TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601501–62.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Pelo Bem do Brasil Advogados (as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representante: Jair Messias Bolsonaro Advogados (as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representada: Coligação Brasil... Leia conteúdo completo
TSE – 6015016220225999872 – Min. Cármen Lúcia
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601501–62.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Pelo Bem do Brasil Advogados (as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representante: Jair Messias Bolsonaro Advogados (as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representada: Coligação Brasil da Esperança Representado: Luiz Inácio Lula da Silva DECISÃO REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRETENSÃO DE RETIRADA DE VÍDEO VEICULADO EM INSERÇÕES NA TELEVISÃO. INSUFICIÊNCIA E IMPLAUSIBILIDADE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA APRESENTADA. LIMINAR INDEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. Relatório 1. Representação, com requerimento liminar, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil e por Jair Messias Bolsonaro em desfavor da Coligação Brasil da Esperança e Luiz Inácio Lula da Silva. Impugna–se alegada prática de desinformação na propaganda eleitoral gratuita veiculada na televisão, ao argumento de que os vídeos buscam estabelecer “inverídica conexão entre o Presidente Jair Bolsonaro e condenados e acusados de crimes graves, especialmente praticados contra a vida, como estratégia publicitária de ofensa ao adversário, (a) desinformando o eleitor e (b) injuriando o Representado que coadunaria com os crimes praticados pelos sujeitos indicados na propaganda, a ponto de integrá–los num time que leva seu próprio nome ¿Time Bolsonaro'” (ID 158244407, p. 5). Afirmam que “os Representados veicularam 12 vezes uma inserção que busca associar o Representante a crimes e criminosos que chocaram a sociedade brasileira” (ID 158244407, p. 5). Observam que “metade do total de inserções dos Representados nos últimos dias foi consumida na veiculação de propaganda ofensiva e despida de qualquer informação útil na formação da opinião do eleitorado” e que “a informação veiculada pelos Representados foi gravemente manipulada e distorcida, (...) com intuito de transmitir a falsa e absurda ideia de que seria o candidato apoiador de atos que atentariam contra a vida e a dignidade sexual de crianças, quando, na realidade, Bolsonaro, em sã consciência, jamais apoiou práticas criminosas e, muito menos, nutre simpatia por homicidas e facínoras” (ID 158244407, p. 6). Argumentam que a “absurda narrativa emprestada na propaganda ora objurgada (...) escora–se, em grande medida, na utilização de fotografias com duas das figuras invocadas – v.g. Flordelis e Gabriel Monteiro, contudo, as imagens, além de não indicarem qualquer apoio de Bolsonaro ao cometimento de crimes, foram utilizadas de forma grosseiramente descontextualizada“ (ID 158244407, p. 6). Ponderam que, “quando o Representante aparece, em fotos antigas, ao lado das pessoas indicadas como integrantes de ¿seu time do mal', isso não significa que apoie os criminosos, mesmo porque não tinha conhecimento dos crimes e não eram públicas as acusações” (ID 158244407, p. 6). Salientam que, “na qualidade de Presidente da República, é natural que conheça Parlamentares dos mais diversos rincões do Brasil, independentemente de posicionamentos políticos ou de crenças pessoais, o que não importa, de forma alguma, na conivência e/ou no apoio do candidato a atos que transgridam a legislação brasileira e atentem contra a vida ou a dignidade sexual de menores” (ID 158244407, p. 6–7). Afirmam que, “para além de inexistir qualquer evidência de que o Presidente Jair Bolsonaro tenha dado qualquer suporte espiritual ou material às horrendas e lamentáveis práticas criminosas indicadas na peça publicitária ora guerreada, a verdade nua e crua é de que o candidato da Coligação ora Representante, jamais avalizou, por qualquer fala ou conduta, o cometimento dos crimes levados a cabo pelas pessoas que aparecem na abjeta propaganda” (ID 158244407, p.7). Ressaltam que, “no que toca ao caso de Dr. Jairinho, Bolsonaro sancionou a Lei Henry Borel – em homenagem e memória do menor –, que torna crime hediondo o assassinato de menores de 14 anos, como difundido pela imprensa à época” (ID 158244407, p.7). Anotam que partindo de “simples pesquisa na internet verifica–se que a realidade dos fatos, desavergonhadamente deturpada pela inserção combatida, é outra: Bolsonaro não apoia os crimes cometidos. O que ocorre, em verdade, é que algumas das pessoas que aparecem no vídeo, na qualidade de eleitores, manifestaram preferência pelo candidato” (ID 158244407, p.7–8). Afirmam causar “verdadeira perplexidade que o grupo político adversário, que se autoproclama combatente das fake news, busque se valer de tão baixo e vil propaganda, que não apenas fortemente agride a imagem do candidato representado, mas desinforma a população quanto ao posicionamento do Presidente da República quanto a questão tão absurda” (ID 158244407, p. 