TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601442–74.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601458–28.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601529–30.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601542–29.2022.6.00.0000 (PJe)... Leia conteúdo completo
TSE – 6015422920225999872 – Min. Maria Claudia Bucchianeri
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601442–74.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601458–28.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601529–30.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601542–29.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri Representante: Coligação Brasil da Esperança Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as) Representados(as): Jair Messias Bolsonaro e outra Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as) DECISÃO (Julgamento conjunto) Trata–se de representações por direito de resposta ajuizadas pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Jair Messias Bolsonaro e da Coligação Pelo Bem do Brasil, por suposta veiculação de desinformação e ofensas contra a honra e a reputação da coligação representante e do candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, difundida na propaganda eleitoral gratuita em emissoras de rádio nos dias 12, 13, 15, 16 e 17.10.2022, em diversas inserções, todas elas indicadas em cada uma das respectivas petições iniciais. Em todas elas, a representante alega, em síntese que: a) a peça de propaganda eleitoral busca incutir a ideia de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva estaria associado à criminalidade, além de conduzir ao eleitorado informação que não corresponde com a realidade a respeito de dados e apurações de votos em presídios; b) o intento da aludida peça publicitária é atacar o candidato da coligação representante e implantar o desapreço do eleitorado por sua candidatura, o que se verifica do seu teor: Interlocutora: “Sabe onde Lula teve mais votos no primeiro turno das eleições? Nas cadeias e presídios do Brasil” Interlocutor: “No presídio de Tremembé, Lula teve 98% dos votos dos presos. Lula recebe 90,3% dos votos em presídios da Paraíba. O crime organizado já escolheu seu candidato” Suposto criminoso: “Eu sou Lula, não sou Bolsonaro, não. Eu voto no Lula” Interlocutor: “É a vida da sua família em risco. Cuidado em quem você vai votar” c) este Tribunal, em decisões anteriores proferidas em representações por propaganda eleitoral irregular semelhantes à dos autos, já determinou a remoção de desinformação que vincula o candidato Lula à criminalidade – Rp no 0600543–76/DF; Rp no 0601325–83/DF; e Rp 0601332–75/DF –, especialmente por vislumbrar indevida manipulação de narrativa ou veiculação de fatos inverídicos e descontextualizados, aptos a comprometer a lisura das eleições, tendo em vista a higidez das informações a respeito dos candidatos; d) dizer que criminosos votam em Lula é estatisticamente incorreto e gravemente descontextualizado, tendo em vista que os votos computados em penitenciárias representam um recorte muito pequeno da realidade, por várias razões: (i) condenados com trânsito em julgado sequer podem votar, sendo computados apenas os votos de presos em caráter provisório e adolescentes infratores; (ii) há discrepância entre o número de pessoas encarceradas (aproximadamente 550 mil pessoas) e pessoas encarceradas que de fato votaram na eleição (apenas 11.363 pessoas); (iii) votos em presídios computam apenas 2,066% do número de pessoas encarceradas no Brasil; e (iv) mesários e policiais penais em serviço também podem ter votado na urna disponibilizada no complexo presidiário; e) a distribuição de votos varia de forma considerável entre diversos tipos de presídios, tendo sido omitido, na propaganda, por exemplo, que o candidato Jair Bolsonaro liderou os votos para presidente no Complexo Penitenciário da Papuda – maior unidade prisional do Distrito Federal, de acordo com reportagem do jornal Metrópoles; f) a propaganda reflete distorção da verdade dos fatos e constitui verdadeiro ato de divulgação e compartilhamento de notícia gravemente descontextualizada, a violar o voto livre e consciente, além de ofender a honra do candidato Luiz Inácio Lula da Silva; e g) o conteúdo do programa eleitoral dos representados não configura mera crítica política, ultrapassando o direito à liberdade de expressão e atingindo a honra da candidatura da Coligação representante, por incutir no público–alvo que Lula seria o candidato representante da criminalidade e que o voto no ex–presidente equivaleria a votar em bandidos, mormente porque tal afirmação não tem qualquer embasamento na realidade. Apresenta a representante os termos da resposta pretendida, a ser veiculada nos mesmos moldes que o foram as ofensas que ensejaram o pedido, por força do art. 32, inciso IV, alínea d, da Res.