TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DIREITO DE RESPOSTA (11541) Nº 0601306–77.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representada: Radio Auri Verde de Bauru Ltda Advogados(as): Patrícia Luciana Bento e outro Representada: Mara... Leia conteúdo completo
TSE – 6013067720225999872 – Min. Maria Claudia Bucchianeri
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DIREITO DE RESPOSTA (11541) Nº 0601306–77.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representada: Radio Auri Verde de Bauru Ltda Advogados(as): Patrícia Luciana Bento e outro Representada: Mara Cristina Gabrilli Advogados(as): Alexandre Luis Mendonça Rollo e outros(as) Representada: Carla Zambelli Salgado Advogados(as): Karina de Paula Kufa e outros(as) Representado: Flávio Nantes Bolsonaro Advogados(as): Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representada: Micarla Rocha da Silva Melo DECISÃO Trata–se de representação por direito de resposta, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Radio Auri Verde de Bauru Ltda, Mara Cristina Gabrilli, Carla Zambelli Salgado, Flávio Nantes Bolsonaro e Micarla Rocha da Silva Melo, com fundamento no art. 58 da Lei nº 9.504/1997 e art. 31 da Res.–TSE nº 23.610/2019, por suposta veiculação de informações sabidamente inverídicas e ofensivas a respeito do candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, bem como de ataques ao Poder Judiciário, no programa Jovem Pan News, transmitido em canal da rádio representada no Youtube. A representante alega que (ID 158161741): a) em 28.9.2022, no programa Jovem Pan News, veiculado pela rádio representada e disponibilizado no respectivo canal do Youtube, cujo vídeo foi compartilhado pelos demais representados, divulgou–se entrevista concedida pela Sra. Mara Gabrilli, “em que relaciona o assassinato prefeito Celso Daniel, do Município de Santo André, ao ex–Presidente da República e candidato à Presidência da República pela Coligação Representante, sr. Luiz Inácio Lula da Silva” (p. 4); b) no trecho impugnado da entrevista extrapola–se o direito de crítica política, sendo “possível extrair duas grandes problemáticas: a) o ataque ao Poder Judiciário, por meio de ofensas proferidas diretamente ao Min. Presidente desta c. Corte, Min. Alexandre de Moraes e aos ministros do Supremo Tribunal Federal; e b) a propagação de desinformação, por meio da construção falaciosa da narrativa em que se tenta relacionar o Partido dos Trabalhadores, em especial, o ex–Presidente Lula a um assassinato de um de seus correligionários, o ex–Prefeito do Município de Santo André, no ano de 2002” (p. 7); c) a infundada relação entre o Partido dos Trabalhadores ou Luiz Inácio Lula da Silva e o referido assassinato já foi objeto de análise desta Corte na Rp nº 0600543–76.2022.6.00.0000, tendo sido reconhecida como fato sabidamente inverídico; d) o conteúdo impugnado “nada mais é senão uma desinformação destinada a manipular a opinião pública e atingir a lisura do processo eleitoral por meio de ataques à honra do candidato à presidência da República pela Coligação Representante”, de modo que “há evidente abuso do direito à liberdade de expressão, devendo o presente pedido de direito de resposta ser provido” (p. 12). Requer o deferimento do pedido de direito de reposta, “nos termos da Lei nº 9.504/1997, art. 58, §1º, I, e da Resolução–TSE nº 23.608/2019, art. 32, III, “f”, a resposta seja dada em até 02 (dois) dias, com igual tempo gasto para atingir sua honra” (p. 13); e a proibição de veiculação de propaganda de igual conteúdo. Junta aos autos a degravação do trecho programa impugnado (ID 158161743) e apresenta o texto de resposta pretendida na página 13 da inicial (ID 158161741): “Direito de resposta concedido pela Justiça Eleitoral contra as desinformações e agressões da candidata à vice–presidência da República, Sra. Mara Gabrilli neste programa, em entrevista realizada no dia 28 de setembro de 2022. Ao propagar a inverdade de que o ex–Presidente Lula teria relação com o assassinato do ex–Prefeito do Município de Santo André, Celso Daniel, a Sra. Mara Gabrilli ignora a realidade dos fatos, uma vez que Lula nunca foi sequer indiciado ou investigado pelo assassinato em questão. O crime que chocou a sociedade brasileira, e até hoje causa extrema comoção, teve suas investigações encerradas pela Polícia Civil de São Paulo, no ano de 2021, que concluiu que o ex–Prefeito foi vítima de um crime comum, em um inquérito que estava em investigação desde 2005. Como já asseverado pela Justiça do Estado de São Paulo e reforçado pelo Min. Alexandre de Moraes em Representação Eleitoral, os responsáveis pelo crime foram