8). Alegam que “a informação veiculada pelos Representados foi gravemente manipulada e distorcida, de forma absolutamente intencional, tornando evidente a estratégia eleitoral de obtenção de vantagens por intermédio da desqualificação e ofensa à imagem do candidato adversário – o que se afasta do campo permitido da propaganda eleitoral” (ID 158244407, p. 8–9). Entendem que “essa mesma tática maliciosa foi utilizada no final de semana passado, quando os Representados veicularam propaganda ofensiva aos Representantes que associava Jair Messias Bolsonaro à surreal prática de canibalismo” (ID 158244407, p. 9). Asseveram presentes os elementos autorizadores do deferimento da liminar requerida. Em relação ao perigo na demora, assinalam que “a necessidade de imediata atuação dessa Justiça Especializada decorre do fato da peça publicitária estar apta a ser veiculada no final de semana, de forma intensa (50% do total de inserções às quais os Representados fazem jus) especialmente no domingo (dia de maior audiência da TV aberta)” (ID 158244407, p.10). Requerem tutela de urgência, “proibindo–se imediatamente a reexibição da peça objurgada, com expedição de ordem ao pool de emissoras para que promova a interrupção da transmissão, sob pena de multa de R$ 50.000,00, a ser arcada de maneira solidária pela emissora que fizer a transmissão, para cada vez que a inserção for veiculada” (ID 158244407, p.10). Requerem ainda a comunicação dos Representados “da ordem judicial interruptiva da transmissão do material questionado, através de todos os expeditos meios possíveis, notadamente WhatsApp, e–mail, mural eletrônico e intimação pessoal dos advogados representantes, por telefone e/ou via oficial de justiça, em seus escritórios em Brasília” (ID 158244407, p.10). Pedem “seja confirmada a medida liminar, tornado definitiva a proibição de reexibição da peça publicitária, em qualquer meio de propaganda, até o término do período eleitoral” (ID 158244407, p.11). Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO. 2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, há que se averiguar se estão presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, como previsto no art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”. O direito brasileiro autoriza tutela de urgência de natureza antecipada nos casos em que se demonstrar riscos objetivos de atingimento da finalidade buscada pela prática questionada e ilícita. Não é admissível o deferimento da tutela apenas “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, consoante previsto no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil. 3. A solução da controvérsia jurídica posta nos autos, ainda em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à liberdade de manifestação do pensamento, fundamento do sistema constitucional brasileiro. Quando do voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei: '(...) a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (incs. IV, IX e XIV, do art. 5o e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas.' Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam–se da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news (p. 294, 297 do acórdão): 'Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...). (...) As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news.' O sistema jurídico brasileiro não autoriza o exercício ilimitado de direitos, incluídos os fundamentais, como o direito à livre manifestação do pensamento. Pudesse alguém exercer de forma ilimitada o seu direito, seria essa pessoa a única a atuar com liberdade plena em detrimento de todos os outros, que teriam de ver a sua dignidade e os seus direitos limitados pela primeira atuação. Daí porque os sistemas jurídicos democráticos legitimam a possibilidade de se impor restrição ao exercício dos direitos fundamentais, em casos nos quais se demonstre o comprometimento de direito de outro. 4. Na espécie agora apreciada, os representantes pretendem a remoção de propaganda eleitoral gratuita veiculada por meio de inserções na televisão, ao argumento de que os vídeos buscam impingir imagem negativa ao candidato Jair Messias Bolsonaro ao promover associação entre ele e condenados ou acusados por crimes graves, com o seguinte conteúdo (ID 158244407, p. 5). '00:00 – 00:06 – narrador] Bolsonaro finge defender o cidadão de bem, mas anda com gente do mal. [00:06 – 00:10 – narrador] Flordelis, assassina do próprio marido. [00:10 – 00:13 – narrador] Guilherme de Pádua, assassino de DaniellaPerez. [00:13 – 00:17 – narrador] Goleiro Bruno, matou a mãe do próprio filho. [00:17 – 00:21 – narrador] Gabriel Monteiro, abusador de menor. [00:21 – 00:24 – narrador] Dr. Jairinho, acusado de matar uma criança. [00:24 – 00:30 – narrador] ASSASSINOS, MILICIANOS, CRIMINOSOS.ESSE É O TIME BOLSONARO' A análise do cenário exposto, ainda que em sede liminar, conduz à conclusão de não assistir razão de direito aos representantes. 