–TSE nº 23.608/2019. Eis a íntegra do texto pleiteado: “Direito de Resposta concedido pelo Tribunal Superior Eleitoral. A Justiça Eleitoral reconheceu que são mentirosas as informações divulgadas por Bolsonaro sobre a votação de Lula em estabelecimentos prisionais. Desesperado, insiste em espalhar fake news, achando que pode enganar o povo nas eleições. Bolsonaro e os filhos já foram condenados a retirar das suas redes sociais dezenas de acusações falsas que propagam contra Lula. Não acredite nas mentiras de Bolsonaro. A justiça está de olho”. Requer, além da concessão do direito de resposta, seja determinada a suspensão do programa em questão, nos termos do parágrafo único do art. 4º da Res.–TSE nº 23.608/2019, abstendo–se os representados de veicular outras inserções com o mesmo teor. Visando à concessão da medida em caráter de urgência, aduz que a probabilidade do direito decorre da manifesta violação às normas e princípios que regem a propaganda eleitoral, de modo a ferir a lisura do processo eleitoral, e o perigo do dano encontra–se no alcance imensurável das emissoras de radiodifusão, que já exibiram a aludida insercão para milhões de eleitores brasileiros, propagando a desinformacão ora impugnada. Ao fim, requer a confirmação da medida liminar e o deferimento do pedido de direito de resposta para que, nos termos da Lei nº 9.504/1997, art. 58, § 3º, inciso III, alínea a e art. 32, inciso III, alínea g, da Res.–TSE nº 23.608/2019, e a mídia para veiculação seja entregue às emissoras, em até trinta e seis horas após a ciência da decisão e, além disso, que haja a suspensão da propaganda impugnada, de acordo com o art. 4º, parágrafo único, da Res.–TSE nº 23.608/2019. As teses defensivas, em resumo, suscitam a improcedência do pedido, diante da inexistência de descontextualização, divulgação de notícia sabidamente falsa ou ofensa à honra que sejam aptas a atrair o direito de resposta. Alegam, ainda em preliminar, a inépcia da inicial, tendo em vista que o texto apresentado para direito de resposta não cumpriria os requisitos legais para o seu deferimento, pugnando pela extinção do feito, sem resolução de mérito. A Procuradoria–Geral Eleitoral apresentou parecer pela improcedência do pedido, que foi assim ementado: Eleições 2022. Direito de resposta. Presidente da República. A intervenção da Justiça Eleitoral na propaganda deve ser mínima, justificando–se na hipótese de a publicidade transmitir informação gravemente descontextualizada ou suportada em fatos sabidamente inverídicos. Propaganda que apresentou premissas fáticas baseadas em dados não questionados pela representante, desenvolvendo, a partir delas, conclusão com teor de crítica política. Falta de pressuposto para se invocar direito de resposta. Parecer pela improcedência do pedido. É o relatório. Passo a apreciar os pedidos veiculados na presente representação. E, ao fazê–lo, registro que, consoante já tive a oportunidade de enfatizar em diversas decisões anteriores, entre elas a Rp nº 0600229–33/DF, o meu entendimento é no sentido do minimalismo judicial em tema de intervenção no livre mercado de ideias políticas, de sorte a conferir tratamento preferencial à liberdade de expressão e ao direito subjetivo do eleitor e da eleitora de obterem o maior número de informações possíveis para formação de sua escolha eleitoral, inclusive para aquilatar eventuais comportamentos supostamente desleais ou inapropriados. No entanto, o Plenário desta Corte Superior, considerando o peculiar contexto inerente às eleições de 2022, com “grande polarização ideológica, intensificada pelas redes sociais”, firmou orientação no sentido de uma “atuação profilática da Justiça Eleitoral”, em especial no que concerne a qualquer tipo de comportamento passível de ser enquadrado como desinformativo (R–Rp nº 0600557–60/DF, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, PSESS de 1º.9.2022, em que fiquei vencida isoladamente) e flagrantemente ofensivo. Também assim, o julgamento da Rp