devidamente processados e julgados e, hoje, cumprem sua pena”. Em sua defesa (ID 158170575), Mara Cristina Gabrilli sustenta, em síntese, que sua fala se ampara em matérias jornalísticas, caracterizando discurso político crítico que não enseja direito de resposta. Pugna, assim, pela improcedência do pedido. A Rádio Auri Verde de Bauru (ID 158172240), em sua contestação, refuta as alegações de ataque ao Poder Judiciário e de divulgação de desinformação, defendendo, em suma, que: a) não houve qualquer ataque ao Poder Judiciário, pois “o foco daquele momento daquela entrevista não era versar sobre o Poder Judiciário, era ENTREVISTAR A SENADORA MARA GABRILLI” (p. 3); b) as informações veiculadas na entrevista estão abarcadas pela liberdade de expressão, porque se referem a fatos de conhecimento público, que, por não terem sido “comprovados em processo judicial NÃO SE TORNAM, por isso, fatos inverídicos” (p. 5); c) não podem ser tratadas como desinformação falas que divulgam a vivência da entrevistada. Requer, ao final, a improcedência total do pedido, registrando que “alternativamente, em sendo uma rádio de notícias e entrevistas, SE O candidato Luis Inácio Lula da Silva, pessoalmente, apresentar sua resposta (imagem e som) personalíssima (e não por meio de terceiros, ou de locutores, ou etc.), esta Rádio se sentirá HONRADA em lhe conceder tal TEMPO e exposição. Se sua coligação insistir que “ela” irá elaborar e enviar “resposta”, sem a presença e fala, personalíssima, do Candidato Lula da Silva, então não aceitamos tal pleito” (p. 6–7). Por sua vez, Carla Zambelli Salgado (ID 158172683) apresenta defesa, na qual alega, em resumo, que: a) 'o conteúdo sub judice nasce em entrevista jornalística; b) Mara Gabrilli compartilhou uma série de informações de cunho pessoal, alegando ter presenciado atos ilícitos, potencialmente criminosos, que, no seu entendimento, não foram investigados a contento; c) a Ré se limitou a compartilhar o vídeo” (p. 5); b) “a Coligação Representante sequer se esforçou para apontar quais fatos seriam “sabidamente inverídicos”; limitou–se a transcrever todo o material – inclusive todos os trechos que em absolutamente nada se relacionam com a coligação Representante –, sob alegações genéricas” (p. 18); c) “a não condenação do Partido dos Trabalhadores ou a “descondenação” do candidato Luiz Inácio Lula da Silva não pode, em hipótese alguma, sob pena de grave ameaça ao estado democrático de Direito, representar proibição para que opositores políticos e eleitores se manifestem sobre os infindáveis indícios de envolvimento das partes em ilícitos variados” (p. 19); Pleiteia, por fim, o indeferimento do pedido de direito de resposta. Flávio Nantes Bolsonaro (ID 158199846), em sua defesa, sustenta, em síntese, que: a) “não há recortes ou descontextualização na divulgação da entrevista concedida pela Senadora ao Programa Jovem Pan News e não há qualquer ilegalidade na simples republicação de conteúdo jornalístico” (p. 4); b) a publicação reproduzida em sua rede social “se encontra integralmente albergada pelo manto da liberdade de expressão” (p. 5); c) “o C. TSE possui firme entendimento no sentido de que a Justiça Eleitoral deve intervir tão somente quando ultrapassados os limites da liberdade de manifestação, aceitando–se, inclusive, críticas ácidas aos adversários políticos” (p. 7). Pugna pela improcedência do pedido de direito de resposta e da multa pleiteada sem fundamento legal. A Procuradoria–Geral Eleitoral se manifestou (ID 158234268) pela perda do objeto da demanda e, subsidiariamente, pela procedência parcial da representação no tocante à temática que relaciona o candidato Luiz Inácio Lula da Silva à morte do ex–prefeito Celso Daniel, em parecer assim ementado: Eleições 2022. Direito de resposta. Fato ocorrido quando da fase do primeiro turno das eleições para Presidente da República. Realização de entrevista com falas que configuram divulgação de fatos sabidamente inverídicos. Precedente. Compartilhamento em redes sociais. Parecer, no mérito, pela procedência parcial. É o relatório. Decido. De saída, registro que não há falar em perda do objeto da presente demanda, tal como suscitado pelo Parquet Eleitoral. Isso porque, na espécie, o que se tem é pedido de direito de resposta por conteúdo veiculado e ainda disponível na internet (e não na propaganda eleitoral de rádio e televisão), o que atrai o entendimento firmado, para o pleito de 2018, na Rp nº 0601529–69, de relatoria do Min. Carlos Horbach, para quem “sendo a pretensão deste feito dirigida à remoção de conteúdo da Internet, não se teve a perda de objeto com a realização do primeiro turno das eleições