TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Trata–se de pedido de concessão de tutela de urgência formalizado por Luis Pereira Costa, vereador do Município de Primavera do Leste/MT, objetivando a suspensão liminar dos efeitos do acórdão proferido nos autos do Recurso Eleitoral n. 0600002–48.2021.6.11.0040, pelo qual, por maioria de votos, o Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE/MT),... Leia conteúdo completo
TSE – 6001643820225999872 – Min. Carlos Horbach
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Trata–se de pedido de concessão de tutela de urgência formalizado por Luis Pereira Costa, vereador do Município de Primavera do Leste/MT, objetivando a suspensão liminar dos efeitos do acórdão proferido nos autos do Recurso Eleitoral n. 0600002–48.2021.6.11.0040, pelo qual, por maioria de votos, o Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE/MT), confirmando a procedência dos pedidos formulados em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), determinou a imediata execução do decreto condenatório, por reputar provado, com nota de gravidade, a utilização de redes sociais para a propagação de notícias falsas no âmbito das eleições de 2020. O aresto regional foi assim sintetizado: RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. DECLARAÇÕES PERPETRADAS PELO CANDIDATO EM MÍDIAS SOCIAIS. DISSEMINAÇÃO DE FATOS INVERÍDICOS. REITERAÇÃO DA CONDUTA. CARACTERIZAÇÃO DE FAKE NEWS. FRAUDE ELEITORAL. INFLUÊNCIA NA VONTADE DO ELEITOR. GRAVIDADE IMPACTANTE NA NORMALIDADE E NA LEGITIMIDADE DAS ELEIÇÕES. SANÇÃO DE CASSAÇÃO DO MANDATO. PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. 1. A sentença fundamentou a procedência da ação nas diversas provas que compõem os autos, que demonstram a recalcitrância do candidato em produzir vídeos com conteúdo falso, permeados de denuncismo vazio, com a nítida finalidade de prejudicar seus adversários políticos e de autopromover a sua candidatura, colocando–se como justiceiro, herói, protetor de uma população carente e vulnerável. 2. Segundo o princípio da legitimidade das eleições, é preciso averiguar se o eleito assim o foi de forma legítima, quer dizer, se a escolha popular se deu alicerçada em regramentos legais e morais, se foi respeitado o princípio da igualdade entre os candidatos e, por fim, se foi observado o anseio da população, materializado no livre e consciente exercício do voto. 3. Na averiguação das eleições sob o prisma da lidimidade, devem ser levados em consideração no diagnóstico da situação levada ao judiciário eleitoral a “gravidade da conduta” e “proporcionalidade” da sanção aplicada à luz do ato considerado ilegal. 4. No caso, restou demonstrado a reiterada disseminação de notícias falsas pelo representado durante o pleito, caracterizadoras da gravidade apta a desestabilizar o processo eleitoral, visando sua autopromoção com veiculação de ataques não só aos seus adversários, mas, ainda, à atuação da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral. 5. Apesar do representado afirmar que seus discursos e falas encontram respaldo na liberdade de expressão e na imunidade parlamentar que lhe é conferida em razão do exercício do mandato de vereador, não se pode utilizar a imunidade ou inviolabilidade parlamentar como princípio absoluto, quando este se reveste em ato abusivo ou fraudulento. 6. A afetação da higidez do pleito não perpassa simplesmente pela afirmação de que eventuais adversários políticos prejudicados foram eleitos. É certo que o recorrente se valeu de meios artificiosos para auferir vantagem em sua candidatura em detrimento das demais, assim como é certo que pelo formato em que foram produzidos e disseminados, em plataformas digitais de amplo acesso e visibilidade, se mostraram graves e danosos à normalidade do pleito, bem como concorreram para o deslinde das eleições no município. 7. O material por ele veiculado em suas mídias sociais serviram como mola propulsora para angariar votos para sua candidatura, pautados na replicação e compartilhamento de conteúdo falso, vez que, ao passo em que critica e falseia seus adversários políticos, atrai para si a posição de que sua postura é a correta e adequada, contribuindo para alimentar sua popularidade junto ao eleitorado. 