TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Corregedoria–Geral da Justiça Eleitoral AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600814–85.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES REPRESENTANTE: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) – NACIONALADVOGADO: ANA CAROLINE ALVES LEITAO – OAB/PE49456–AADVOGADO: MARA DE FATIMA HOFANS –... Leia conteúdo completo
TSE – 6008148520225999872 – Min. Benedito Gonçalves
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Corregedoria–Geral da Justiça Eleitoral AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600814–85.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES REPRESENTANTE: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) – NACIONALADVOGADO: ANA CAROLINE ALVES LEITAO – OAB/PE49456–AADVOGADO: MARA DE FATIMA HOFANS – OAB/RJ68152–AADVOGADO: MARCOS RIBEIRO DE RIBEIRO – OAB/RJ62818ADVOGADO: ALISSON EMMANUEL DE OLIVEIRA LUCENA – OAB/PE37719–AADVOGADO: EZIKELLY SILVA BARROS – OAB/DF31903ADVOGADO: WALBER DE MOURA AGRA – OAB/PE757–AREPRESENTADO: JAIR MESSIAS BOLSONAROADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO – OAB/SP256786–AADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO – OAB/DF70829–AADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS – OAB/GO46407–AADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO – OAB/DF17115–AADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO – OAB/DF11498–AREPRESENTADO: WALTER SOUZA BRAGA NETTOADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO – OAB/SP256786–AADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO – OAB/DF70829–AADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS – OAB/GO46407–AADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO – OAB/DF17115–AADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO – OAB/DF11498–A DECISÃO DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO Trata–se de ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista contra Jair Messias Bolsonaro, candidato à reeleição para o cargo de Presidente da República, e Walter Souza Braga Neto, candidato a Vice–Presidente da República, por suposta prática de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação. A ação tem como causa de pedir fática o alegado desvio de finalidade de reunião havida no dia 18/07/2022, na qual o primeiro réu, no exercício do cargo de Presidente da República, teria se utilizado de encontro com embaixadores de países estrangeiros para atacar a integridade do processo eleitoral, especialmente disseminando “desordem informacional” relativa ao sistema eletrônico de votação. Aponta–se ainda que o vídeo foi amplamente divulgado nas redes sociais do candidato à reeleição, potencializando o efeito danoso das declarações proferidas na condição de Chefe de Estado. A petição inicial contempla as seguintes alegações de fato (ID 157940943): a) a ocorrência da reunião com os embaixadores é fato público e notório; b) a tônica do evento foi a de questionamento da integridade do processo eleitoral e das instituições da República, “especificamente o TSE e seus Ministros”; c) o Presidente candidato à reeleição, pessoalmente, afirmou a possibilidade de que os resultados do pleito pudessem ser comprometidos por fraudes no sistema de votação; d) foi literalmente afirmado pelo primeiro investigado, entre outras informações falsas, que, em 2018, as urnas trocaram o dígito 7 pelo 3, transformando o voto no “17” (número de Jair Bolsonaro) em “13”; que o sistema brasileiro de votação é “inauditável”; que a apuração é realizada por empresa terceirizada e não pode ser acompanhada; que o TSE teria admitido que, em 2018, “invasores puderam [...] trocar votos entre candidatos”; e) no discurso, foram também feitas insinuações sobre suposta interferência eleitoral e defesa de “terroristas” por parte de Ministros do STF, bem como associada à “esquerda” a facada sofrida por Bolsonaro em 2018; f) o discurso obteve amplo alcance, pois a reunião foi transmitida pela TV Brasil, ligada à Empresa Brasil de Comunicação, e o vídeo foi veiculado nas redes sociais do primeiro investigado, alcançando, até a propositura da ação, aproximadamente 589.000 e 587.000 visualizações (respectivamente, no Facebook e no Instagram); g) o então Presidente do TSE, Ministro Edson Fachin, agências de checagem e veículos de imprensa apontaram o caráter falso das afirmações lançadas contra o sistema de votação; h) o discurso foi retirado da plataforma Youtube por iniciativa da empresa, que informou que “a política de integridade eleitoral do Youtube proíbe conteúdo com informações falsas sobre fraude generalizada, erros ou problemas técnicos que supostamente tenham