presidenciais”. Nesse mesmo sentido, a RP nº 0601532–24, do mesmo Ilustre relator, mural eletrônico de 15.10.2018. Nesse cenário, passo a apreciar os pedidos formulados nesta representação por direito de resposta. A controvérsia dos autos versa a suposta veiculação de informação sabidamente inverídica e ofensiva à honra do candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, derivada de entrevista concedida pela então candidata à vice–presidência da república Mara Gabrilli, na qual o candidato foi indevidamente relacionado ao assassinato do prefeito Celso Daniel, do Município de Santo André. Sustenta–se, também, a ocorrência de ataques ao Poder Judiciário, tudo no programa Jovem Pan News, realizado em 28.9.2022 (às vésperas do 1 turno de votação), o que autorizaria o pretendido direito de resposta, nos termos do art. 58 da Lei nº 9.504/1997 e do art. 31 da Res.–TSE nº 23.610/2019. Como se sabe, nos termos do art. 58 da Lei nº 9.504/1997, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social. A jurisprudência desta Corte Superior, firmada precisamente na perspectiva do referido art. 58 da Lei nº 9.504/1997, é consolidada no sentido da natureza absolutamente excepcional da concessão do direito de resposta, que somente se legitima, sob pena de indevido intervencionismo judicial no livre mercado de ideias políticas e eleitorais, com comprometimento do próprio direito de acesso à informação pelo eleitor cidadão, nas hipóteses de fato chapadamente inverídico, ou em casos de graves ofensas pessoais, capazes de configurarem injúria, calúnia ou difamação, in verbis: O exercício do direito de resposta, além de pressupor a divulgação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica, reconhecida prima facie ou que extravase o debate político–eleitoral, deve ser concedido excepcionalmente, tendo em vista a liberdade de expressão dos atores sociais envolvidos. [...] (AgR–REspEl nº 0600102–42/MG, rel. Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 27.11.2020 – destaquei) A concessão do direito de resposta previsto no art. 58 da Lei das Eleições, além de pressupor a divulgação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica reconhecida prima facie ou que extravase o debate político–eleitoral, deve ser concedido de modo excepcional, tendo em vista exatamente a mencionada liberdade de expressão dos atores sociais. (R–Rp nº 0600947–69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 27.9.2018 – destaquei) O exercício do direito de resposta, além de pressupor a divulgação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica, reconhecida prima facie ou que extravase o debate político–eleitoral, deve ser concedido excepcionalmente, tendo em vista a liberdade de expressão dos atores sociais envolvidos. (R–Rp nº 0601048–09/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS de 25.9.2018 – destaquei). Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza–se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação [...]. (Rp nº 0601494–12/DF, rel. designado Min. Admar Gonzaga, PSESS de 3.10.2018 – destaquei) E, ao fazê–lo, registro que, consoante já tive a oportunidade de enfatizar em diversas decisões anteriores, entre elas a Rp nº 0600229–33/DF, o meu entendimento é no sentido do minimalismo judicial em tema de intervenção no livre mercado de ideias políticas, de sorte a conferir tratamento preferencial à liberdade de expressão e ao direito subjetivo do eleitor e da eleitora de obterem o maior número de informações possíveis para formação de sua escolha eleitoral, inclusive para aquilatar eventuais comportamentos supostamente desleais ou inapropriados. No entanto, o Plenário desta Corte Superior, considerando o peculiar contexto inerente às eleições de 2022, com “grande polarização ideológica, intensificada pelas redes sociais”, firmou orientação no sentido de uma “atuação profilática da Justiça Eleitoral”, em especial no que concerne a qualquer tipo de comportamento passível de ser enquadrado como desinformativo (R–Rp nº 0600557–60/DF, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, PSESS de 1º.9.2022, em que fiquei vencida isoladamente) e flagrantemente ofensivo. Também assim, o julgamento da Rp nº 0600851–15/DF, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 22.9.2022, ocasião em que esta Casa voltou a destacar o direito do eleitorado não apenas de ter acesso à mais ampla informação, mas, também e sobretudo, à informação “verdadeira” e “não fraudulenta”, com o que se conferiu a esta Casa um dever de filtragem mais fino. Em idêntico sentido, na sessão jurisdicional de 13.10, o Plenário desta Casa determinou, nos autos da RP 0601373–42, a remoção de