TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO Nº 0600546–70.2018.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relator: Ministro Sérgio Banhos Representante: Rede Sustentabilidade (Rede) – Diretório Nacional Advogados: Carla de Oliveira Rodrigues e outro Representante: Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima Advogados: Carla de Oliveira Rodrigues e outro Representado:... Leia conteúdo completo
TSE – 6005467020186000384 – Min. Og Fernandes, Relator Designado(a) Min. Sergio Silveira Banhos
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO Nº 0600546–70.2018.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relator: Ministro Sérgio Banhos Representante: Rede Sustentabilidade (Rede) – Diretório Nacional Advogados: Carla de Oliveira Rodrigues e outro Representante: Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima Advogados: Carla de Oliveira Rodrigues e outro Representado: Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. DECISÃO Trata–se de representação, com pedido de liminar, ajuizada pelo Diretório Nacional da Rede Sustentabilidade e Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima, denunciando a divulgação de notícias falsas (fake news) por meio de perfil anônimo no Facebook. Segundo narra a inicial, o perfil denominado “Partido Anti–PT” estaria publicando, reiteradamente, informações inverídicas que ofendem a imagem política da representante, pré–candidata à Presidência da República. O Diretório Nacional do partido Rede e a pré–candidata Marina Silva trazem os endereços de cinco postagens de conteúdo alegadamente danoso. A primeira, publicada em 20.12.2017, possui o seguinte teor: “Marina Silva, Lula e Dias Toffoli foram delatados por Léo Pinheiro. Executivo da OAS tem muito o que contar ainda”. A segunda postagem, de 31.10.2017, apresenta o texto: “Marina se financia com caixa 2 – Marina não serve. O Brasil não precisa de alguém que se omite em questões importantes e se financia com caixa 2”. Em 17.4.2017, o perfil noticiou: “Caetano Veloso chamou Lula de analfabeto. O que vai dizer agora sobre Marina Silva recebedora de propina”. No dia anterior (16.4.2017), a quarta notícia trazida pelos representantes anunciou: “Marina Silva também recebeu propina de R$ 1,25 milhões da Odebrecht, confirma executivo do grupo”. A última notícia informada nos autos, postada em 29.3.2017, relatou: “Marina Silva também se beneficiou de propinas da Odebrecht e ainda fica aborrecida quando a chamam de ex–petista”. Os representantes destacam que não existem provas de que Marina Silva esteja associada a atos de corrupção; além disso, não figura como ré ou investigada em nenhum processo relacionado à Operação Lava Jato. Afirmam que a Justiça Eleitoral deve intervir para cessar tal prática antidemocrática capaz de desequilibrar o pleito eleitoral. A pré–candidata ressalta ter sido prejudicada pela divulgação de fake news também no pleito de 2014, em que a robotização e o anonimato nas redes sociais contribuíram para a desconstrução de sua imagem política. Portanto, a liberdade de expressão deveria ser excepcionalmente relativizada, já que o seu exercício abusivo difama a representante. Além disso, a invocação da garantia constitucional não alberga o anonimato, mais uma razão para que haja a efetiva responsabilização pelo conteúdo falso. Defendem os representantes que há fundamento jurídico para a concessão da medida liminar, pois as notícias falsas ofendem sua imagem política e têm potencial para atingir número crescente de eleitores. Pedem, liminarmente: a remoção das URLs indicadas em prazo razoável; a identificação de quem criou o perfil “Partido Anti–PT” e de seus administradores; números de IPs das conexões usadas para realização do cadastro inicial do Facebook e para a publicação ou propagação das informações; registros de acesso ao aplicativo do dia 29.3.2017 ao dia 20.12.2017; compartilhados pelo perfil no período de 29.3.2017 a 20.12.2017; mensagens instantâneas trocadas pelo perfil do dia 29.3.2017 ao dia 20.12.2017. No mérito, pedem subsidiariamente a desativação do perfil, caso não seja possível a identificação de seus administradores, bem como a aplicação de multa no