa à violação ao inciso V do art. 36–A da Lei 9504/97, sem qualquer necessidade de revolvimento de matéria fático–probatória, essencialmente porque houve a TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DE TODA FALA DO AGRAVANTE, a qual foi entendida pelo TRE/PA como supostamente configuradora da propaganda eleitoral antecipada negativa [...] Afirmou, também, que (ID 158582655, fls. 9–10): [...] nota–se que que toda controvérsia trazida no apelo especial restou devidamente prequestionada e expressamente consignada no bojo do acórdão do Regional paraense, pelo que, infirmando os termos da decisão agravada, a análise do recurso especial então interposto pelo ora Agravante não enseja qualquer reexame de fatos e/ou provas, não configurando violação a Sumula 7 do STJ e 24 do TSE, circunstância que demonstra a viabilidade de trânsito/seguimento do apelo especial. Seguindo essa linha de raciocínio, de modo a infirmar os argumentos constantes da decisão agravada, tem–se que o Agravante se desincumbiu do ônus processual que lhe competia para fins de demonstração da negativa de vigência ao inciso V do art. 36–A da Lei das Eleições, na medida em que apontou, objetiva e especificamente, os pontos do acórdão do Regional paraense que incidiram na violação ao texto da norma de lei federal acima citada. Nesse sentido, o apelo especial interposto esclareceu que a conduta do Agravante se restringiu a comentários feitos durante a realização do programa de rádio Manhã Sertaneja, do dia 16/02/2022, no qual, em conversa com uma ouvinte chamada VERA, o Agravante criticou a ausência de reformas nas escolas e estradas de Parauapebas (PA) por parte da atual gestão local, afirmando que o dinheiro teria sido usado para fazer campanha. Assevera ainda que o Agravado estaria obtendo apoio políticos através do uso de dinheiro advindo de Parauapebas [...] Ademais, da fala do Agravante também não se extrai qualquer pedido explicítio de não–voto, assim como não se constata a divulgação de conteúdo sabidamente inverídico, o qual, na linha da jurisprudência deste TSE, é aquele verificável de plano (R–Rp nº 0600894–88/DF, Rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 30.8.2018). Com efeito, a peça recursal interposta demonstrou que a negativa de vigência ao texto do art. 36–A, V da Lei 9504/97, nesse ponto, aperfeiçoou–se porque a expressão utilizada pelo Agravante não denotou qualquer suposta intenção de reverberar a ideia de não–voto, tampouco representou qualquer depreciação à pessoa do Agravado, constituindo–se, na verdade, como críticas contextualizadas à conversa tida com uma ouvinte chamada VERA. Requereu o “[...] conhecimento do presente Agravo, pois tempestivo e subscrito por advogado habilitado, e, no mérito, o seu integral provimento para reconhecer que a decisão agravada se mostrou, com a devido respeito, equivocada ao negar trânsito ao apelo especial interposto, porquanto demonstrada, objetiva e especificamente, a negativa de vigência ao inciso V do art. 36–A da Lei 9504/97” (ID 158582655, fl 11). A Procuradoria Geral Eleitoral opinou pelo desprovimento do agravo (ID 158704312). Vieram os autos conclusos. É o relatório. Passa–se a decidir. O agravo é tempestivo. A decisão agravada foi publicada no Diário de Justiça eletrônico em 20.1.2023, sexta–feira (ID 158582652), e o presente recurso foi interposto em 26.1.2023, quinta–feira (ID 158582654), em petição subscrita por advogado devidamente constituído nos autos digitais (ID 158582606). O agravo não merece ser provido, ante a inviabilidade do recurso especial. Inicialmente, verifica–se que o inteiro teor da propaganda impugnada foi transcrita no voto do relator do acórdão impugnado (ID 158582638), nos seguintes termos: CORTE 1 “Assistente: E é um monte de cidade que ele é dono. AURÉLIO GOIANO: É um monte, isso é verdade, dinheiro pra pelar porco. Assistente: Agora ele resolveu, vai ser empresário de posto de gasolina vai comprar os postos..... vai comprar os postos nessa região aqui tudo. AURÉLIO GOIANO: É .. comprou os posto (sic)... Lá em Canaã diz que também comprou um. Vai comprar tudo. Vai vender gasolina só pra quem não é oposição dele (risos). A hora que nós chegar pra abastecer então nós tamo enrolado (risos). Abastecer lá no Eldorado (risos). Assistente: