REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601507–69.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Pelo Bem do Brasil Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representada: Coligação Brasil da Esperança Representado: Luiz Inácio Lula da Silva DECISÃO REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRETENSÃO DE RETIRADA... Leia conteúdo completo
TSE – 6015076920225999872 – Min. Cármen Lúcia
REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601507–69.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Pelo Bem do Brasil Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) Representada: Coligação Brasil da Esperança Representado: Luiz Inácio Lula da Silva DECISÃO REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRETENSÃO DE RETIRADA DE VÍDEO PUBLICADO EM REDES SOCIAIS. SUFICIÊNCIA E PLAUSIBILIDADE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA APRESENTADA. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. Relatório 1. Representação, com requerimento liminar, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil contra a Coligação Brasil da Esperança e Luiz Inácio Lula da Silva. Alega–se prática de desinformação em vídeos veiculados nas redes sociais Youtube e Instagram, ao argumento de que buscam “atribui[r] ao candidato contra quem disputa a Presidência da República a responsabilidade por um assassinato que comoveu o Brasil, pecha extremamente abjeta a se incutir a um líder de Estado. A irresponsável manifestação propala colocações absolutamente inverídicas, com o desiderato maldoso de fazer crer que Jair Bolsonaro possui ligação com o lamentável ocorrido” (ID 158244940, p. 2). A representante afirma que “o candidato Lula incorreu em gravíssimas ofensas à honra e à imagem do Presidente da República, acusando–o de envolvimento indireto no assassinato da Vereadora Marielle” (ID 158244940, p. 3). Alega que “fez–se imputação grosseira, rude e desinibida, individual e frontal, de crime (!) de assassinato ao Presidente Jair Bolsonaro, responsabilizando–o, ainda, por uma revoltante morte com a qual não ostenta qualquer relação, sendo a narrativa formal e materialmente falsa, sob todas as égides e quaisquer métodos de interpretação” (ID 158244940, p. 3). Argumenta que “não há como agasalhar a grave acusação de assassinato, notadamente seguindo um contexto em que se responsabiliza o Presidente da República pela morte amplamente noticiada da Vereadora Marielle, crime que ficou internacionalmente conhecido pela brutalidade e pela frieza com as quais foi executado!” (ID 158244940, p. 5). Pondera que, “já nas Eleições de 2022, em situação muito menos gravosa, o Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento da Representação nº 0600557–60/DF, Redator para o acórdão Ministro Ricardo Lewandowski,sessão de 1º.9.2022, concluiu pela propaganda eleitoral negativa que agredia a reputação de candidato, especificamente no fato de o Presidente Jair Bolsonaro veicular no seu Twitter matéria amplamente divulgada pelos meios de comunicação social, inclusive presente em delação premiada, no sentido da ligação do Partidos Trabalhadores com grupo criminoso organizado PCC” (ID 158244940, p. 5). Salienta que, “em situação ainda mais branda, na Representação nº 0601372–57, sessão de 13.10.2022, essa E. Corte, entendeu pela ilegalidade de propaganda que apresentou reportagens jornalísticas sobre o título ¿relembre os esquemas do governo Lula', nos termos do voto do Il. Ministro Ricardo Lewandowski” (ID 158244940, p.6). Ressalta que, “conforme estratificado no vídeo, fica nítido o ilícito propósito de enraizar no imaginário das pessoas que o Presidente Jair Bolsonaro tem relação com o assassinato da Vereadora Marielle, o que não é verdade e não está, obviamente, no campo do debate político sadio, no campo da liberdade de expressão, mas no do vil discurso de ódio” (ID 158244940, p. 8). Quanto ao perigo da demora, assinala que “reside no fato de que o malfadado vídeo está disponível no Canal Oficial do candidato, a evidenciar o dolo e a irresponsabilidade que pautaram a conduta dos Representados. Registre–se que até o momento da elaboração da presente representação, o vídeo contava com cerca de 140 mil visualizações” (ID 158244940, p. 10). Acrescenta que, “na rede social Instagram, também de titularidade do candidato petista Lula, o mesmo (...) vídeo, hospedado no link https://www.instagram.com/reel/CjnngABB7TY/, cuja fala se inicia a 1:08:46, já conta com 18.200 visualizações em apenas um dia” (ID 158244940, p. 10). Assevera estarem presentes os elementos autorizadores do deferimento da liminar requerida. Para a comprovação da probabilidade do direito, sustenta que “extrai–se da fundamentação jurídica anteriormente expendida, denotadora de grave agressão à ordem eleitoral” (ID 158244940, p. 10). Quanto ao perigo da demora, assinala que “o (...) vídeo está disponível no Canal Oficial do candidato, a evidenciar o dolo e a irresponsabilidade que pautaram a conduta dos Representados. Registre–se que até o momento da elaboração da presente representação, o vídeo contava com cerca de 140 mil visualizações. Na rede social Instagram, também de titularidade do candidato petista Lula, o mesmo (...) aberrante vídeo, hospedado no link https://www.instagram.com/reel/CjnngABB7TY/, cuja fala se