alterado o resultado de eleições anteriores, após os resultados já terem sido oficialmente confirmados”; i) o evento foi utilizado inegavelmente para fins eleitorais, pois o candidato à reeleição difundiu a gravação de discurso em que ataca a Justiça Eleitoral e o sistema eletrônico de votação, o que converge com estratégia de sua campanha. Quanto à capitulação jurídica dos fatos, o autor sustenta que houve violação aos arts. 37, § 1º da Constituição, 73, I, da Lei 9.504/97 e 22 da LC 64/90, com base nas seguintes teses: a) a conduta caracteriza desvio de finalidade no exercício do poder discricionário outorgado ao agente público, que foi utilizado para a consecução de fins eleitoreiros; b) o uso da condição funcional de Presidente da República para, em manifesto desvio de finalidade, reunir embaixadores de países estrangeiros e difundir fake news contra o processo eleitoral amolda–se ao abuso de poder político; c) foi também utilizado o aparato estatal em favor da candidatura, pois a reunião foi realizada no Palácio da Alvorada e, ainda, transmitida pela TV Brasil, ligada a empresa pública; d) o alcance do ato praticado com desvio de finalidade foi amplificado pela divulgação do conteúdo sabidamente inverídico nas redes sociais; e) “por figurar como Chefe de Estado, as falas do Senhor Jair Messias Bolsonaro têm capacidade de ocasionar uma espécie de efervescência nos seus apoiadores e na população em geral”, o que foi explorado, na hipótese, em “matéria de alta sensibilidade perante o eleitorado”; f) conforme fixado no RO 0603975–98 (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 10/12/2021), a disseminação de ataques infundados ao processo eleitoral por meio de redes sociais caracteriza o uso indevido dos meios de comunicação; g) a conduta possui alto grau de reprovabilidade e alcançou parcela significativa do eleitorado, revestindo–se de gravidade (aspectos qualitativo e quantitativo). Por fim, no que diz respeito às provas, o autor: a) inseriu na petição inicial links de internet e prints, destacando–se postagens nas redes sociais do primeiro investigado, transmissão do canal da TV Brasil no Youtube e sites de notícias, com vistas a conferir suporte à narrativa fática; b) apresentou protesto genérico pela produção de provas; c) protocolizou pendrive contendo o vídeo objeto de apuração da AIJE, o que foi certificado pela Secretaria (ID 157942663), que fracionou o conteúdo da mídia em seis partes sequenciais para juntada aos autos (ID 157957944). Foi juntada procuração outorgada aos advogados que subscrevem a petição inicial (ID 157940944). O investigante formulou requerimento de tutela de urgência, que foi deferido por meu antecessor, Min. Mauro Campbell Marques, para determinar a imediata retirada do conteúdo das redes sociais do primeiro investigado e da Empresa Brasileira de Comunicação no Facebook, no Instagram e no Youtube, sob pena de multa de R$10.000,00. A decisão foi referendada pela Corte, à unanimidade, em 30/08/2022 (IDs 157951424 e 157984156). No que diz respeito ao cumprimento da decisão liminar: a) a Google Brasil declarou que o vídeo já havia sido indisponibilizado pelo responsável pela postagem, mas que foi possível à empresa adotar medidas para preservar o conteúdo (ID 157961443); b) a Empresa Brasileira de Comunicação informou que excluiu os conteúdos (ID 157961477); c) o Facebook Brasil informou que excluiu o conteúdo e que procedeu à sua preservação, ainda que não tenha constado ordem expressa nesse sentido e que o material já tenha sido juntado aos autos, razão pela qual requer que seja declarado o integral cumprimento da ordem (ID 157962283). Certificou–se nos autos, em 25/10/2022, o cumprimento do mandado de citação do primeiro investigado e a expedição de citação por correio para o segundo investigado (IDs 157961240 e 157961242). Os investigados apresentaram contestação conjunta, em 29/10/2022 (ID 157977291). Suscitaram preliminares de: a) exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a União, ao argumento de que seu patrimônio jurídico foi afetado pela decisão de retirada de conteúdo produzido e publicado pela TV Brasil, canal vinculado à empresa pública EBC, o que acarreta a “incindibilidade da relação jurídica entre a União e os eventos descritos na petição inicial”; b) incompetência da Justiça Eleitoral, uma vez que o ato descrito foi praticado na condição de Chefe de Estado, no regular desempenho da função privativa de manter relações com Estados estrangeiros (art. 84, VII, CF/88), sem qualquer relação com a disputa entre candidatos. No mérito, argumentam, quanto aos fatos, que: a) na hipótese dos autos, foi praticado “ato de governo”, insuscetível