nº 0600851–15/DF, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 22.9.2022, ocasião em que esta Casa voltou a destacar o direito do eleitorado não apenas de ter acesso à mais ampla informação, mas, também e sobretudo, à informação “verdadeira” e “não fraudulenta”, com o que se conferiu a esta Casa um dever de filtragem mais fino. Em idêntico sentido, na sessão jurisdicional de 13.10.2022, o Plenário desta Casa determinou, nos autos da Rp nº 0601373–42/DF, a remoção de matéria jornalística, sem nenhuma edição, veiculada ainda no ano de 2011 pela TV Record, envolvendo o debate público então travado em torno do combate à homofobia nas escolas, por se haver considerado que o título atribuído à mídia (19.5.2011 – kit gay causa polêmica) era desinformativo. Nesse mesmo julgamento, em que fiquei vencida ao lado do Ministro Sérgio Banhos, o Ilustre Presidente desta Casa, Ministro Alexandre de Moraes, registrou que a associação de diversos fatos verdadeiros a uma conclusão inverídica também configura fake news. Sua Excelência também destacou que o só fato de determinadas matérias terem sido divulgadas em veículos tradicionais de imprensa não afasta eventual natureza desinformativa. Também na sessão de 13.10.2022, o Plenário desta Casa, vencidos os llustres Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Sérgio Banhos e Carlos Horbach, determinou a imediata remoção de conteúdos (Rp nº 0601372–57/DF), por entender que, mesmo em se tratando de um vídeo estruturado a partir de conteúdo jornalístico, apresentava “desordem informacional” apta a conduzir as pessoas a uma conclusão falsa. Essa, portanto, é a métrica até agora fixada por esta Corte, para as eleições de 2022. Ainda assim, entendi – no voto que proferi quando do julgamento do pedido de medida liminar veiculado na Rp nº 0601432–30/DF, cujo julgamento se encerrou na meia noite do dia 17.10.2022, em que se questiona exatamente a peça publicitária em bloco, da qual foram extraídos os trechos divulgados na modalidade inserção e aqui questionados – que este caso era de inexistência de fato chapadamente inverídico, especialmente porque as informações ali lançadas, todas extraídas de matérias jornalísticas ou de falas públicas do candidato representante, poderiam até comportar granulações, detalhamento ou complementações, mas nem de longe se enquadravam como falsas. Eis o voto que proferi na referida oportunidade, a revelar o olhar que ainda tenho da matéria: [...] (...) registro que, consoante já tive a oportunidade de enfatizar em diversas decisões anteriores, entre elas a Rp nº 0600229–33/DF, o meu entendimento é no sentido do minimalismo judicial em tema de intervenção no livre mercado de ideias políticas, de sorte a conferir tratamento preferencial à liberdade de expressão e ao direito subjetivo do eleitor e da eleitora de obterem o maior número de informações possíveis para formação de sua escolha eleitoral, inclusive para aquilatar eventuais comportamentos supostamente desleais ou inapropriados. No entanto, o Plenário desta Corte Superior, considerando o peculiar contexto inerente às eleições de 2022, com “grande polarização ideológica, intensificada pelas redes sociais”, firmou orientação no sentido de uma “atuação profilática da Justiça Eleitoral”, em especial no que concerne a qualquer tipo de comportamento passível de ser enquadrado como desinformativo (R–Rp nº 0600557–60/DF, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, PSESS de 1º.9.2022, em que fiquei vencida isoladamente) e flagrantemente ofensivo. Também assim, o julgamento da Rp nº 0600851–15/DF, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 22.9.2022, ocasião em que esta Casa voltou a destacar o direito do eleitorado não apenas de ter acesso à mais ampla informação, mas, também e sobretudo, à informação “verdadeira” e “não fraudulenta”, com o que se conferiu a esta Casa um dever de filtragem mais fino. Em idêntico sentido, na sessão jurisdicional de 13.10, o Plenário desta Casa determinou, nos autos da RP 0601373–42, a remoção de matéria jornalística, sem nenhuma edição, veiculada ainda no ano de 2011 pela TV Record, envolvendo o debate público então travado em torno do combate a homofobia nas escolas, por se haver considerado que o título atribuído à mídia (19.05.2011 – kit gay causa polêmica) era desinformativo. Nesse mesmo julgamento, em que fiquei vencida ao lado do Ministro Sergio Banhos, o Ilustre Presidente desta