matéria jornalística, sem nenhuma edição, veiculada ainda no ano de 2011 pela TV Record, envolvendo o debate público então travado em torno do combate a homofobia nas escolas, por se haver considerado que o título atribuído à mídia (19.05.2011 – kit gay causa polêmica) era desinformativo. Nesse mesmo julgamento, em que fiquei vencida ao lado do Ministro Sergio Banhos, o Ilustre Presidente desta Casa, Ministro Alexandre de Moraes, registrou que a associação de diversos fatos verdadeiros a uma conclusão inverídica também configura “fake news”. Sua Excelência também destacou que o só fato de determinadas matérias terem sido divulgadas em veículos tradicionais de imprensa não afasta eventual natureza desinformativa. Também na sessão de 13.10.2022, o Plenário desta Casa, vencidos os llustres Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Sergio Banhos e Carlos Horbach, determinou a imediata remoção de conteúdos (RP nº 0601372–57), por entender que, mesmo em se tratando de um vídeo estruturado a partir de conteúdo jornalístico, apresentava “desordem informacional” apta a conduzir as pessoas a uma conclusão falsa. Essa, portanto, é a métrica até agora fixada por esta Corte, para as presentes eleições de 2022. Inicialmente, rejeito o pedido de direito de resposta, no ponto em que se acha fundado em supostas “críticas ao Poder Judiciário”. Na espécie, as falas da então candidata a vice–Presidente da República se inserem no legítimo direito de crítica (“é uma vergonha”, “isso me deixa muito indignada), sem qualquer excesso evidente e sem a falsa imputação, a qualquer membro do Poder Judiciário, da prática de qualquer irregularidade. Há, portanto, neste ponto, manifestação de discordância e incompreensão, o que, volto a dizer, é manifestamente legítimo. De mais a mais, as palavras de Mara Gabrillli de crítica ao Poder Judiciário não repercutem, nem de forma mediata, ao contrário do que se registrava no DR 0600923–02, de minha relatoria, na esfera jurídica da Coligação autora ou do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que, portanto, são partes ilegítimas para impugnar falas que não lhe atingem diretamente. Diferente destino teve a segunda causa de pedir, em que se alega ser manifestamente inverídica e ofensiva à honra a suposta relação estabelecida entre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva e o assassinato do ex–prefeito do Município de Santo André, Celso Daniel. Isso porque o referido conteúdo já foi tido por este Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas presentes eleições de 2022, como desinformativo, além de violador da imagem do candidato da coligação requerente. Cite–se, a tal propósito, a decisão liminar proferida pelo Presidente desta Casa, Ministro Alexandre de Moraes, nos autos da RP nº 0600543–76/DF, que versava a veiculação de conteúdo falso rigorosamente idêntico ao novamente divulgado: A liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto. Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão (GEORGE WILLIAMS. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 15; RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14), que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva (Tribunal Constitucional Espanhol: S. 47/02, de 25 de febrero, FJ 3; S. 126/03, de 30 de junio, FJ 3; S. 20/02, de 28 de enero, FFJJ 5 y 6). A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando–se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar. No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte–Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado pelo professor da Universidade de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais importante” (The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429). A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos (RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 319; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429). Os legisladores não têm, na advertência feita por DWORKIN, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários políticos úteis e nocivos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 326), devendo–se, portanto, permitir aos candidatos a possibilidade de ampla discussão dos temas de relevância ao eleitor. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os principais temas de interesse do eleitor e também sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança ( politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais. No célebre caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630–1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando–se a existência de verdades absolutas e permitindo–se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”. RONALD DWORKIN, mesmo não aderindo totalmente ao mercado livre das ideias, destaca que: “a proteção das expressões de crítica a ocupantes de cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos públicos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 324). No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435). As opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271– 72). O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688–89, 1959). A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos julgados, que a liberdade de expressão: “constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada no artigo 10.º da Convenção, está submetida a excepções, as quais importa interpretar restritivamente, devendo a necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo convincente. A condição de «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009) A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. Lembremo–nos que, nos Estados totalitários no século passado – comunismo, fascismo e nazismo –, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista (pravda), seja pela criação do Comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção do multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da Democracia. Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que: “o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81). No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar–se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas. O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística; bem como a proliferação de informações, a circulação de ideias; garantindo–se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam. A liberdade de expressão permite que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. Note–se que, em relação à liberdade de expressão exercida inclusive por meio de sátiras, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou sua importância no livre debate de ideias, afirmando que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar”. Considerando a expressão artística representada pela sátira, a Corte entendeu que: “sancionar penalmente comportamentos como o que o requerente sofreu no caso pode ter um efeito dissuasor relativamente a intervenções satíricas sobre temas de interesse geral, as quais podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática”. (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009) A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. Nesse cenário, a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos. Ou seja, a atuação da Justiça Eleitoral deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger o regime democrático, a integridade das Instituições e a honra dos candidatos, garantindo o livre exercício do voto (TSE, RESpe 0600025–25.2020 e AgR no Arespe 0600417–69, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES). A Constituição Federal não permite aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio. A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. Liberdade de expressão não é Liberdade de agressão! Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias! Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos! A lisura do pleito deve ser resguardada, sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (TSE, Representação 0601530–54/DF Rel. Min, LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJe DE 18.3.2021), e, portanto, as competências constitucionais dessa CORTE ELEITORAL, inclusive no tocante à fiscalização, são instrumentos necessários para garantir a obrigação constitucional de se resguardar eleições livres e legítima (TSE, RO–EL 2247–73 e 1251–75, redator para Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES). A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito (STF, Pleno, AP 1044, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES), inclusive pelos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores antes e durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no processo e
Data de publicação | 16/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60130677 |
NUMERO DO PROCESSO | 6013067720225999872 |
DATA DA DECISÃO | 16/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | DR |
CLASSE | DIREITO DE RESPOSTA |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Propaganda eleitoral irregular |
PARTES | CARLA ZAMBELLI SALGADO, COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, FLAVIO NANTES BOLSONARO, MARA CRISTINA GABRILLI, MICARLA ROCHA DA SILVA MELO, RADIO AURI VERDE DE BAURU LTDA |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Maria Claudia Bucchianeri |
Projeto |