TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601536–22.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Fernanda Bernardelli Marques e outros(as) Representada: Coligação Pelo Bem do Brasil Representado: Jair Messias Bolsonaro Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as)... Leia conteúdo completo
TSE – 6015362220225999872 – Min. Cármen Lúcia
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601536–22.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Cármen Lúcia Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Fernanda Bernardelli Marques e outros(as) Representada: Coligação Pelo Bem do Brasil Representado: Jair Messias Bolsonaro Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) DECISÃO REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRETENSÃO DE RETIRADA DE VÍDEO PUBLICADO NO WHATSAPP. SUFICIÊNCIA E PLAUSIBILIDADE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA APRESENTADA. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. Relatório 1. Representação, com requerimento liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança contra a Coligação Pelo Bem do Brasil e Jair Messias Bolsonaro. Questiona–se alegada prática de desinformação na propaganda eleitoral gratuita veiculada pela plataforma WhatsApp, ao argumento de que o vídeo busca “vincular a prova de vida da previdência social ao voto no candidato Jair Messias Bolsonaro” (ID 158252945, p. 3). A representante alega que o objetivo da “propaganda eleitoral veiculada pelos representados via WhatsApp é induzir o eleitorado, de forma ilícita, a acreditar que a referida modalidade da prova de vida se refere ao voto em Bolsonaro” (ID 158244940, p. 3). Argumenta que “se trata de vídeo da campanha dos representados, haja vista a presença dos dados registrados perante este c. TSE ainda no início do vídeo” (ID 158244940, p. 4). Afirma ser “a Portaria PRES/INSS 1408 de fevereiro de 2022 (...) que, em seu artigo 2º, VII, considera válida como prova de vida a votação nas Eleições” (ID 158252945, p. 4). Pondera que, “no portal ¿Fato ou Boato', implementado pela Justiça Eleitoral em parceria com agências verificadoras de fato, é categórica a afirmação de que ¿é mentira que eleitor deve votar em determinado candidato à Presidência para validar prova de vida junto ao INSS'” (ID 158252945, p. 9). Acrescenta que “a checagem em questão foi provocada justamente por desinformação que circulava pelo Whatsapp, a qual afirmava que ¿o voto no nº 22 no dia 30/10 servirá como prova de vida'” (ID 158252945, p. 9). Salienta que “a desinformação em tela já foi, mais de uma vez, combatida por esta Corte Eleitoral e, nesta oportunidade, busca–se tutela jurídica idêntica, com o mesmo fim de preservar a integridade do processo eleitoral e, especialmente, proteger o direito de pessoas aposentadas ou pensionistas do INSS ao voto livre, consciente e à informação verídica” (ID 158252945, p. 11). Quanto ao perigo da demora, assinala que “a medida se mostra de suma relevância para assegurar a higidez da disputa eleitoral travada entre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva e o candidato Jair Messias Bolsonaro no 2º Turno das Eleições de 2022 para a Presidência da República, sob o objetivo principal de assegurar o direito ao voto livre e consciente do eleitorado alvo da desinformação atacada” (ID 158252945, p. 12). Assevera estarem presentes os elementos autorizadores do deferimento da liminar requerida. Requer, “liminarmente, a determinação aos representados para que se abstenham de veicular, produzir, reproduzir ou compartilhar a propaganda eleitoral em questão, ou outras que contenham teor semelhante, e, ainda, que adotem providências imediatas para a interrupção do compartilhamento da desinformação em tela, nas vias em que foram propagadas pelos representados” (ID 158252945, p. 12). Requer “a notificação da plataforma WhatsApp para que, em conformidade com os termos do Memorando de Entendimento–TSE 04/2022, adote as providências necessárias para obstar a circulação referida desinformação naquela plataforma” (ID 158252945, p. 12). Pede “a confirmação da medida liminar, de modo a determinar que os Representados sejam proibidos de veicular a desinformação em questão, ou outras semelhantes, por qualquer meio de transmissão”, além da “fixação de multa no patamar máximo previsto na legislação regente” (ID 158252945, p. 13). Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO. 2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, há que se averiguar se estão presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, como previsto no art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”. O direito brasileiro autoriza tutela de urgência de natureza antecipada nos casos em que ficarem demonstrados riscos objetivos de atingimento da finalidade buscada pela prática questionada e ilícita. Não é admissível o deferimento da tutela apenas “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, consoante previsto no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil. 3. A solução da controvérsia jurídica posta nos autos, ainda em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à liberdade de manifestação do pensamento, fundamento do sistema constitucional brasileiro. Quando do voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei (p. 293 do acórdão): “(...) a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (incs. IV, IX e XIV, do art. 5o e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas.” Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam–se da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news (p. 294, 297 do acórdão): “Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...). (...) As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news”. O sistema jurídico brasileiro não autoriza o exercício ilimitado de direitos, incluídos os fundamentais, como o direito à livre manifestação do pensamento. Pudesse alguém exercer de forma ilimitada o seu direito, seria essa pessoa a única a atuar com liberdade plena em detrimento de todos os outros, que teriam de ver a sua dignidade e os seus direitos limitados pela primeira atuação. Daí porque os sistemas jurídicos democráticos legitimam a possibilidade de se impor restrição ao exercício dos direitos fundamentais, em casos nos quais se demonstre o comprometimento do direito do outro. 4. Na espécie em exame, a representante pretende a remoção de propaganda eleitoral veiculada por meio da plataforma WhatsApp, ao argumento de que o vídeo propaga informação falsa ao associar a prova de vida na previdência social ao voto no candidato representado. Extrai–se o trecho objeto da representação (ID 158252945, p. 2). “Agora é lei! Nessas eleições, você que é aposentado ou pensionista pode fazer a sua prova de vida direto nas urnas. O Governo Federal acabou com o deslocamento desnecessário para os beneficiários, e tornou a sua vida mais fácil. Apenas o seu voto já é suficiente para garantir os benefícios do INSS, para você exercer seu direito à cidadania com menos burocracia. Pelo bem do Brasil, vote 22!” A análise do cenário exposto, ainda que em sede liminar, demonstra assistir razão de direito à representante. 5. A propaganda eleitoral em análise foi objeto de outra impugnação, neste Tribunal Superior, na Representação n. 0601222–76.2022.6.00.0000, de minha relatoria. Em 27.9.2022, deferi o requerimento de medida liminar para que fosse retirado da plataforma YouTube vídeo cujo título é “prova de vida, através das urnas!” Naquela decisão manifestei–me no sentido de que “o conteúdo do vídeo não traduz crítica política ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é a veiculação de mensagem falsa, o que leva, em medida que não pode ser desprezada pelo Poder Judiciário, à repercussão ou interferência negativa no pleito e evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação”. 6. Na espécie, o vídeo divulgado na plataforma WhatsApp apresenta conteúdo produzido para desinformar, pois a mensagem transmitida, como demonstrado na inicial, não tem respaldo nos fatos. A mensagem veiculada induz o eleitor a acreditar ser possível realizar sua prova de vida no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS por meio do voto no candidato representado. A propagação de notícia sabidamente falsa afeta a lisura do processo eleitoral e a própria vontade do eleitor em exercer o seu direito de voto. Como ressaltado na inicial, o uso da expressão “apenas o seu voto já é suficiente para garantir os benefícios do INSS, para você exercer seu direito à cidadania com menos burocracia. Pelo bem do Brasil, vote 22!”, pode “induzir que o eleitor aposentado ou pensionista, exclusivamente com vistas à prova de vida válida ao INSS, seja maliciosamente induzido a escolher Jair Bolsonaro nas urnas”. 7. Anoto que o Tribunal Superior Eleitoral “já reconheceu que ¿[o] caráter dialético imanente às disputas político–eleitorais exige maior deferência à liberdade de expressão e de pensamento, razão pela qual se recomenda a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações e críticas próprias do embate eleitoral, sob pena de se tolher substancialmente o conteúdo da liberdade de expressão' (AgR–RO 758–25/SP, Rel. desig. Min. Luiz Fux, DJE de 13/9/2017)” (AgR–REspEl n. 0600276–62/MA, Relator o Ministro Benedito Gonçalves, DJe 10.5.2022). Ademais, convém ressaltar a compreensão fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.451/DF, segundo a qual “o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte–se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional” (ADI n. 4.451/DF, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 6.3.2019). Porém, conforme já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, esta Justiça especializada tem o dever legal de exercer a sua competência judicial para “coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto' (AgR–REspEl n. 0600396–74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes,DJe 21.3.2022). 8. Assim, tem–se, em juízo de cognição sumária, que a veiculação da propaganda configura a propagação de desinformação, vedada pelo art. 9º–A da Resolução n. 23.610/2019 deste Tribunal Superior. O perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de divulgação do vídeo por um número cada vez maior de pessoas, o que acarreta propagação da desinformação. Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil). 9. Pelo exposto, reservando–me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos da probabilidade do direito e do perigo da demora, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º–B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, para que sejam removidos, no prazo de 24 horas, os conteúdos, que ainda estejam sendo veiculados, que contenham o texto impugnado, conforme transcrito na petição inicial (ID 158252945, p. 3). Defiro, igualmente, a tutela para que os representados se abstenham de veicular outras mensagens com o mesmo teor. Proceda–se à citação dos representados para que apresentem defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior. Na sequência, intime–se o representante do Ministério Público Eleitoral para se manifestar no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da Resolução. Publique–se e intime–se. Brasília, 18 de outubro de 2022. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora
Data de publicação | 21/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60153622 |
NUMERO DO PROCESSO | 6015362220225999872 |
DATA DA DECISÃO | 21/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Cármen Lúcia |
Projeto |