Casa, Ministro Alexandre de Moraes, registrou que a associação de diversos fatos verdadeiros a uma conclusão inverídica também configura “fake news”. Sua Excelência também destacou que o só fato de determinadas matérias terem sido divulgadas em veículos tradicionais de imprensa não afasta eventual natureza desinformativa. Também na sessão de 13.10.2022, o Plenário desta Casa, vencidos os llustres Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Sergio Banhos e Carlos Horbach, determinou a imediata remoção dos conteúdos da URL mencionada no acórdão, nos autos da RP nº 0601372–57, por entender que, mesmo tratando–se de um vídeo estruturado a partir de conteúdo jornalístico, apresentava “desordem informacional” apta a conduzir as pessoas a uma conclusão falsa. Essa, portanto, é a métrica até agora fixada por esta Corte, para as presentes eleições de 2022 e é exatamente em razão disso que optei por remeter o presente pedido de medida liminar diretamente ao crivo deste Plenário, com toda urgência, para evitar que meu olhar eventualmente dissonante (que seria externado em sede liminar) não retarde a materialização do direito, tal como assim o enxerga o somatório de vozes do colegiado. Pois bem, consoante relatado, o que se pretende, em sede de tutela provisória de urgência, é a suspensão de suposta veiculação de desinformação e ofensas contra o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, na tentativa de taxá–lo como leniente no combate à criminalidade, durante programa em bloco de rede de televisão transmitido nos dias 11 e 12.10.2022. Antes de tudo o mais, afasto, desde logo, a plausibilidade jurídica da alegada ofensa ao art. 242 do Código Eleitoral, ao argumento de que a peça impugnada empregaria, indevidamente, meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais, em violação ao disposto no art. 242 do Código Eleitoral e no art. 10 da Res.–TSE nº 23.610/2019. Pois bem, nos termos do art. 10, § 1º, da Res.–TSE no 23.610/2019, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo–se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão” (Rp no 0600896–19/DF, de minha relatoria). Nessa mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático (Rp nº 1201–33/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 23.9.2014). Aliás, “sendo objetivo da propaganda – ou pelo menos da boa propaganda – exatamente gerar nos seus destinatários os mais variados estados mentais, emocionais ou passionais, impõe–se ao intérprete especiais cautelas na exegese do art. 242 do Código Eleitoral de 1965, sob pena de ser inviabilizada a publicidade das candidaturas” (R–Rp nº 0601044–69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 20.9.2018). Esse entendimento vem sendo reiterado pelo E. Plenário desta Corte para o presente pleito eleitoral, no Referendo na Rp nº 0601022–69/DF, de minha relatoria, assim ementado: “ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. IRREGULARIDADE. IMPULSIONAMENTO. INTERNET. AUSÊNCIA DO CNPJ. INDICAÇÃO. LEGENDAS. COLIGAÇÃO. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. MEDIDA LIMINAR REFERENDADA. 1. Nos termos do art. 10, § 1º, da Res.–TSE no 23.610/2019, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo–se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão” (destaquei). 2. A jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático. 3. A aplicação da norma proibitiva do art. 242 do CE é cabível apenas em hipóteses excepcionalíssimas, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral, naturalmente vocacionada a despertar sentimentos e emoções, já que a escolha eleitoral nem de longe pode ser qualificada como puramente racional. [...]”. Sempre pertinentes, sob tal aspecto, as lições do saudoso Ministro Gerardo Grossi, expendidas no julgamento de caso histórico (Rp nº 587/DF, PSESS de 21.10.2002), em que conhecida atriz de televisão, em determinada propaganda eleitoral, fazia forte depoimento reconhecendo “ter medo” da vitória da candidatura opositora, o que ensejou interessante debate, nesta Corte, sobre o sentido e o alcance da norma inscrita no art. 242 do CE (p. 3–4): [...] 2. Ao que disse, acrescento que me parece lícito uma pessoa – artista ou não – dizer, publicamente, que tem medo das próprias previsões e análises que faz em torno da vitória de um ou outro candidato à Presidência da República. 