ele vai comprar no Eldorado também (risos) ... aí lascou. AURÉLIO GOIANO: E meu Deus do céu.. é só no pebas mesmo. Assistente: Polícia Federal pelo amor de Deus corre aqui. AURÉLIO GOIANO: Ontem aconteceu a volta dos trabalhos aí da Câmara Municipal e a gente viu a rasgação de seda e se você não viu pode pesquisar por aí nos sites, nos sites que são dá, dá, dá corja né? Nos blogs ¿ Ah como eu queria estar naquela Câmara pra olhar no olho do JABUTI e dizer a vossa excelência é um incompetente pra não chamar ele de LADRÃO!!! Assistente: Eita JABUTI TRACAJÁ. AURÉLIO GOIANO: É... meu amigo TRACAJÁ é parente de TRAÍRA. Assistente: Zé mucura... quando nós estava vindo ali tinha uma mucura bem acolá. AURÉLIO GOIANO–1:19– Ôoooo mucura grande parece um cachorro. Assistente: Tá doido, é? Parece com o JABUTI. AURÉLIO GOIANO: não é mentira, não (risos)”. CORTE 2 “Áudio de mulher: como é que vocês estão aí, galera, tudo bom? AURÉLIO GOIANO: –Tudo em paz, Vera. Que prazer tá falando contigo, ontem nós estivemos lá no colégio Jorge Amado eeee¿. Ontem já não teve aula e hoje também não, os pais reclamando de muitas situações. Hoje eu vou mostrar essa matéria na íntegra no programa Fala Cidade a partir das onze e quarenta e cinco da manhã O desespero das mães e pais de família com os alunos em casa. Nós tivemos dois anos aí para se reformar as estradas, tivemos dois anos aí pra reformar essas escolas e não fizeram. Assistente: O que que fizeram com o dinheiro, né??? O dinheiro entrou a mesma coisa??? O que que foi feito com o dinheiro???? AURÉLIO GOIANO: Estão fazendo campanha!!!! Assistente: Comprando as pessoas fora do município pra fazer campanha pro JABUTI. AURÉLIO GOIANO: Tem presidente de sindicato, tem presidente de, de, de, de ONG, tem presidente de mototaxista, presidente de taxista, tem candidato a vereador que não ganhou a eleição, tem liderança não sei da onde, dinheiro da onde??? Do Paraupeba. Assistente: E desviado só pode ser da escola, da saúde, da educação porque, uai, ficou dois anos parado. As escolas não foi reformada, o dinheiro foi guardado não usou merenda, não usou nada, não usou ônibus, não usou óleo diesel, não usou nada. AURÉLIO GOIANO: Não arrumaram nem os ônibus imagine as estrada, mas o aivim que nem neve, o imperador das máquinas”. Assim, não há falar na incidência do Enunciado Sumular nº 24 do Tribunal Superior Eleitoral porque não se trata de revaloração do acervo fático–probatório, mas tão somente de reenquadramento jurídico dos fatos. Nesse sentido: [...] PREMISSAS FÁTICAS DEVIDAMENTE DELINEADAS NO ACÓRDÃO RECORRIDO. POSSÍVEL O REENQUADRAMENTO JURÍDICO. [...]. 2. Em âmbito de recurso especial, estando adequadamente demarcadas as premissas fático–probatórias no acórdão recorrido, é possível, se for o caso, promover o reenquadramento jurídico de fatos e provas. (REspe nº 1610–80/MS, rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11.6.2014, DJe de 6.8.2014) I – A análise das circunstâncias em que ocorreu o fato, conforme requer o agravante, para que se faça o reenquadramento jurídico, implica no revolvimento de toda matéria já discutida pela Corte regional, providência vedada por esse Tribunal em recurso especial, a teor da Súmula 279 do STF. II – O reenquadramento jurídico dos fatos pelo TSE é possível desde que a análise se restrinja às premissas fáticas assentadas pela Corte de origem. (AgRgREspe nº 2.8172/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13.8.2009, DJe de 21.9.2009) A questão é saber se as falas de Aurélio Ramos de Oliveira exorbitaram o direito constitucional da liberdade de expressão, previsto no art. 5º da CF e, também, em convenções internacionais de direitos humanos, como o art. 13 da Convenção Interamericana e o art. 