inicia a 1:08:46, já conta com 18.200 visualizações em apenas um dia. Assim, a manutenção do vídeo, até o julgamento definitivo da causa pelo Col. TSE, encorpa, massifica e torna o ato ilegal prolongado no tempo, apta a gerar prejuízos eleitorais, no atacado, ao candidato da Representante” (ID 158244940, p. 10). Requer “a concessão da tutela de urgência requestada, a fim de que se determine a imediata remoção dos vídeos hospedados nos links https://www.youtube.com/watch?v=QjPCDodrH2k e https://www.instagram.com/reel/CjnngABB7TY/; e se proíba a retransmissão, por quaisquer meios de propaganda eleitoral, do vídeo questionado, arbitrando–se astreintes em valor proporcional à eventual desobediência” (ID 158244940, p. 11). Pede seja “reconhecida a prática do ilícito e confirmada a concessão da medida liminar, seja julgada procedente a representação, para o fim de restar definitivamente proibida a retransmissão do vídeo” (ID 158244940, p. 11). Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO. 2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, há que se averiguar se estão presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, como previsto no art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”. O direito brasileiro autoriza tutela de urgência de natureza antecipada nos casos em que ficarem demonstrados riscos objetivos de atingimento da finalidade buscada pela prática questionada e ilícita. Não é admissível o deferimento da tutela apenas “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, consoante previsto no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil. 3. A solução da controvérsia jurídica posta nos autos, ainda em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à liberdade de manifestação do pensamento, fundamento do sistema constitucional brasileiro. Quando do voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei (p. 293 do acórdão): “(...) a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (incs. IV, IX e XIV do art. 5o e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas.” Naquele voto, também ressaltei a possibilidade de se levar a efeito divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam–se da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news (p. 294, 297 do acórdão): “Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...). (...) As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news.” O sistema jurídico brasileiro não autoriza o exercício ilimitado de direitos, incluídos os fundamentais, como o direito à livre manifestação do pensamento. Pudesse alguém exercer de forma ilimitada o seu direito, seria essa pessoa a única a atuar com liberdade plena em detrimento de todos os outros, que teriam de ver a sua dignidade e os seus direitos limitados pela primeira atuação. Daí porque os sistemas jurídicos democráticos legitimam a possibilidade de se impor restrição ao exercício dos direitos fundamentais, em casos nos quais se demonstre o comprometimento do direito do outro. 4. Na espécie em exame, a representante pretende a remoção de propaganda eleitoral veiculada por meio do link https://www.youtube.com/watch?v=QjPCDodrH2k, de comício realizado pelo candidato da coligação representada, no dia 12.9.2022, no Complexo do Alemão, ao argumento de que o vídeo, de 1h24min de duração, busca apresentar imagem negativa a candidato ao promover associação entre ele e os acusados por crime grave. Da petição inicial, extrai–se o trecho impugnado (ID 158244940, p. 2). “Esse cidadão ele não tem noção do que é o povo nordestino, ele não tem noção do que é o povo nordestino, ele não tem noção do que é o próprio povo carioca, porque a vida dele sempre foi ligada aos milicianos que mataram Marielle. E eu tenho que pedir pra qualquer pessoa, que tenha uma gota de sangue nordestino, não votar nesse cidadão, porque ele não serve para presidir nem o Rio de Janeiro, nem São Paulo, e muito menos o Nordeste brasileiro.” A análise do cenário exposto, ainda que em sede liminar, demonstra assistir razão de direito à representante na parte em que se alega do representante que 'a vida dele sempre foi ligada aos milicianos que mataram Marielle'. 5. A propaganda veiculada nas redes sociais está fundamentada na liberdade de expressão e de informação, à luz do inc. IV do art. 5º da Constituição da República. A Constituição do Brasil põe, no rol dos direitos fundamentais, o direito de acesso à informação. A Constituição não autoriza, portanto, como burla a esse direito fundamental seja maculado ou restringido esse direito pela desinformação, que desrespeita o que busca a informação, compromete a sua liberdade, por ver–se enganado nos dados obtidos, e, em processo eleitoral, compromete a liberdade do eleitor de fazer suas escolhas políticas sem ser fraudado por engodos, tapeações ou equívocos expostos exatamente para conduzir a opção do eleitor e reduzir ou impedir o exercício livre de seu voto. Os vídeos questionados apresentam conteúdo produzido para desinformar, direcionando entendimento específico que seria dirigido a candidato da coligação representante, constituindo propaganda eleitoral negativa, inaceita no sistema jurídico vigente. A declaração de que “a vida dele [do candidato da coligação representante] sempre foi ligada aos milicianos que mataram Marielle” busca incutir no eleitorado a conclusão de culpabilidade ou envolvimento específico com autores de crime bárbaro e que, pelas trágicas e violentas circunstância em que se deu, teve grande repercussão nacional. A afirmação não corresponde a dados comprovados, não havendo demonstração nem conclusão judicial de que o candidato tenha vínculo com os autores daquele trágico crime ou que tenha envolvimento com os autores daquele bárbaro assassinato da vereadora. Tampouco se apresentam elementos demonstrativos de que seja essa sua decisão. 