caso de seu descumprimento. Solicitam, ainda, que seja oficiado aos órgãos parceiros desta Corte com vistas a identificar os responsáveis pelas postagens com objetivo de sua punição. Por fim, requerem a confirmação da medida liminar para que o perfil seja, definitivamente, excluído em caso de anonimato ou utilização de ferramenta robotizada. Decido. Na pauta do mundo contemporâneo, há um compromisso inescapável: garantir que o processo eleitoral transcorra de modo regular, observadas as balizas constitucionais, para que as candidaturas efetivamente legítimas sejam as escolhidas nas eleições de 2018. Tal desiderato é ainda mais importante nos tempos de hoje, em que as mídias sociais multiplicaram a velocidade da comunicação. Qualquer informação sem fundamento pode ser desastrosa. O uso da Internet como arma de manipulação do processo eleitoral dá vez à utilização sem limites das chamadas fake news. A prática das fake news não é recente. É estratégia eleitoral antiga daqueles que fazem política. Como a recepção de conteúdos pelos seres humanos é seletiva e a desinformação reverbera mais que a verdade, o uso de fake news é antigo e eficaz mecanismo para elevar o alcance da informação e, como consequência, enfraquecer candidaturas. A significativa diferença no mundo contemporâneo é que, com as redes sociais, a disseminação dessa informação maliciosa passou a ser mais rápida, mais fácil, mais barata e em escala exponencial. É a época da Pós–verdade – vocábulo escolhido como a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford –, na qual, segundo o jornalista Matthew D'Ancona (D'ANCONA, Matthew. Post Truth – the new war on truth and how to fight back. London: Ebury Press, 2017), autor do livro Post–Truth, “a certeza predomina sobre os fatos, o visceral sobre o racional, o enganosamente simples sobre o honestamente complexo”. Nosso tempo, sem dúvida, prefere “a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade. Enfim: a aparência ao ser”. Isso porque a verdade humana mais profunda é emocional, subjetiva e prescinde dos fatos. Notícias distorcidas com forte viés ideológico, trazidas pelas mídias sociais, no mais das vezes, ganham maior atenção que as reportagens realizadas pela imprensa tradicional. As matérias falsas, de cunho sensacionalista, tendem à repercussão fácil, a viralizar, a tornar–se trend topics mais rapidamente do que aquelas produzidas por jornalistas zelosos que praticam a checagem dos fatos. É a força da mentira vencendo os reais acontecimentos, a qual estimula a polarização política desmedida, gerando terreno fértil para a desinformação do eleitor. Vivemos em tempos líquidos. Segundo o filosofo polonês Zygmunt Bauman (BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. São Paulo: Zahar Editora, 2007), nosso mundo está cheio de incertezas: tudo ao nosso redor é precário; tudo se transforma de maneira cada vez mais rápida. A nossa realidade é, portanto, líquida. Nada é feito para durar, para ser sólido. É um mundo de incertezas. E tudo isso, toda essa realidade, tende a gerar a manipulação do debate político nas redes sociais. O preço alto das campanhas nas ruas, em uma eleição que será marcada pela limitação de recursos financeiros decorrente da proibição de doação por parte de pessoas jurídicas, trará situação nunca antes enfrentada. São tempos de transição, que nos impõem cautela redobrada. Nessa nova trajetória, devemos ter como aliadas antigas armas da humanidade: o bom–senso, a noção de ética, de respeito ao próximo, de fraternidade e de prestígio às regras do jogo. As eleições de 2018 têm o condão de representar uma virada em nossa democracia. Daí porque deve ser compromisso de todos os atores envolvidos promover o regular transcurso do processo eleitoral, condição necessária e indispensável para a legitimação dos eleitos. Devemos estar dispostos e engajados em fazer destas eleições uma disputa leal, com incondicional respeito às regras do certame eleitoral, demonstrando fidelidade às instituições e ao regime democrático. Nessa quadra, a intervenção da Justiça Eleitoral, até pela importância das mídias sociais nestas eleições de 2018, deve ser firme, mas cirúrgica. É saber estabelecer