3. Na propaganda eleitoral, caberá ao eleitor concordar ou não com tais previsões e análises. É preciso confiar no seu discernimento, nas suas razões para optar por este ou por aquele candidato, sob pena de não se estar acreditando na própria substância do processo democrático representativo. [...] 6. Há, é força confessar, uma certa semelhança entre o dispositivo da Lei de Segurança Nacional e o art. 242 do Código Eleitoral, reproduzido no art. 6º da Resolução nº 20.988. A introdução, nestes, do advérbio “artificialmente” não os melhora. Enfim, na propaganda eleitoral, como distinguir, com alguma clareza, o que é ou não artificial? Nesse mesmo julgamento (Rp no 587/DF, p. 5), igualmente preciosas as observações do Ministro Sepúlveda Pertence a reforçarem a premissa de aplicação apenas em hipóteses excepcionalíssimas da norma proibitiva do art. 242 do CE, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral: Preocupou–me, na representação que trouxe aqui, a invocação do art. 242 do Código Eleitoral, que é, sim, da redação original do Código. O que introduziu a lei posterior foi apenas a exigência da menção à legenda partidária, e não poderia ser de outra forma. A frase, esta, sim, nos causa medo. Ela é a recordação inevitável, para mim como para o Ministro Gerardo Grossi, de quantas vezes a ouvimos repetida nas auditorias militares, fruto da doutrina da segurança nacional então imposta como artigo de fé aos países periféricos caídos sob o autoritarismo. A transposição da Lei de Segurança Nacional para o Código Eleitoral desta vedação de criar pela palavra estados mentais, emocionais ou passionais, vale, na verdade, pela proibição de qualquer propaganda eleitoral verdadeira, e antecipa de certo modo, no Código Eleitoral, aquele ideal a que então não se ousou chegar, o modelo da Lei Falcão, em que só se criava tédio. De fato, Sr. Presidente, assim como a prognose do paraíso como resultante da eleição de certo candidato, a prognose do inferno como resultado da eleição do adversário, é, sim, mantidos os limites do Direito Penal de certas vedações higiênicas da Lei Eleitoral, o sentido de toda propaganda eleitoral. É, sim, se não criar estados passionais, pelo menos estados mentais e emocionais favoráveis ao candidato que se promove, desfavoráveis ao candidato que se critica. Pois bem, passo, agora, a analisar as demais alegações suscitadas pela representante, em especial que a propaganda ora questionada revelaria fatos gravemente descontextualizados, a ponto de torná–los desinformativos, além de ofensivos à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. O conteúdo ora questionado é longo (5 minutos de mídia) e pode ser dividido em alguns blocos fáticos. No primeiro bloco, são exibidas matérias jornalísticas com a informação de que, no primeiro turno das eleições de 2022, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teria sido o mais bem votado em quatro presídios. Uma das informações lançadas neste primeiro bloco, inclusive, qual seja, a de que o referido candidato teria obtido 98% dos votos dos presos em Tremembé, é atribuída a este Tribunal Superior Eleitoral. Pois bem, interessante registrar, neste ponto, que a autora NÃO SUSTENTA, em nenhum momento, que as matérias jornalísticas são fraudulentas ou que os percentuais de votação ali mencionados seriam falsos. Não são trazidos números diferentes dos apresentados na peça publicitária, com apoio em matérias jornalísticas também não infirmadas. Ao contrário disso, o que sustenta a representante, essencialmente, é que teria havido “omissão de dados essenciais”, o que geraria a suposta descontextualização. Para a autora, em resumo: a) o recorte dos quatro presídios mencionados na peça publicitária seria muito pequeno e não permitiria a generalização de que o candidato Lula teria sido vencedor em todas as demais unidades prisionais; b) muito embora os percentuais de votação indicados na propaganda possam ser corretos, o universo nominal de votantes não teria sido indicado e seria muito pequeno (apenas 19 presos estavam aptos a votar no presídio de Jaraguá do Sul; apenas 115 presos provisórios na Paraíba podiam votar), de sorte que, nos dizeres da inicial, seria “estatisticamente incorreto e gravemente descontextualizado”, a partir de “um recorte tão pequeno”, dizer que os presos votaram em Lula (ID 158231651, p. 7); c) “mesários e policiais penais em serviço também podem ter votado na urna disponibilizada no complexo presidiário, deturpando ainda mais o número de votos de detentos” (p. 8); d) e Bolsonaro