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 22.328/RJ, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, concluiu que a liberdade de expressão detém posição preferencial no Estado Democrático brasileiro porque é uma pré–condição para o exercício esclarecido de outros direitos e liberdades. A despeito de gozar de posição preferencial, a liberdade de expressão encontra limites no ordenamento jurídico e na jurisprudência. Um exemplo é a recente ADO nº 26, na qual o STF assentou que expressões homofóbicas e transfóbicas qualificam–se como espécies do gênero racismo, na dimensão de racismo social, consagrada pelo STF no julgamento plenário do HC nº 82.424/RS. Assim, discursos que inferiorizam pessoas deste grupo por sua condição pessoal são passíveis de reprimenda estatal. No caso em comento, tem–se, ainda, a liberdade de imprensa, uma vez que as questões controvertidas foram ditas em programa de rádio que foi ao ar no dia 16.2.2022. No entanto, se, de um lado, a liberdade de imprensa deve ser prestigiada, de outro, a igualdade e a paridade de armas entre candidatos há de ser mantida. Profissionais de comunicação social, por conta de sua atividade laboral, recebem maior exposição midiática que os demais cidadãos. Se o período de pré–campanha é utilizado por profissionais de comunicação para exercer críticas aos seus rivais políticos, observa–se um desrespeito à isonomia, visto que eles não possuem acesso às mesmas plataformas para exercerem o contraditório em faze da opinião pública. Como dito pela PGE em seu parecer, a questão demanda preocupação do legislador que, no art. 36–A, §§ 2º e 3º, da Lei das Eleições, vedou que os profissionais de comunicação, dentre os quais se incluem o comentaristas de programas, divulguem, no exercício da profissão, suas plataformas e projetos políticos, bem como que peçam apoio político ou divulguem sua pré–candidatura. Esta Corte superior já enfrentou caso semelhante, abaixo transcrito: EMENTA ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. RADIALISTAS. DIVULGAÇÃO DE PRÉ–CANDIDATURA E PEDIDO DE APOIO POLÍTICO. VIOLAÇÃO AO ART. 36–A, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. SÚMULAS Nº 28 E 29/TSE. REITERAÇÃO DE TESES RECURSAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 26/TSE. DESPROVIMENTO. 1. A reprodução das mesmas razões lançadas por ocasião da interposição do recurso especial e do agravo, sem infirmar especificamente os fundamentos da decisão agravada – incidência das Súmulas nº 24, 28 e 29 –, atrai o verbete Sumular nº 26 do Tribunal Superior Eleitoral. 2. In casu, a Corte de origem assentou que os agravantes incorreram na vedação contida nos §§ 2º e 3º do art. 36–A da Lei nº 9.504/97, mediante pedido de apoio político e divulgação de pré–candidatura no exercício do ofício de radialistas. 3. Acolher a pretensão recursal – no sentido de que não há falar em propaganda eleitoral irregular, porquanto em nenhum momento dos trechos transcritos e anexados à exordial houve divulgação de pré–candidatura por parte dos agravantes – demandaria o reexame dos fatos e provas, vedado nos termos da Súmula nº 24/TSE. 4. Diversamente do que sustentam os agravantes, a solução da controvérsia trazida a esta Corte Superior independe da análise de existência ou inexistência do pedido explícito de voto na conduta praticada, uma vez que o § 3º do art. 36–A da Lei nº 9.504/97 é expresso ao vedar aos profissionais de comunicação social, no exercício da profissão, o disposto no § 2º do mesmo artigo, in verbis: 'nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré–candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver'. 5. Agravo regimental desprovido. (AgR–AI nº 0600574–03/PI, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 28.8.2020, DJe de 22.9.2020 – grifos acrescidos) Mutatis mutandis, se o radialista utiliza seu espaço político para criticar rivais políticos, há um pedido de não voto e há um desvirtuamento da liberdade de expressão e liberdade de imprensa, que não devem ser utilizadas para autorizar que a disputa eleitoral já comece em desigualdade, uma vez que os outros candidatos não têm como alcançar a mesma audiência. Também essa Corte Superior compreende que sugestionar a prática de crimes, assim como comparar o adversário político a animais têm o condão de atingir a honra objetiva e subjetiva do candidato, de modo a extrapolar o limite da liberdade de expressão. Vejam–se, para tanto, os seguintes precedentes: ELEIÇÕES 2022. DIREITO DE RESPOSTA. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. TELEVISÃO. BLOCO. AFIRMAÇÃO QUE OFENDE A HONRA OBJETIVA E SUBJETIVA DE CANDIDATO. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE CRIME. EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. CONCESSÃO DE DIREITO DE RESPOSTA. AFIRMAÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE FAKE NEWS PELO CANDIDATO OPONENTE. DISCUSSÃO PRÓPRIA DO EMBATE ELEITORAL. POSSIBILIDADE DE DEFESA NA PRÓPRIA ARENA POLÍTICO–ELEITORAL. INTERVENÇÃO MÍNIMA DESTA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. [...] 3. O art. 243, inciso IX, do Código Eleitoral e o art. 22, inciso X, da Res.–TSE nº 22.610/2019 dispõem que não pode ser tolerada a propaganda eleitoral que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como a que atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública. 4. No cenário formado nas eleições de 2022, o TSE firmou orientação 'no sentido de uma 'atuação profilática da Justiça Eleitoral', em especial no que concerne a qualquer tipo de comportamento passível de ser enquadrado como desinformativo [...] e flagrantemente ofensivo (DR no 0601275–57/DF, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri, PSESS de 3.10.2022). 5. No caso, da transcrição constante nos autos, se extrai que a propaganda impugnada atribui a Jair Messias Bolsonaro as pechas de criminoso e ladrão, o candidato tem relação de amizade com milicianos e assassinos e contribui para armar o crime organizado, imputando–o, ainda, a prática de crime de lavagem de capitais e de participação em esquema de 'rachadinha'. 6. As mensagens negativas têm o condão de atingir a honra objetiva e subjetiva do candidato que, notadamente por sugestionar a prática de crimes, desbordam dos limites do legítimo debate político de ideias e vulneram o princípio constitucional da presunção de inocência, revestindo–se da ilegalidade descrita no art. 22, inciso X, da Res.–TSE nº 23.610/2019. 7. Referências a adjetivos e condutas que remetam à prática de crimes pelo candidato extrapolam o limite da liberdade de expressão, tornando ilegal a propaganda eleitoral, de modo que a concessão de direito de resposta é medida que se impõe. [...] (DR nº 0601557–95/DF, rel. Min. PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO, PSESS de 25.10.2022 – grifos acrescidos) ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. MODALIDADE NEGATIVA. PROCEDÊNCIA NA CORTE DE ORIGEM. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO QUE NÃO É ABSOLUTO. POSSÍVEL CANDIDATO. CARGO DE GOVERNADOR. HONRA. DIREITO DE PERSONALIDADE. OFENSA. CAMPO DA CRÍTICA. EXORBITÂNCIA. PEDIDO EXPLÍCITO DE NÃO VOTOS. CARACTERIZAÇÃO. ARESTO REGIONAL. INTEGRAL RESTABELECIMENTO. PROVIMENTO. 1. A livre manifestação do pensamento não constitui direito absoluto, de modo que o discurso de ódio – que não se confunde com críticas ácidas e agudas – não deve ser tolerado, em resguardo à higidez do processo eleitoral, da igualdade de chances e da proteção da honra e da imagem dos players. Precedentes deste Tribunal Superior (AgR–AI n. 2–64/SP, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 22.9.2017). 2. Na espécie, o agravado buscou, na rede social, incutir em contingente de pessoas a ideia de que o possível candidato estaria vinculado a regimes inegavelmente nefastos (nazismo) e a práticas criminosas (corrupção), tendo a Corte Regional assentado a presença do pedido explícito de não votos. 3. Agravo interno do Parquet Eleitoral provido para restabelecer integralmente o acórdão regional. (AgR–REspEl nº 0600072–23/BA, rel. designado Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJe de 10.9.2021 – grifos acrescidos) Como se vê, a decisão do regional está em harmonia com a jurisprudência deste Tribunal, fazendo incidir o Enunciado Sumular nº 30 do TSE. Ante o exposto, com base no art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, nega–se seguimento ao agravo em recurso especial. Publique–se. Intimem–se. Brasília, 28 de março de 2023. Ministro Raul Araújo Relator
Data de publicação | 28/03/2023 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60143932 |
NUMERO DO PROCESSO | 6014393220226140160 |
DATA DA DECISÃO | 28/03/2023 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2022 |
SIGLA DA CLASSE | AREspEl |
CLASSE | Agravo em Recurso Especial Eleitoral |
UF | PA |
MUNICÍPIO | BELÉM |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Propaganda eleitoral irregular |
PARTES | AURELIO RAMOS DE OLIVEIRA NETO, KENISTON DE JESUS REGO BRAGA |
PUBLICAÇÃO | DJE |
RELATORES | Relator(a) Min. Raul Araujo Filho |
Projeto |