6. A propaganda veiculada nos canais de televisão está amparada na liberdade de expressão, de informação e de imprensa, à luz do inc. IV do art. 5º e do art. 220 da Constituição da República. Em exame inicial, tem–se que o vídeo publicado não apresenta fato evidentemente falso ou gravemente descontextualizado de forma a caracterizar conteúdo desinformativo que autorize a interferência desta Justiça Eleitoral. Diferente do que se afirma na petição inicial, a passagem que introduz a peça, “Bolsonaro (...) anda com gente do mal” não tem por óbvio e inequívoco sentido que o candidato representante seja “apoiador de atos que atentariam contra a vida e a dignidade sexual de crianças” (ID 158244407, p. 6). Nela se veicula que o candidato se faz ou se fez acompanhar de pessoas que cometeram ou foram acusadas de cometer crimes. Os representantes não lograram demonstrar que as imagens sejam falsas ou sabidamente inverídicas. Não se questiona a autenticidade das fotos, reproduzidas na peça publicitária, em que Jair Messias Bolsonaro aparece ao lado da ex–deputada Flordelis e do ex–vereador Gabriel Monteiro. Sobre o tema, os representantes se limitam a afirmar que o candidato, na condição de Presidente da República conhece “Parlamentares dos mais diversos rincões do país, independentemente de posicionamentos políticos ou de crenças pessoais” (ID 158244407, p. 6–7). Essa assertiva não infirma, antes confirma a ideia de que ele se fez acompanhar, ao menos naquelas ocasiões, pelas pessoas retratadas. No trecho “esse é o time Bolsonaro”, a palavra time pode significar, além de um grupo de atletas (seu sentido ordinário), também um grupo de pessoas envolvidas em atividades ou objetivos comuns. Os representantes não negam que algumas das pessoas mencionadas sejam apoiadoras da campanha ou eleitores do candidato. Diferente disso, extrai–se da petição inicial a confirmação de que “algumas das pessoas que aparecem no vídeo, na qualidade de eleitores, manifestaram preferência pelo candidato” (ID 158244407, p.7–8). Quanto à afirmação de que as fotos utilizadas são antigas e passaram por descontextualização, é de se realçar que notícias verídicas podem ser utilizadas para falsear fatos se divulgadas de modo historicamente descontextualizado. Na espécie em causa, entretanto, os representantes, embora aleguem ser o caso de divulgação fragmentada de imagens, não comprovam a alegação. Não se tem, na peça inicial, esclarecimento sobre o contexto ou o momento em que as fotos foram tiradas, o que seria exigido para confirmar a tese por eles sustentada. Os representantes reconhecem que a exibição das fotos “não importa, de forma alguma, na conivência e/ou apoio do candidato a atos que transgridam a legislação brasileira e atentem contra a vida ou a dignidade sexual de menores” (ID 158244407, p. 6–7),. Logo, não se demosntra a tese principal apresentada,, de que o vídeo pretenderia gerar no eleitorado a falsa percepção de que o candidato apoie a prática de atos vis e criminosos. 7. Na espécie, o que se tem é a veiculação de mensagem que pode deixar vislumbrar alguma crítica, porém não desinformação, de molde a ensejar o atendimento do pleito apresentado. Anoto que o Tribunal Superior Eleitoral “já reconheceu que ¿[o] caráter dialético imanente às disputas político–eleitorais exige maior deferência à liberdade de expressão e de pensamento, razão pela qual se recomenda a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações e críticas próprias do embate eleitoral, sob pena de se tolher substancialmente o conteúdo da liberdade de expressão' (AgR–RO 758–25/SP, Rel. desig. Min. Luiz Fux, DJE de 13/9/2017)” (AgR–RespEl n. 0600276–62/MA, Relator o Ministro Benedito Gonçalves, DJe 10.5.2022). Ademais, convém ressaltar a compreensão fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.451/DF, segundo a qual “o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte–se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional” (ADI n. 4.451/DF, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 6.3.2019). 8. Assim, tem–se, em juízo de cognição sumária, que a veiculação da propaganda não configura a propagação de desinformação, vedada pelo art. 9º–A da Resolução n. 23.610/2019 deste Tribunal Superior. Não se comprova, com base nos dados e informações trazidas com a petição inicial, a alegada probabilidade do direito a evidenciar ofensa à honra e à imagem do candidato que fundamente a imediata intervenção deste Tribunal Superior. 9. Pelo exposto, reservando–me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, ausentes os pressupostos da probabilidade do direito e do perigo da demora, indefiro o requerimento de medida liminar, sem prejuízo da possibilidade de apresentação de novo requerimento com a alteração do quadro fático–jurídico apresentado ou a demonstração das alegações trazidas com a petição inicial. Proceda–se à citação dos representados para que apresentem defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior. Na sequência, intime–se o representante do Ministério Público Eleitoral – MPE para se manifestar no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da Resolução. Publique–se. Intime–se. Brasília, 15 de outubro de 2022. Ministra CÁRMEN LÚCIARelatora
Data de publicação | 16/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60150162 |
NUMERO DO PROCESSO | 6015016220225999872 |
DATA DA DECISÃO | 16/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Cármen Lúcia |
Projeto |