TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0600603–19.2020.6.25.0034 (PJe) – NOSSA SENHORA DO SOCORRO – SERGIPE RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES RECORRENTE: VAGNERROGERIS LIMA DE OLIVEIRA Advogados do(a) RECORRENTE: JOSE EDMILSON DA SILVA JUNIOR – SE0005060, SAULO ISMERIM MEDINA GOMES – SE0000740A RECORRIDO: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) –... Leia conteúdo completo
TSE – 6006031920206249984 – Min. Alexandre de Moraes
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0600603–19.2020.6.25.0034 (PJe) – NOSSA SENHORA DO SOCORRO – SERGIPE RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES RECORRENTE: VAGNERROGERIS LIMA DE OLIVEIRA Advogados do(a) RECORRENTE: JOSE EDMILSON DA SILVA JUNIOR – SE0005060, SAULO ISMERIM MEDINA GOMES – SE0000740A RECORRIDO: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) – MUNICIPAL Advogados do(a) RECORRIDO: CHARLES ROBERT SOBRAL DONALD – SE0005623, MARIO CESAR VASCONCELOS FREIRE DE CARVALHO – SE0002725, AUGUSTO SAVIO LEO DO PRADO – SE0002365, DANILO GURJAO MACHADO – SE0005553, MARIANNE CAMARGO MATIOTTI DANTAS – SE0011538, JEAN FILIPE MELO BARRETO – SE0006076, MYLLENA MIRIAM FLORENCIO OLIVEIRA – SE0013414, RODRIGO CASTELLI – SP0152431 DECISÃO Trata–se de Recurso Especial interposto por Vagnerrogeris Lima de Oliveira contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE/SE) pelo qual condenado à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por propaganda eleitoral antecipada negativa. No Recurso Especial (ID 112286638), amparado na violação dos arts. 29, inc. VIII, da Constituição Federal e 36–A da Lei 9.504/1997, bem como em dissídio jurisprudencial, o Recorrente sustenta, em síntese, que: a) suas opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato e na circunscrição do município desfrutam de imunidade parlamentar absoluta, como ocorre no presente caso; b) as afirmações foram feitas pelo parlamentar, em grupo de WhatsApp, ao adversário político e candidato a prefeito, Fábio Henrique, que atualmente exerce o cargo de Deputado Federal, o que reforça o debate no campo político e a atipicidade eleitoral; c) a crítica política é expressamente permitida, desde que inexista pedido explícito de 'não voto'; e d) a mensagem impugnada encontra abrigo na liberdade de livre manifestação do pensamento. Os autos foram encaminhados ao Ministério Público Eleitoral para parecer em 9/3/2021, nos termos do art. 26, § 5º, da Res.–TSE 23.608/2019 (ID 117764438), não havendo manifestação até 1º/7/2021, conforme certificado pela Secretaria Judiciária (ID 141417338), tornando os autos à conclusão. É o breve relatório. Decido. O Tribunal Regional Eleitoral manteve a condenação do Recorrente pela prática de propaganda eleitoral antecipada negativa, em virtude da publicação de vídeo musicado, no Instagram e em grupos de WhatsApp, antes de iniciado o período eleitoral, com o seguinte teor (ID 112286488): Fraude Henrique é cara de Pau! Se mente no endereço, imagine em outras coisas! Fraude Henrique deixou Socorro quebrada, carente e cheias de dívidas. Ele mente até onde mora. Não a Fraude Henrique. Deus me livre dessa hora” Para o Recorrente, a mensagem encontra abrigo na imunidade parlamentar e na liberdade de expressão. Contudo, o direito fundamental à livre manifestação de pensamento, consagrado constitucionalmente, deve ser exercido dentro do binômio LIBERDADE com RESPONSABILIDADE. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais. No célebre caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630–1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando–se a existência de verdades absolutas e permitindo–se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”. No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435). Todas as opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271–72). O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688–89, 1959). A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático, como ressaltado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, na ADI 4451, de minha relatoria (DJE de 6/3/2019). Observe–se, porém que a liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. Dessa maneira, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. Nesse cenário, a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto. Nesse sentido: RESpe 0600025–25.2020, de minha relatoria. Como ressaltado pelo TRE/SE, o Recorrente divulgou em sua rede social e em grupos de Whatsapp, 'informação depreciativa sobre o pré–candidato rival, [...] fabricando, uma prévia e indevida diminuição do adversário, por via indireta de captação de voto, por ser uma melhor opção em detrimento do ofendido, já que, segundo ele, “Se mente no endereço, imagine em outras coisas!”, sendo uma “Fraude Henrique”, fazendo um trocadilho com o verdadeiro nome do algoz político: Fábio Henrique'. Vê–se, que a fala sabidamente inverídica ainda está amparada na declaração acerca do domicílio eleitoral de seu adversário, não havendo nos autos qualquer justificativa sobre a intenção quanto à divulgação. Finalmente, a garantia da imunidade somente alcança o parlamentar na hipótese de palavras e opiniões expendidas no exercício do mandato ou em razão deste, situação não comprovada nos autos, notadamente porque divulgada a mensagem em redes sociais de amplo alcance, voltado a adversário ao pleito pelo qual pretendia concorrer. Nessa linha, o eminente Ministro CELSO DE MELLO explicitou que “a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, 'caput') – destinada a viabilizar a prática independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é titular – não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais”. Acrescenta que “o postulado republicano – que repele privilégios e não tolera discriminações – impede que o parlamentar–candidato tenha, sobre seus concorrentes, qualquer vantagem de ordem jurídico–penal resultante da garantia da imunidade parlamentar, sob pena de dispensar–se, ao congressista, nos pronunciamentos estranhos à atividade legislativa, tratamento diferenciado e seletivo, capaz de gerar, no contexto do processo eleitoral, inaceitável quebra da essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que, parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos” (Inq 1400 QO, DJe de 10/10/2003). Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO ao Recurso Especial, com base no art. 36, § 6º, do RITSE. Publique–se. Brasília, 9 de julho de 2021. Ministro ALEXANDRE DE MORAES Relator
Data de publicação | 15/07/2021 |
---|---|
PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60060319 |
NUMERO DO PROCESSO | 6006031920206249984 |
DATA DA DECISÃO | 15/07/2021 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2020 |
SIGLA DA CLASSE | REspEl |
CLASSE | RECURSO ESPECIAL ELEITORAL |
UF | SE |
MUNICÍPIO | NOSSA SENHORA DO SOCORRO |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Recurso Especial Eleitoral |
PARTES | PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) - MUNICIPAL, VAGNERROGERIS LIMA DE OLIVEIRA |
PUBLICAÇÃO | DJE |
RELATORES | Relator(a) Min. Alexandre de Moraes |
Projeto |