liderou os votos para presidente no Complexo Penitenciário da Papuda – maior unidade prisional do Distrito Federal, de acordo com reportagem do Metrópoles. Quanto a este ponto, entendo inexistir plausibilidade jurídica à tese da representante, que, insisto, em momento nenhum afirma que os percentuais constantes da propaganda questionada seriam falsos e que as reportagens jornalísticas que os embasam seriam fraudulentas. A demonstração concreta de que os dados fáticos utilizados na peça publicitária são inverídicos é ônus que compete ao autor, por revelar elemento constitutivo do direito supressivo que o próprio representante reivindica. E, nesse cenário, se os números trazidos na matéria não são desconfirmados pela autora, tendo sido extraídos de matérias jornalísticas cujos conteúdos também não são colocados em dúvida, então entendo inexistirem, neste ponto, os pressupostos excepcionais a legitimarem a sempre excepcional intervenção supressiva por parte desta Justiça Eleitoral. Como se sabe, a jurisprudência desta Casa orienta–se no sentido de que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”, o que não ocorre na espécie. Nesse mesmo sentido: R–Rp nº 2962–41/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010; e Rp nº 0601513–18/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 5.10.2018; DR nº 0600906–63/DF; e DR nº 0601035–68/DF, essas duas últimas de minha relatoria e relativas ao atual processo eleitoral. Esta casa também já firmou o entendimento de que “não devem ser caracterizados como ¿fake news' [...] as notícias veiculadas em tom exaltado e até sensacionalista” (REspEl nº 972–29/MG, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 26.8.2019 – p. 20, destaquei), assim como é cediço que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico (Rp nº 1393–63/DF, rel. Min. Admar Gonzaga, PSESS de 2.10.2014, entre outros). Nesse contexto, impende destacar alguns julgados cuja ratio decidendi se aplica a este caso, embora referentes a pedido de direito de resposta: ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. INSERÇÕES. VEICULAÇÃO. EMISSORAS DE TELEVISÃO. DESPROVIMENTO. 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), a “liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” (ADI no 4439/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018). 3. A propaganda questionada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. Cuida–se de acontecimentos amplamente divulgados pela mídia, os quais são inaptos, neste momento, a desequilibrar a disputa eleitoral. Em exame acurado, trata–se de declarações, cuja contestação deve emergir do debate político, não sendo capaz de atrair o disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997. 4. Recurso desprovido. (R–Rp nº 0601054–16/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 18.9.2018 – destaquei) ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. INSERÇÕES. TELEVISÃO. INEXISTÊNCIA DE AFIRMAÇÃO SABIDAMENTE INVERÍDICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO. 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. A propaganda eleitoral impugnada foi embasada em notícias veiculadas na imprensa e em entrevistas concedidas pelo próprio candidato recorrente, inclusive com a exibição das manchetes dos jornais na propaganda eleitoral, como forma de demonstrar a origem das informações. 3. Esta Corte já firmou o entendimento de que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico (Rp nº 1393–63/DF, rel. Min. Admar Gonzaga, PSESS em 2.10.2014). 4. A propaganda impugnada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. 5. Recurso desprovido. (R–Rp nº 0601420–55/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 5.10.2018 – destaquei) Cite–se, ainda, em reforço à ausência de plausibilidade jurídica da tese da autora, recente matéria jornalística publicada em 10.10.2022 pelo sítio “O Antagonista”, em que o referido veículo de imprensa, após compilar “os boletins de urna de 222 seções eleitorais destinadas ao voto de presos provisório”, realizou levantamento a revelar que, no total, “dos 14.653 autorizados a votar, 11.363 apareceram”, sendo certo que “Lula teve 80,59% dos votos válidos nas seções, contra 15,79% de Jair Bolsonaro”. Tal levantamento, é bom que se diga, não foi questionado por nenhuma agência de checagem até o presente momento, de sorte que, ainda que se levantem dúvidas sobre números específicos, não é possível afirmar