o contraponto entre o direito à liberdade de expressão, consagrado na Constituição Federal de 1988, e o direito também constitucional e sagrado de bem exercer a cidadania ativa, no sentido de garantir–se a todos o direito de votar de forma consciente, a partir de concepções fundadas na verdade dos fatos, buscando a aderência do resultado eleitoral a real vontade dos eleitores. É de cidadania e legitimidade que isso se trata. O perfil “Partido Anti–PT” publica frequentemente em sua página notícias inflamatórias e sensacionalistas, de teor político, muitas vezes contendo dados de veracidade questionável ou informações não verificadas. No caso dos autos, os representantes denunciam a existência de diversas publicações contendo informações inverídicas sobre a pré–candidata Marina Silva. As manchetes, redigidas de forma exagerada e efusiva, afirmam que a representante é “omissa e oportunista, negligente e conivente” com a corrupção e a associam à Operação Lava jato e ao recebimento de propina. As referidas críticas e notícias foram publicadas de maneira anônima, ou seja, tanto as publicações quanto os links nelas contidos não indicam os autores dos textos. O perfil do Facebook, em sua declaração de autoria, afirma que se trata de “página dedicada aos mais de 84 milhões de brasileiros que são contra este governo corrupto, mentiroso e incompetente (...)”. Conquanto a liberdade de expressão constitua garantia fundamental de estatura constitucional, sua proteção não se estende à manifestação anônima (art. 5º, inciso IV, da CF). A ausência de identificação de autoria das notícias, portanto, indica a necessidade de remoção das publicações do perfil público. Ainda que assim não fosse, observo que as informações não têm comprovação e se limitam a afirmar fatos desprovidos de fonte ou referência, com o único objetivo de criar comoção a respeito da pessoa da pré–candidata. Aliás, a conformação estilística das postagens também pode apontar, indiciariamente, a existência de conteúdo falso. Ainda que não se possa afirmar que todas as fake news sejam redigidas da mesma forma, pesquisas recentes já indicam a existência de um padrão relativamente comum nesse tipo de publicação, identificável até mesmo pela inteligência artificial. Indicam–se, como traços comuns: a manchete sensacionalista, a prevalência da primeira pessoa no texto, erros de gramática e coesão e o uso de palavras de julgamento e extremismo (https://medium.com/data–science–brigade/a–ci%C3%AAncia–da–detec%C3%A7%C3%A3o–de–fake–news–d4faef2281aa. Acesso em 6.6.2018). Além disso, é inegável que tais postagens podem acarretar graves prejuízos no caso concreto. O perfil “Partido Anti–PT” possui mais de 1,7 milhão de seguidores, o que potencializa a já referida viralização das fake news. Dessa forma, presentes os pressupostos de cautelaridade, entendo que deve ser deferida a liminar a fim de que o representado proceda à remoção das URLs indicadas pelos representantes no prazo de 48h, nos termos do art. 33, § 3º, da Res.–TSE nº 3.551/2017. Os demais pedidos liminares demandam análise detida. Em primeiro lugar, não há fundamento para que seja determinada liminarmente a informação dos links compartilhados pelo perfil no período de 29.3.2017 a 20.12.2017. Todos os links contidos nas postagens do perfil são públicos e podem ser acessados pelas URLs indicadas pelos representantes, não havendo necessidade de que seja determinada sua indicação pelo representado. Igualmente, não procede o pedido para que o representado informe as mensagens instantâneas trocadas pelo perfil. As mensagens trocadas pelo Facebook inserem–se na esfera última da intimidade do ente, não havendo a indicação de qualquer fundamento idôneo que justifique tal quebra de privacidade. Em consequência, não existe o dever legal de que o provedor de aplicações armazene o conteúdo das mensagens, mas apenas os registros de acesso. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FACEBOOK. INFORMAÇÕES REQUISITADAS PELO JUÍZO PENAL PARCIALMENTE PRESTADAS. IMPOSSIBILIDADE. INFORMAÇÕES INEXISTENTES. AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE ARMAZENAMENTO. ART. 15 DA LEI N. 12.965/2014. MULTA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. Não pode ser imposta multa pela não apresentação, no prazo fixado pelo Juízo penal, de informações referentes ao conteúdo das mensagens trocadas em perfil do Facebook já deletado pelo próprio usuário. 