6. Sobre situações como a que se põe no caso aqui analisado, manifestou–se este Tribunal Superior, por exemplo: “[...] a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR–REspEl n. 0600396–74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 21.3.2022). Na espécie, as publicidades não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é a veiculação de desinformação, mensagem distorcida e ofensiva à imagem de candidato à presidência da República, o que pode conduzir, em alguma medida, à repercussão ou interferência negativa no pleito, do que se extrai evidência da plausibilidade do direito sustentado nesta representação. Este Tribunal Superior, ao referendar o deferimento do pedido liminar na Representação 06011185–49, de relatoria da Ministra Maria Claudia Bucchianeri, na sessão de 30.9.2022, considerou como excesso de crítica “afirmações de que ¿Ciro Gomes é oficialmente um membro do gabinete do ódio', de que olha com, ¿amor', ¿para um genocida que matou 700.000 pessoas, tentou dar golpe de estado e que é um miliciano bandido', de que é ¿é um dos principais que fazem ali o meio de campo do gabinete do ódio', de que tem como ¿novo chefe' ¿Carlos Bolsonaro' e de que ¿Bolsonaro vai implantar uma ditadura e Ciro tá ao lado disso'(...)”, concluindo que houve “(...) deliberada intenção de prejudicar determinada candidatura, de atingir a honra do respectivo postulante e de alimentar narrativa desinformativa sobre o (inexistente) apoiamento de Ciro Gomes a Jair Messias Bolsonaro, bem assim sobre os posicionamentos pessoais do referido candidato sobre temas estratégicos para o país”. Na Representação n. 0601017–47.2022.6.00.0000, de minha relatoria, deferi requerimento de medida liminar para que se removessem vídeos em que se afirmava: “esta família que foi vítima do genocida chamado Bolsonaro”, pois concluí que se tratava de “divulgação de mensagem sem demonstração de veracidade do que foi afirmado, em ofensa à imagem do candidato”. 7. “No caso agora examinado, (...) as postagens nos perfis de redes sociais dos representados apresentam conteúdo produzido para desinformar, pois a mensagem transmitida, sem respaldo em fatos comprovados especificamente, relaciona, em situação objetiva e com descrição e indicação inequívoca, o comportamento de candidato à morte de determinada pessoa” (Rp 0601017–47). Registre–se que não se está a examinar a fala no contexto em que proferida, em que seria tolerável algum grau de descuido típico da oralidade. Assim, demonstra–se plausível a tese da representante de que as postagens nos perfis de redes sociais divulgam fato sabidamente inverídico, apto a gerar desinformação. 8. O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é demonstrado pela possibilidade de acesso à propaganda por número cada vez maior de pessoas, do que decorre a propagação de ofensa à honra e à imagem do candidato. Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil). 9. Pelo exposto, presentes os pressupostos legais de perigo da demora e de plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º–B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, para que sejam removidos os vídeos indicados, nos quais há a menção específica relativa ao candidato de que “a vida dele sempre foi ligada aos milicianos que mataram Marielle” nos seguintes endereços eletrônicos: https://www.youtube.com/watch?v=QjPCDodrH2k https://www.instagram.com/reel/CjnngABB7TY/ Defiro, igualmente, a tutela para que os representados abstenham–se de veicular postagem dapenas do trecho agora analisado, a dizer, que “a vida dele sempre foi ligada aos milicianos que mataram Marielle”. Oficiem–se os provedores de aplicação Instagram e YouTube para o cumprimento da determinação judicial de remoção dos vídeos no prazo de 24 horas, conforme o § 1º–B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, devendo este ser informado sobre as providências adotadas, no prazo de 48 horas, sob pena de fixação de multa e outras medidas para o efetivo cumprimento desta decisão. Proceda–se à citação dos representados para que apresentem defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior. Na sequência, intime–se o representante do Ministério Público Eleitoral para se manifestar no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da citada Resolução. Publique–se e intime–se. Brasília, 18 de outubro de 2022. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora
Data de publicação | 21/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60150769 |
NUMERO DO PROCESSO | 6015076920225999872 |
DATA DA DECISÃO | 21/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | representação |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, LUIZ INACIO LULA DA SILVA |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Cármen Lúcia |
Projeto |