8. Negado provimento ao recurso eleitoral. Sentença mantida. (ID n. 157446840, p. 2–3) Embargos de declaração rejeitados (ID n. 157446841). Nos presentes autos, o requerente aduz a plausibilidade jurídica do direito invocado, traduzido na alegada probabilidade de êxito do recurso especial. Para tanto, destaca a tese de nulidade do acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração, uma vez não sanados os vícios apontados, a saber: (i) omissão, em termos de elucidação, sobre as alegadas declarações reputadas ofensivas ao Ministério Público Eleitoral e à Justiça Eleitoral; (ii) contradição no tocante à vinculação da condenação a manifestações que não constam dos autos; e (iii) omissão no que tange aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da soberania popular. Quanto ao mérito, pontua, em suma, os seguintes argumentos: (i) não incidência da Súmula n. 24/TSE, haja vista a viabilidade de requalificação jurídica dos fatos constantes da moldura do acórdão regional; (ii) contrariedade ao direito fundamental de liberdade de expressão e à imunidade parlamentar do requerente, que exercia o mandato de vereador; (iii) ausência de proporcionalidade e de razoabilidade na formação do juízo condenatório, haja vista que as 4 (quatro) publicações declinadas no acórdão regional teriam alcance limitado, ou seja, sem aptidão para impactar negativamente a disputa eleitoral, tanto que eleitos os adversários do requerente, em relação aos quais, inclusive, foi concedido direito de resposta nas representações então ajuizadas a título de propaganda eleitoral negativa; e (iv) possibilidade de os candidatos tidos por ofendidos utilizarem idênticas redes sociais como forma de contraponto, se assim desejassem. Sustenta, de forma conjugada, o risco de dano de difícil ou improvável reparação se implementado o comando de execução imediata contido no acórdão regional, de cujo teor já foi cientificado o Juízo da 40a Zona Eleitoral. Requer, assim, o deferimento da medida liminar para assegurar o exercício do seu mandato eletivo até ulterior deliberação pelo TSE. De início, observo que a petição de interposição do recurso especial foi protocolizada no TRE/MT em 4.4.2022, não havendo, até a presente data, notícia sobre o exercício do juízo de admissibilidade pelo presidente daquela Corte Regional, de modo que, em homenagem ao princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional de natureza efetiva, assim compreendida como aquela capaz de evitar real prejuízo à parte, notadamente por demora que não lhe é atribuível, supero, de forma excepcional, o regramento do 1.029, § 5º, I e III, do CPC, dando por inaugurada, em sede acautelatória, a competência deste Tribunal. Dito isso, o exame preliminar da controvérsia, próprio das tutelas cautelares, deve se restringir às teses que, em cognição sumária, demonstrem alguma aptidão para, desde logo, indicar um mínimo de probabilidade de êxito recursal. Dos pontos suscitados, o de maior relevo para fins da presente tutela diz respeito à própria caracterização da fraude, assim compreendida pelo TRE/MT a partir de um conjunto de notícias reputadas falsas e tidas por disseminadas. Pois bem. Alegada omissão no tocante ao substrato fático, notadamente para que a Corte Regional pudesse declinar, como arrimo da conclusão sufragada pela maioria, os atos efetivamente considerados ilícitos, inclusive para justificar a nota de gravidade, manifestou–se o TRE nesses termos: A decisão atacada analisou e valorou todo o espectro de notícias falsas disseminadas continuadamente pelo candidato, o qual compõe o substrato fático da ação, contendo inúmeras denúncias vazias, vídeos com publicações sensacionalistas espalhadas ao longo dos anos de 2019 e 2020. Dentre este acervo, as razões de decidir apenas realçaram, a título de ênfase, sem excluir as demais condutas, quatro representações eleitorais que culminaram multa eleitoral em desfavor do representado, embargante nestes autos. [...] A despeito do acordão embargado citar as representações procedentes em desfavor da parte recorrente, não há que se concluir que o juízo formou seu convencimento apenas nos direitos de resposta concedidos. Mais à frente o voto transcreve o inteiro teor de três notícias falaciosas propaladas pelo Embargante em suas redes sociais, as quais integram o arcabouço probatório constante dos autos, indicando o link do facebook, bem como os IDs do processo eletrônico, senão vejamos: [...] (ID n. 157446841, p. 4–9, grifei) Especificamente sobre os juízos de proporcionalidade e de razoabilidade na aferição da gravidade, a Corte Regional anotou, ainda, que: Por fim, o recurso alude omissão e contradição no que tange à análise da gravidade do fato e das circunstâncias que o envolvem, para fins de aferição do grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão, a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (critério quantitativo). Sobre a questão, novamente o Embargante busca concentrar a gravidade da conduta nas quatro representações eleitorais onde foi deferido direito de resposta em desfavor do candidato a vereador, quando absolutamente a moldura fática não se restringe a isso, representando tais ações apenas a ponta do iceberg. (ID n. 157446841, p. 13, grifei) Da simples leitura desses excertos, é possível concluir que: (i) a corrente majoritária formada na instância ordinária fez