de controle jurisdicional sob a ótica do “fim político” e da soberania, inexistindo ato eleitoral, uma vez que “[n]ão se cuidou de eleições! Não se pediu votos! Não houve ataque a oponentes! E não houve a apresentação comparativa de candidaturas!”; b) o evento constou de agenda oficial, previamente publicizada, sendo inclusive expedido convite para o então Presidente do TSE, Min. Edson Fachin, “não sendo crível que o primeiro Investigado convidasse destacado membro da própria Justiça Especializada para testemunhar evento de conotação eleitoral”; c) o “público–alvo da exposição”, formado por representantes de países estrangeiros, “sequer detinha cidadania e capacidade ativa de sufrágio”; d) quanto ao discurso do primeiro investigado, “uma leitura imparcial e serena” revela “falas permeadas de conteúdos técnicos, que buscam debater um tema importante (transparência do processo eleitoral), dispostas ao longo de mais de 1h (uma hora) de apresentação [...] no afã de contrapor ideias e dissipar dúvidas sobre a transparência do processo eleitoral”; e) “a má–fé de determinados setores da imprensa” levou a cobertura do evento a tratar “uma proposta de aprimoramento do processo democrático como se se tratasse de ataque direto à democracia”, quando na verdade se tratou de “um convite ao diálogo público continuado para o aprimoramento permanente e progressivo do sistema eleitoral e das instituições republicanas”; f) trechos do discurso, que permitiriam sua adequada contextualização e compatibilidade com valores expressos pela OEA ao promover missões de observação eleitoral, “foram (maliciosamente) omitidos da inicial”; g) o Tribunal de Contas da União fez recomendações para aprimoramento da segurança e da transparência do sistema eletrônico de votação (TC nº 014.328.2021–6) e o próprio TSE criou a Comissão de Transparência Eleitoral (Portaria TSE nº 578/2021), o que ilustra a licitude de apresentar “questionamentos (pontos duvidosos!), postos às claras”; h) o Presidente do TSE, em 31/05/2022, realizou reunião com a comunidade internacional “a pretexto de fornecer ¿informações sérias e verdadeiras sobre a tecnologia eleitoral brasileira' [...] a despeito de, como devido respeito, não estar legitimado constitucionalmente para tanto”, o que pode ser considerado um “evento assemelhado” ao discutido nos autos. As teses jurídicas foram contrapostas da seguinte forma: a) um ato de governo, por sua própria natureza, não pode ser enquadrado como abuso de poder político ou uso indevido dos meios de comunicação; b) encontra–se resguardada pela liberdade de expressão “a exposição de pontos de dúvidas à comunidade internacional, em evento público constante de agenda oficial de Chefe de Estado soberano, no afã de aprimorar o processo de fiscalização/transparência do processo eleitoral”; c) não há, nos autos, “provas contundentes do prejuízo ao processo eleitoral”, mas apenas “considerações vagas e imprecisas acerca da eventual gravidade do discurso apresentado aos embaixadores”; d) “o debate público foi completo”, uma vez que, após a legítima exposição do ponto de vista do Chefe de Estado à comunidade internacional, o Presidente do TSE “emitiu nota pública reativa de esclarecimento” por meio da qual rebateu, com ampla publicidade, um total de 20 (vinte) pontos apresentados pelo Investigado”; e) “qualquer possibilidade – ainda que remota e inventiva – de lesão à legitimidade das eleições foi prontamente estancada pela Justiça Eleitoral”, tendo em vista a ampla divulgação da nota do TSE pelos meios de comunicação, “com alcance social igual ou maior” e “com emprego de termos duros e cáusticos até mesmo para discursos jornalísticos”; f) aplica–se à espécie a “teoria dos diálogos institucionais”, acolhida pela jurisprudência do STF (ADI 4650, Rel. Luiz Fux, DJ de 24/02/2016), que repudia a existência de instituição detentora do monopólio do sentido e do alcance das normas, devendo os pronunciamentos da Suprema Corte serem tomados como “última palavra provisória”. A iniciativa probatória dos réus consistiu em: a) requerimento de oitiva de quatro testemunhas, a saber: Carlos Alberto Franco França, Ministro das Relações Exteriores; Flávio Augusto Viana Rocha, Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; Ciro Nogueira Lima Filho, Ministro–Chefe da Casa Civil; e João Henrique Nascimento de Freitas, Assessor–Chefe do Presidente da República; b) prova documental composta por relatório de auditoria do TCU; relatório da análise, pelo TSE, das sugestões da Comissão de Transparência indicando acolhimento de 72,7% das propostas; Carta Democrática Interamericana (CID–OEA); notícias jornalísticas sobre a nota do TSE emitida após a