tratar–se de informação sabidamente inverídica, pressuposto absolutamente indispensável, ao meu sentir, para o enquadramento dos fatos como sabidamente inverídicos. Isso significa, portanto, que, a não ser que a autora traga informações que desautorizem os números indicados na propaganda eleitoral impugnada (todos eles extraídos de matérias jornalísticas), números agora confirmados por outro veículo de imprensa, descabe cogitar de fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado na mera réplica de notícias jornalísticas que revelam o resultado eleitoral efetivamente alcançado dentro de um segmento muito específico do eleitorado, qual seja, no ambiente prisional. Já o segundo bloco fático, que pode ser definido como um “bloco de transição”, procura construir narrativa política sobre a possível razão da vitória de Lula dentre os presos provisórios. Aqui, portanto, não há fatos capazes de serem rebatidos. Mas pura construção de narrativa política, capaz de ser confrontada ou neutralizada, mas não de ser taxada como fraudulenta. Esse segundo bloco tem o seguinte teor (ID 158231653): Voz de um homem narrador: E quer saber por que isso acontece? Porque o Lula defende coisas desse tipo: Lula: “Eu não posso ver mais jovens, de 14 e 15 anos, assaltando e sendo violentado, assassinado pela polícia, às vezes inocente ou às vezes porque roubou um celular”. Aqui, o que se sustenta é que a fala do candidato Luiz Inácio Lula da Silva teria sido gravemente descontextualizada. Para a representante, a fala não pode ser associada a qualquer tipo de “conivência” com criminalidade, em especial, àquela praticada por menores de idade, revelando, ao contrário disso, indignação “com a atual situação do país” (p. 11). O discurso de onde foi extraído o trecho da fala utilizada na propaganda ora questionada tem o seguinte conteúdo, nos termos da petição inicial (p. 11): “[...] O que nós queremos, na verdade, é que esta gente saiba que este país é nosso. Eu não posso, aos 74 anos de idade, ver essa gente destruir o país que nós construímos. Eu não posso ver aumentar o número de gente dormindo na rua. Eu não posso ver aumentar o número de mulheres jovens vendendo o seu corpo a troco de um prato de comida. Eu não posso ver mais jovem de 14 e 15 anos assaltando e sendo violentado, assassinado pela polícia, às vezes inocente ou às vezes porque roubou um celular. Se as pessoas tiverem onde trabalhar, se as pessoas tiverem salário, se as pessoas tiverem onde estudar, se as pessoas tiverem acesso à cultura, a violência vai cair. E nós temos que dizer, contra a distribuição de armas de Bolsonaro, nós vamos distribuir livros, vamos distribuir emprego, vamos distribuir acesso à cultura. É esse país que nós queremos e sabemos como construir. É este país que a gente ver todo santo dia eles falarem que é preciso.” (Grifos no original) Também aqui, com todas as vênias, não identifico grave descontextualização da fala do representado, a ponto de lhe alterar substancialmente o conteúdo, subvertendo–o para que tivesse significação flagrantemente distinta daquela pretendida pelo emissor do discurso. O que há, no meu entender, é o uso legítimo de recursos publicitários, claramente voltados para destacar as diferenças, que são significativas e de conhecimento público, entre as visões de cada um dos candidatos à presidência da República sobre a complexa temática do combate à violência pública. Enquanto o candidato Jair Bolsonaro defende aberta e publicamente a redução da maioridade penal e a ação armada de policiais e até mesmo do próprio cidadão, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, nos termos da sua própria fala utilizada na peça ora questionada, inconformado com a situação do “jovem de 14 e 15 anos assaltando” e “sendo violentado” “porque roubou um celular”, entende que a redução da violência passa, em especial, pelo acesso ao trabalho, pela política de salário, pela democratização dos locais de estudo, além de “acesso à cultura”. Nos dizeres do próprio candidato Luiz Inácio Lula da Silva, nessas condições, “a violência vai cair”. E é
Data de publicação | 19/10/2022 |
---|---|
PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60154229 |
NUMERO DO PROCESSO | 6015422920225999872 |
DATA DA DECISÃO | 19/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | DR |
CLASSE | DIREITO DE RESPOSTA |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Maria Claudia Bucchianeri |
Projeto |