alusão, como razão de decidir, a inúmeras condutas verificadas ao longo dos anos de 2019 e 2020; e (ii) a ser instada no julgamento do recurso eleitoral e, com maior ênfase no dos embargos de declaração, limitou–se a asseverar provados os fatos narrados, porém sem indicar, nada obstante o alardeado rosário de ilicitudes, algo além de 4 (quatro) representações com direito de resposta concedido pela Justiça Eleitoral. Esse cenário, em princípio, pode revelar quadro de recalcitrância na negativa de prestar escorreita jurisdição. A ausência de indicação de quais condutas foram, de fato, consideradas provadas – ainda mais em contexto de vagas ilações, com mera remissão ao acervo fático–probatório e alusão a que as mencionadas representações descortinariam, nas palavras do acórdão, “apenas a ponta do iceberg” (ID n. 157446841, p. 13) – fragiliza, de modo intolerável, os postulados do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Com efeito. A simples menção apriorística ao conjunto fático–probatório dos autos, sem individualização mínima das condutas, pinçando–se, a título exemplificativo, 4 (quatro) representações com direito de resposta concedido, induz, para além da vulneração aos princípios constitucionais acima citados, dúvida incompatível com a manutenção segura de um juízo condenatório, do qual se possa extrair, como consequência, a cassação do mandato eletivo. Afinal, no campo do debate político, de nuances por vezes sutis, a intervenção desta Justiça especializada deve ser cirúrgica e delimitada pela premência de um processo eleitoral descontaminado de abusos e fraudes. Lado outro, não se deve admitir, sob a bandeira de defesa dos valores democráticos, a prolação de decretos condenatórios despidos de fatos certos, tangíveis a partir de prova inconcussa e, assim, devidamente assentados no título judicial, que não pode ser composto de meras remissões imprecisas e genéricas ao caderno probatório para fins de condenação, sob pena de se estabelecer, na prática, uma “criminalização” de todo e qualquer embate tipicamente político–eleitoral. A atuação do órgão julgador há de ser, portanto, analítica. Em sintonia com esse balizamento, colhe–se da orientação jurisprudencial prevalecente no Tribunal Superior Eleitoral que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR–REspe n. 0600603–19/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.9.2021, grifei). E, vale pontuar, essa intervenção deve estar calcada em igual jurisprudência desta Corte Superior, na linha de que a fraude em sede de AIME, dada a gravosa consequência da procedência do pedido, exige prova robusta. Confira–se, com esse norte intelectivo, a posição reiteradamente adotada pelo TSE no campo igualmente candente da fraude à cota de gênero, no qual bem sublinhada a questão: “ausente prova inconteste do ilícito e da violação ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, deve prevalecer, na espécie, o postulado in dubio pro sufragio, segundo o qual a expressão do voto popular merece ser prioritariamente tutelada pela Justiça Eleitoral” (AgR–REspe n. 0602033–74/PI, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 2.12.2020). Dessa diretriz, parece ter se distanciado o Tribunal Regional, o que poderá, na etapa processual própria, justificar a reforma do acórdão recorrido. Daí por que, em juízo primário, o exercício do mandato eletivo deve ser, por ora, assegurado ao requerente, a fim de que no julgamento do recurso especial se tenha a análise exauriente e densa da matéria controvertida. Ante o exposto, defiro a tutela cautelar de urgência para, suspendendo os efeitos do acórdão proferido no RE n. 0600002–48.2021.6.11.0040/MT, possibilitar ao requerente o exercício do mandato de vereador do Município de Primavera do Leste/MT, até ulterior decisão do TSE, se, por razão diversa, não se encontrar afastado do cargo eletivo para o qual eleito. Comunique–se, com urgência, o TRE/MT, que deverá adotar as providências necessárias ao imediato cumprimento da presente decisão. Publique–se. Após, independentemente do prazo recursal, retornem os autos à conclusão para fins de submissão da liminar a referendo do Plenário desta Corte. Brasília, 20 de abril de 2022. Ministro CARLOS HORBACH Relator
Data de publicação | 20/04/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60016438 |
NUMERO DO PROCESSO | 6001643820225999872 |
DATA DA DECISÃO | 20/04/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2020 |
SIGLA DA CLASSE | TutCautAnt |
CLASSE | TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE |
UF | MT |
MUNICÍPIO | PRIMAVERA DO LESTE |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | propaganda na Internet |
PARTES | ELTON BARALDI, LUIS PEREIRA COSTA, Procurador Geral Eleitoral1 |
PUBLICAÇÃO | DJE |
RELATORES | Relator(a) Min. Carlos Horbach |
Projeto |