reunião. Foram juntadas procurações outorgadas pelos investigados aos subscritores da peça de defesa (ID 157977297 e 157977298). Com vistas a assegurar o pleno contraditório em torno das questões e requerimentos a serem examinados por ocasião do saneamento do processo, as partes foram intimadas, abrindo–se prazo comum de 3 dias para que o autor se manifestasse sobre as preliminares suscitadas na contestação e os réus justificassem o requerimento de prova testemunhal, indicando os pontos fáticos controvertidos a serem dirimidos pelos respectivos depoimentos (ID 158045220). A réplica do autor acrescentou ao debate processual os seguintes argumentos (ID 158067068): a) inexiste litisconsórcio passivo necessário com a União em razão do simples fato de a TV Brasil haver albergado o vídeo, sendo a remoção de conteúdos ilícitos decorrência do art. 9º–A da Res.–TSE 23.610/2019; b) a Justiça Eleitoral é competente para examinar a difusão de fake news “intimamente ligadas ao pleito” e que foram praticadas com “desvirtuação da atuação legítima estatal para confortar ânimos eleitorais e escusos do Chefe de Estado”; c) a “teoria do ato de governo” não pode ser utilizada para “lançar uma espécie de verniz imunizante sobre as falas do Senhor Jair Messias Bolsonaro, que não tem o poder de tudo poder”, sendo legítimo pleitear o controle jurisdicional sobre conduta que representa agressão à integridade do processo eleitoral; d) o primeiro investigado é responsável por conferir à reunião viés eleitoral, estando configurada a hipótese de abuso de poder político, ante o uso da condição funcional, em manifesto desvio de finalidade com impacto sobre as Eleições 2022. Por sua vez os réus justificaram o requerimento de prova testemunhal nos seguintes termos (ID 158072327): a) é necessário expor a dinâmica do evento questionado, falas e comentários dos presentes; b) o rol de testemunhas denota “a possibilidade de conhecimento dos fatos sequiosos de esclarecimento, frente às relevantes funções desempenhadas por cada uma das pessoas indicadas”; c) a prova não ostenta caráter protelatório, “inclusive porque postulada até como modicidade, eis que não postulado, como de direito, sequer o número máximo de 06 (seis) testemunhas, previsto em lei (art. 22, V, da LC nº 64/90)”. Relatados, assim, os principais atos ocorridos durante a fase postulatória, passo a proferir decisão de saneamento e organização do processo. A decisão de saneamento e organização do processo possui importante função para o regular trâmite das ações, por propiciar que, antes da instrução, sejam dirimidas questões processuais, fixados os pontos controvertidos e, com base nestes, apreciados os requerimentos de prova. Essas medidas têm lugar quando, ao final da fase postulatória, constata–se que não é caso de extinguir o processo sem resolução do mérito ou de julgá–lo antecipadamente, conforme preconiza o art. 357 do CPC, verbis: Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I – resolver as questões processuais pendentes, se houver; II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 ; IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. (sem destaques no original) Cabe lembrar que a aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil às ações eleitorais, diretriz inscrita no art. 15 desse diploma, foi reafirmada pelo TSE no primeiro ano de vigência da Lei 13.105/2015. A Res.–TSE 23.478/2016 reforçou que o aproveitamento das normas do CPC nesta Especializada deve se orientar pela compatibilidade sistêmica. Transcrevo os artigos que inauguram a citada resolução: Art. 1º A presente resolução dispõe sobre a aplicabilidade, no âmbito da Justiça Eleitoral, do Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que entrou em vigor no dia 18 de março de 2016. Parágrafo único. As disposições contidas nesta Resolução não impedem que outras sejam estipuladas a partir da verificação de sua necessidade. Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral. Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica. A diretriz de compatibilidade sistêmica não se traduz em um comando estático, exigindo que seja buscada, de forma dinâmica, a interpretação que favoreça o melhor aproveitamento das regras processuais democráticas. Gradativamente, essa tarefa vem sendo concretizada por outras resoluções do TSE. Nesse sentido, o art. 44 da Res.