2. O art. 15 da Lei n. 12.965/2014 determina que o provedor de aplicações de internet mantenha pelo prazo de 6 meses apenas os registros de acesso a aplicações de internet, que, nos termos do art. 5º, VIII, da mesma Lei, é o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço de IP. Inexiste obrigação legal para o armazenamento, por qualquer prazo, das informações ao conteúdo das mensagens trocadas em perfil do Facebook. 3. Inexistindo o descumprimento de ordem judicial não se justifica a multa aplicada. 4. Agravo regimental provido para conceder a segurança reclamada por não vislumbrar justa causa à multa aqui impugnada. Recurso provido apenas para limitar o valor da multa aos limites do art. 77, § 5º, do CPC (total), e para suspender o bloqueio já efetuado por meio do BACENJUD. (AgRg no RMS no 56.496/RS, rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, rel. p/ Acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 17.4.2018) Também não existe fundamento legal para a informação dos logs de acesso do dia 29.3.2017 ao dia 20.12.2017. Nos termos do art. 15 da Lei nº 12.965/2014, o provedor de aplicações deve manter os respectivos registros de acesso pelo prazo de seis meses. Portanto, apenas os registros de acesso relativos à última postagem, datada de 20.12.2017, devem ser disponibilizados pelo representado. Os representantes pedem, também, a identificação dos números de IPs das conexões usadas para realização do cadastro inicial do Facebook e para publicação ou propagação das informações. Todavia, a requisição judicial de registros deve indicar o período ao qual se referem (art. 22, parágrafo único, inciso III, da Lei nº 12.965/2014), sendo inadmissível a requisição genérica da conexão “responsável pela publicação ou propagação”. Portanto, deve ser identificado apenas o IP utilizado no momento do cadastro inicial. Por fim, entendo que deve ser deferido o pedido liminar de disponibilização dos dados pessoais do criador e dos administradores do perfil, nos termos do art. 10, § 1º, da Lei nº 12.965/2014, uma vez que se trata de medida necessária para eventual responsabilização. Ante o exposto, defiro a liminar para determinar ao representado, no prazo de 48h: a remoção das seguintes URLs: 1) http://bit.ly/2CN3qyc; 2) http://bit.ly/2DdTmzx; 3) http://bit.ly/2qRmgCK; 4) http://bit.ly/2mlk9CI; 5) http://bit.ly/2Es5nR8, nos termos do art. 33, § 3º, da Res.–TSE nº 23.551/2017; e a disponibilização dos registros de acesso à última postagem impugnada, de 20.12.2017, nos termos do art. 22 da Lei nº 12.965/2014. Defiro a liminar, ainda, para determinar ao representado, no prazo de 10 dias: a identificação do número de IP da conexão usada para realização do cadastro inicial no Facebook; e a disponibilização dos dados pessoais do criador e dos administradores do perfil, nos termos do art. 10, § 1º, da Lei nº 12.965/2014. Em caso de descumprimento, poderá ser aplicada multa diária, nos termos dos arts. 536 e 537 do Código de Processo Civil. Proceda–se à citação do representado para que apresente defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 8º da Res.–TSE nº 23.547/2017. Após, intime–se pessoalmente o representante do Ministério Público Eleitoral para que se manifeste no prazo de um dia, nos termos do art. 12 da referida resolução. Publique–se. Intimem–se. Brasília, 7 de junho de 2018. Ministro SÉRGIO SILVEIRA BANHOS Relator
Data de publicação | 07/06/2018 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60054670 |
NUMERO DO PROCESSO | 6005467020186000384 |
DATA DA DECISÃO | 07/06/2018 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2018 |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | Representação |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., MARIA OSMARINA MARINA DA SILVA VAZ DE LIMA, REDE SUSTENTABILIDADE (REDE) - NACIONAL |
PUBLICAÇÃO | DJE |
RELATORES | Relator(a) Min. Og Fernandes, Relator Designado(a) Min. Sergio Silveira Banhos |
Projeto |