–TSE 23.608/2019 consigna que as representações especiais “observarão o procedimento do art. 22 da Lei Complementar n° 64/1990 e, supletiva e subsidiariamente, o Código de Processo Civil”, o que reafirma o caráter de complementariedade entre ambas as leis. No que diz respeito ao final da fase postulatória, observa–se que no art. 22 da LC 64/90, há apenas menção a que, após o decurso do prazo de defesa, seja aberta a instrução, com oitiva de testemunhas e demais diligências determinadas pelo Corregedor. É o que se extrai dos incisos V a VII do citado artigo: Art. 22. Omissis. [...] V – findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir–se–á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis) para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação; VI – nos 3 (três) dias subseqüentes, o Corregedor procederá a todas as diligências que determinar, ex officio ou a requerimento das partes; VII – no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito; [...] Nem sempre, porém, essas disposições são suficientes para fazer frente à complexidade da matéria fática e jurídica debatida na AIJE, ação que envolve a subsunção de condutas, por vezes de sensível delineamento, a tipos abertos (modalidades de abuso). Torna–se por isso necessário invocar outras fontes normativas para suprir as exigências da processualidade democrática no âmbito da Justiça Eleitoral. Nesse sentido, não há dúvidas que a aplicação do art. 357 do CPC é capaz de aprimorar o procedimento do art. 22 da LC 64/90. Isso porque a decisão de saneamento e organização do processo se trata, em suma, de técnica que favorece a estabilização da demanda, a racionalidade da tramitação processual e a objetividade da instrução, fatores que convergem para assegurar que a celeridade seja atingida sem prejuízo ao contraditório. Esses são aspectos decisivos para a efetividade da AIJE, a envolver a segurança jurídica e a duração razoável do processo. Sobre o ponto, não se pode olvidar que o art. 97–A da Lei 9.504/97 expressamente estabelece que “considera–se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral”. Apesar dos inúmeros fatores que podem comprometer o ritmo de tramitação das ações, esse prazo deve nortear a gestão processual, impondo–se a cada fase que seja priorizada a eficiência dos atos praticados. Feito esse introito, sigo para o exame dos autos. 1. Organização do processo Assinala–se, de início, que as partes se encontram devidamente representadas, por advogadas e advogados aos quais foram outorgadas procurações. No que diz respeito à citação, verifico ainda não ter sido juntado o aviso de recebimento da correspondência expedida ao segundo investigado. No entanto, seu comparecimento espontâneo aos autos ocorreu por meio de contestação conjunta com o primeiro investigado. Desse modo, fica suprida a falta, nos termos do art. 239, § 1º, do CPC. Houve concessão de tutela inibitória antecipada, por decisão liminar que ordenou a redes sociais e à TV Brasil remover conteúdos no prazo assinalado. Todas as empresas informaram que a medida foi adotada, ou, então, deixou de sê–lo porque o vídeo já estava indisponível no momento do acesso. Informou–se, ainda, a preservação do conteúdo. As partes não se opuseram ao teor dessas manifestações. Cabe, assim, declarar o cumprimento da decisão liminar pelas empresas destinatárias da ordem de remoção, sem prejuízo de serem mantidos preservados os dados de acesso, caso necessários à instrução. Saliente–se que essa declaração não impede o exame de fatos novos a respeito do tema, que sejam eventualmente trazidos pelas partes. Constata–se, ademais, que os atos processuais a cargo das partes foram praticados tempestivamente, razão pela qual merecem análise todas as manifestações e documentos apresentados. Na sequência, examino as questões preliminares. 2. Preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral (suscitada pelos réus) Os investigados argumentam que a reunião com embaixadores consistiu em ato praticado na condição de Chefe de Estado, sem qualquer relação com o pleito, no regular desempenho da função privativa de manter relações com países estrangeiros, o que torna a Justiça Eleitoral incompetente para examinar a matéria. A se acolher a tese proposta, restaria inviabilizado todo e qualquer controle de práticas abusivas perpetradas por meio de atos privativos do Chefe de Estado, erigindo uma espécie de salvo–conduto em relação a desvios eleitoreiros ocorridos no exercício, justamente, do feixe de atribuições mais sensível do Presidente da República. Não há dúvidas, porém, que o art. 22 da LC 64/90, ao estabelecer que cabe ao Corregedor–Geral Eleitoral instaurar investigação judicial eleitoral “para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder [...] de autoridade”, atribuiu à Justiça Eleitoral a competência para sindicar, sob o prisma da lisura do pleito, todos os atos administrativos praticados por agentes públicos no exercício de seus cargos e dentro de suas esferas de competência, inclusive os que tenham natureza político–institucional, desde que haja indícios do desvirtuamento do poder em prol de candidaturas. Com efeito, os eleitos não titularizam o poder estatal para uso de acordo com interesses particulares, mas, sim, o ostentam para cumprir finalidades públicas. Mesmo na hipótese de atos discricionários, não se supõe que seja lícito ao mandatário empregar suas prerrogativas para produzir vantagens eleitorais, para si ou terceiros. O elemento nuclear do abuso de poder político ou de autoridade, conforme a jurisprudência deste Tribunal, é o ato do agente público que, valendo–se de condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra a disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros (RO 1723–65/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 27/2/2018 e REspE 468–22/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 16/6/2014, dentre outros). Em outras palavras, é premissa primeira do abuso de poder político, apto a atrair a competência da Justiça Eleitoral, o ato praticado na condição de agente público. A este requisito se acresce a necessidade de que a petição inicial descreva o elemento desviante, ou seja, o fator que denota que a conduta se afastou do regular exercício das atribuições do cargo. E, por fim, esse elemento desviante deve possuir contornos eleitorais, uma vez que o objeto da AIJE não se confunde com o da ação de improbidade ou de outros procedimentos que possam ser ajuizados para punir irregularidades administrativas desprovidas de conotação eleitoral. Na hipótese dos autos, os requisitos para a definição da competência do TSE foram devidamente delimitados pela parte autora, que narra que o Presidente da República, utilizando–se de seu cargo, convocou reunião com embaixadores de países estrangeiros, mas, agindo com desvio de finalidade, teria passado a atacar a integridade do sistema eleitoral, em estratégia amoldada à de sua campanha, beneficiando–se, ainda, da ampla repercussão da transmissão do evento pela TV Brasil. Os investigados, ao arguir a incompetência da Justiça Eleitoral, não refutaram a aderência dessa causa de pedir à conduta típica do abuso de poder político. O que fazem é avançar sobre aspectos meritórios. Defendem que se está diante de ato de governo, cujo “fim político” não está sujeito a controle jurisdicional, e que se deu em cumprimento a agenda pública do Presidente. Enfatizam, ainda, que não houve pedido de votos ou ataque a oponentes. Buscam, em síntese, que se reconheça a intangibilidade dos fatos, ao argumento de que o exercício de poder político ocorreu dentro dos limites constitucionais. Ocorre que sendo a Justiça Eleitoral a única competente para se pronunciar sobre a existência, ou não, de desvio de finalidade com conotação eleitoral e, sendo o caso, sobre sua gravidade no contexto de uma determinada eleição, tem–se inequivocamente delineada a competência deste Tribunal para resolver a controvérsia. Portanto, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral. 3. Preliminar de ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a União (suscitada pelos réus) A presente preliminar é suscitada ao argumento de que a ordem de remoção de conteúdo gravado e veiculado pela TV Brasil, ligada à Empresa Brasileira de Comunicação, afetou o patrimônio jurídico da União Federal, que teria, desse modo, “relação jurídica incindível” com o objeto da AIJE. Embora o tema do litisconsórcio seja frequentemente revisitado por esta Corte, existem pontos há muito pacificados sobre a formação do polo passivo na ação de investigação judicial eleitoral e que impõem a rejeição da preliminar ora em análise. Em primeiro lugar, é certo que, para ser parte, é preciso ostentar interesse e legitimidade (art. 17, CPC), requisitos que, analisados sob a ótica da teoria da asserção, indicam que o polo passivo da AIJE se compõe pelos candidatos beneficiários e pelos responsáveis pela prática abusiva. São esses sujeitos que, por serem passíveis de sofrer sanções de cassação e/ou inelegibilidade, ostentam o interesse jurídico para contrapor–se à imputação de ilícitos eleitorais. A definição do interesse processual, na verdade, precede à discussão sobre a natureza de eventual litisconsórcio a ser formado. Isso porque o litisconsórcio passivo nada mais é que a reunião de pessoas na posição de réus, o que implica em primeiramente concluir que qualquer dessas pessoas pode, por si, ser demandada no feito. Em segundo lugar, não é por haver litisconsórcio que este será, inexoravelmente, necessário. Essa modalidade, disciplinada no art. 114 do CPC, somente ocorre por disposição expressa em lei ou, então, por força da relação jurídica controvertida, e tem impacto sobre a eficácia da decisão, verbis: Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. (sem destaques no original) Para compreender o dispositivo legal acima transcrito, é preciso relembrar que, no processo civil, a estrutura da ação tende a reproduzir relações jurídicas também de natureza civil. Nesse sentido, a eficácia de uma decisão, em casos como dissolução contratual, usucapião ou ação imobiliária envolvendo bem comum do casal, exige a presença de todas as partes das relações jurídicas materiais (e, em maior ou menor grau, patrimoniais) que se tornam objeto da lide. Há pouca aderência desse conceito, em seu rigor, às ações eleitorais sancionadoras, uma vez que os bens jurídicos tutelados pelo Direito Eleitoral, de natureza difusa, são imateriais e não possuem caráter patrimonial. Observa–se, por esse motivo, que o litisconsórcio necessário, nesta Especializada, recebeu contornos próprios, por vezes aproximado ao litisconsórcio unitário, modalidade na qual a presença dos corréus é exigida para a validade da ação. É apenas sob essa ótica que se pode cogitar da discussão em torno da “incindibilidade da relação jurídica”, que se traduz na absoluta impossibilidade de fracionamento de determinado efeito da decisão. É o que se verifica no caso de cassação de componentes de uma chapa majoritária que é apontada como beneficiária de ilícitos eleitorais. A hipótese motivou a edição da Súmula 38/TSE, que enuncia: “Nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapa majoritária.” A chapa majoritária é, com efeito, uma das raras ocorrências, no Direito Eleitoral, de relação incindível. Tanto assim que, ao discutir fraude à cota de gênero, o TSE diferenciou os efeitos da invalidação da lista proporcional para titulares e suplentes e, por concluir que estes possuíam apenas expectativa de direito, afastou a preliminar de não formação de litisconsórcio passivo necessário em AIME e AIJE sobre o tema. Eis a ementa do acórdão em que fixada a tese, da lavra do Min. Luís Roberto Barroso, em feito no qual ficou vencido o Relator, Min. Jorge Mussi (RespE 685–65, DJE de 31/08/2020): DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016.AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADORES. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. SUPLENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. PROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso especial eleitoral interposto para impugnar acórdão do TRE/MT que extinguiu o feito por decadência do direito de ação. 2. O acórdão regional amparou–se na tese de que o polo passivo deveria ter sido integrado por todos os candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), em litisconsórcio necessário. PREMISSAS DO JULGAMENTO 3. O plenário do Tribunal Superior Eleitoral não havia, até o momento, enfrentado a tese de que suplentes seriam litisconsortes passivos necessários em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) ou ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) que tem por objeto a fraude à cota de gênero prevista no art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/1997. 4. Evidenciada a fraude, todas as candidaturas vinculadas ao DRAP são atingidas pela invalidação deste. Isso não significa, contudo, que todos os candidatos registrados devam compor o polo passivo da AIJE ou AIME como litisconsortes passivos necessários. TESE MAJORITÁRIA DA CORRENTE VENCEDORA 5. Os suplentes não suportam efeito idêntico ao dos eleitos em decorrência da invalidação do DRAP, uma vez que são detentores de mera expectativa de direito, e não titulares de cargos eletivos. Enquanto os eleitos sofrem, diretamente, a cassação de seus diplomas ou mandatos, os não eleitos são apenas indiretamente atingidos, perdendo a posição de suplência. Não há obrigatoriedade de que pessoas apenas reflexamente atingidas pela decisão integrem o feito. Os suplentes são, portanto, litisconsortes meramente facultativos. Embora possam participar do processo, sua inclusão no polo passivo não é pressuposto necessário para a
Data de publicação | 08/12/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60081485 |
NUMERO DO PROCESSO | 6008148520225999872 |
DATA DA DECISÃO | 08/12/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2022 |
SIGLA DA CLASSE | AIJE |
CLASSE | Ação de Investigação Judicial Eleitoral |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | USO INDEVIDO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL |
PARTES | JAIR MESSIAS BOLSONARO, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) - NACIONAL, WALTER SOUZA BRAGA NETTO |
PUBLICAÇÃO | DJE |
RELATORES | Relator(a) Min. Benedito Gonçalves |
Projeto |