TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Trata–se de Representação, com pedido de liminar, apresentada pela Procuradoria–Geral Eleitoral em desfavor de Cristiane Brasil. Na inicial, o Ministério Público narra, em síntese: i) “chegou ao conhecimento da Procuradoria–Geral Eleitoral vídeo em que o Sr. Roberto Jefferson promove ataque de rara vileza contra magistrada desse Tribunal, a... Leia conteúdo completo
TSE – 6016661220225999872 – Min. Alexandre de Moraes
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Trata–se de Representação, com pedido de liminar, apresentada pela Procuradoria–Geral Eleitoral em desfavor de Cristiane Brasil. Na inicial, o Ministério Público narra, em síntese: i) “chegou ao conhecimento da Procuradoria–Geral Eleitoral vídeo em que o Sr. Roberto Jefferson promove ataque de rara vileza contra magistrada desse Tribunal, a Ministra Cármen Lúcia, a propósito de voto proferido em julgamento dessa Corte”, no qual “usa das mais torpes expressões e se vale de inconcebíveis ofensas à digna magistrada, deduzidas de modo tão abjeto que a transcrição nesta petição não se recomenda”; ii) o vídeo, constante do link https://twitter.com/crisbrasilreal/status/1583433167876153345?s=20&t =90HfCDT5hKJ_xEatZcc3OA , teve sua origem identificada em canal da rede social Twitter de responsabilidade da Representada; iii) “a publicação nada tem de crítica democrática a decisões dos poderes públicos. Trata–se de inequívoca ofensa puramente contumeliosa e sórdida” , com o propósito de desacreditar e rebaixar a Justiça eleitoral à vista dos que assistem ao vídeo, e “que gravemente atinge a integridade do processo eleitoral, justamente por vilipendiar a honorabilidade do Tribunal encarregado de organizar as eleições e de resolver questões surgidas no seu curso e, especialmente, da sua integrante”; iv) a gravidade da conduta pode ser aferida pela grande difusão do conteúdo, um vez que, “no momento em que esta petição é elaborada, registram–se mais de 19.500 visualizações e 472 retweeters”. Em 23/10/2022, deferi a liminar, determinando que: 'i) A rede social Twitter PRESERVE a íntegra do conteúdo divulgado no link https://twitter.com/crisbrasilreal/status/1583433167876153345?s=20&t =90HfCDT5hKJ_xEatZcc3OA , encaminhando cópia de seu teor a esta CORTE; ii) a Representada e a plataforma Twitter procedam à IMEDIATA REMOÇÃO DO VÍDEO, sob pena de multa diária de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a contar de 2 horas da ciência da presente decisão, QUE DEVERÁ SER REALIZADA IMEDIATAMENTE; iii) a Representada se ABSTENHA de realizar nova divulgação, ainda que parcial, do vídeo, sob pena de multa diária de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), por reiteração, no que foi referendada a decisão na sessão extraordinária realizada por meio eletrônico em 28/10/2022' (ID 158311847). Requer, assim: i) a imediata preservação da postagem no âmbito desta CORTE, para outras finalidades; ii) liminarmente, seja determinado “à representada e à plataforma Twitter (esta no endereço de comunicação disposto ao TSE) que promovam a imediata remoção do vídeo, sob pena de multa de R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação”; iii) “que se determine que a representada se abstenha de postar em parte ou totalmente o vídeo impugnado, com iguais astreintes”; iv) “que outros links de igual teor que venham a ser conhecidos sejam também imediatamente removidos, por ordem direta de V. Exa.”; v) “que, ouvida a representada, sejam esses pedidos concedidos em termos definitivos”. É o breve relato. Decido. Além disso, os conteúdos ora impugnados possuem estrita vinculação à especialidade desta Justiça, razão porque não necessariamente serão tutelados pela Justiça comum. Assim, os responsáveis pela mensagem podem criar e renovar a publicação em tantos outros meios de propagação sem que se dê continuidade à persecução judicial criando, portanto, uma expectativa de impunidade por parte daqueles que disseminam conteúdos eleitorais sabidamente inverídicos. Desse modo, passo ao exame de mérito da representação, transformando a decisão em definitiva com a procedência da ação, a partir do julgamento antecipado do feito, nos seguintes termos: A concessão das medidas liminares de urgência pressupõe a demonstração inequívocas de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (o chamado periculum in mora). No caso, verifica–se que a Representada, em seu perfil na rede social Twitter, publicou vídeo (https://twitter.com/crisbrasilreal/status/1583433167876153345?s=20&t =90HfCDT5hKJ_xEatZcc3OA) no qual seu pai, em discurso gravíssimo, com linguagem profundamente insultuosa, profere diversas ofensas à honra e à dignidade da Ministra CÁRMEN LÚCIA em razão do desempenho de sua função jurisdicional no âmbito deste TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. No seu perfil, a divulgação do vídeo foi acompanhada do seguinte comentário: Meu pai voltou com toda a sua indignação! Depois tem quem diga que ele exagera, que não tem razão... ah não? O que aquela bruxa horrorosa fez foi digno de alguma punição severa! Tipo impeachment! Mas o escr*to do Pachecuzinho querendo ser ministro não vai fazer JAMAIS! Conforme tenho reiteradamente enfatizado, A liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto. Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão (GEORGE WILLIAMS. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 15; RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norteamericana. Martins Fontes: 2006; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14), que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva (Tribunal Constitucional Espanhol: S. 47/02, de 25 de febrero, FJ 3; S. 126/03, de 30 de junio, FJ 3; S. 20/02, de 28 de enero, FFJJ 5 y 6). A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando–se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar. No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte–Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado pelo professor da Universidade de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais importante” (The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429). A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos (RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 319; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429). Os legisladores não têm, na advertência feita por DWORKIN, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários políticos úteis e nocivos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 326), devendo–se, portanto, permitir aos candidatos a possibilidade de ampla discussão dos temas de relevância ao eleitor. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os principais temas de interesse do eleitor e também sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais. No caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630–1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando–se a existência de verdades absolutas e permitindo–se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”. RONALD DWORKIN, mesmo não aderindo totalmente ao mercado livre das ideias, destaca que: “a proteção das expressões de crítica a ocupantes de cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos públicos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 324). No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435). As opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271–72). O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688–89, 1959). A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos julgados, que a liberdade de expressão: “constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada no artigo 10.º da Convenção, está submetida a excepções, as quais importa interpretar restritivamente, devendo a necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo convincente. A condição de «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009) A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. Lembremo–nos que, nos Estados totalitários no século passado – comunismo, fascismo e nazismo –, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista (pravda), seja pela criação do Comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção do multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da Democracia. Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que: “o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81). No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar–se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas. O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística; bem como a proliferação de informações, a circulação de ideias; garantindo–se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam. A liberdade de expressão permite que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. Note–se que, em relação à liberdade de expressão exercida inclusive por meio de sátiras, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou sua importância no livre debate de ideias, afirmando que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar”. Considerando a expressão artística representada pela sátira, a Corte entendeu que: “sancionar penalmente comportamentos como o que o requerente sofreu no caso pode ter um efeito dissuasor relativamente a intervenções satíricas sobre temas de interesse geral, as quais podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática”. (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009) A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. Nesse cenário, a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos. Ou seja, a atuação da Justiça Eleitoral deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger o regime democrático, a integridade das Instituições e a honra dos candidatos, garantindo o livre exercício do voto (TSE, RESpe 0600025–25.2020 e AgR no Arespe 0600417–69, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES). A Constituição Federal não permite aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio. A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. Liberdade de expressão não é Liberdade de agressão! Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias! Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos! A lisura do pleito deve ser resguardada, sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (TSE, Representação 0601530–54/DF Rel. Min, LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJe DE 18.3.2021), e, portanto, as competências constitucionais dessa CORTE ELEITORAL, inclusive no tocante à fiscalização, são instrumentos necessários para garantir a obrigação constitucional de se resguardar eleições livres e legítima (TSE, RO–EL 2247–73 e 1251–75, redator para Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES). A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito (STF, Pleno, AP 1044, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES), inclusive pelos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores antes e durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no processo eleitoral (TSE, RO–EL 0603975–98, rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021). Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato. A Constituição Federal não autoriza, portanto, a partir de mentiras, ofensas e de ideias contrárias à ordem constitucional, a Democracia e ao Estado de Direito, que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores propaguem inverdades que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições. No caso concreto, trata–se de divulgação de vídeo com conteúdo gravíssimo, repleto de ataques sórdidos e marginais à honorabilidade de Ministra desta CORTE e do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL por ato praticado no desempenho de sua função jurisdicional, traduzindo inegável ofensiva visando a atingir a própria independência e dignidade institucional do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. O teor do vídeo, assim, longe de se inserir no âmbito da crítica legítima a decisões judiciais, constitui clara investida contra a integridade do processo eleitoral, tendente não apenas a transgredir a honra de Ministra desta CORTE, mas, também, como bem ressaltou a Procuradoria–Geral Eleitoral, “vilipendiar a honorabilidade do Tribunal encarregado de organizar as eleições e de resolver questões surgidas no seu curso”. Nesse contexto, cumpre ressaltar a advertência formulada pelo Ministro CELSO DE MELLO, no sentido de que “nenhuma agremiação partidária nem líderes políticos ou instituições da República ou grupos organizados ou pessoas em geral podem cometer atos que estimulem a prática da violência, ou o descumprimento de ordens judiciais ou que sustentem medidas que objetivem a própria destruição do sistema democrático, com o consequente desrespeito aos direitos assegurados pela Lei Fundamental do Estado, sob pena de o modelo normativo instituído pelo ordenamento constitucional proteger e amparar, paradoxalmente, aqueles que visam destruí–lo, assumindo o papel desprezível e criminoso de verdades iconoclastas da República e do sistema democrático” (ADPF 572, Rel. Min. EDSON FACHIN, Voto Min. CELSO DE MELLO, Pleno, DJe de 7/5/2021). De fato, embora as decisões judiciais se mostrem sujeitas a críticas, podendo ser questionadas mediante o sistema recursal, a Constituição Federal não legitima a adoção de comportamentos arbitrários e a propagação de discurso covarde e repugnante com o intuito de vilipendiar a honorabilidade institucional do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL e, consequentemente, de interferir na independência dos juízes desta CORTE no cumprimento da relevante função de preservar a higidez e a lisura do processo eleitoral. Verificada a gravidade da situação retratada nestes autos, a envolver evidente divulgação de conteúdo visando a atingir a integridade do processo eleitoral, cumpre ao TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, conforme o art. 2º, § 1º, da Res.–TSE 23.714/2022, determinar a imediata remoção do conteúdo: Art. 2º. É vedada, nos termos do Código Eleitoral, a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos. § 1º Verificada a hipótese prevista no caput, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão fundamentada, determinará às plataformas a imediata remoção da URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação Ante o exposto, DEFIRO A LIMINAR, determinando que: i) A rede social Twitter PRESERVE a íntegra do conteúdo divulgado no link https://twitter.com/crisbrasilreal/status/1583433167876153345?s=20&t =90HfCDT5hKJ_xEatZcc3OA , encaminhando cópia de seu teor a esta CORTE; ii) a Representada e a plataforma Twitter procedam à IMEDIATA REMOÇÃO DO VÍDEO, sob pena de multa diária de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a contar de 2 horas da ciência da presente decisão, QUE DEVERÁ SER REALIZADA IMEDIATAMENTE; iii) a Representada se ABSTENHA de realizar nova divulgação, ainda que parcial, do vídeo, sob pena de multa diária de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), por reiteração. Assim, reafirmada a conclusão quanto à ilicitude do conteúdo impugnado, passa–se a aferir a viabilidade jurídica da imposição de multa e de remoção definitiva. Na hipótese, o vídeo impugnado foi publicado na rede social em 23/10/2022, ou seja, no período eleitoral concernente ao segundo turno das Eleições para o cargo de Presidente da República. Nada obstante a ausência de enquadramento no dispositivo indicado na petição inicial, mostra–se plenamente viável ao TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL proceder à adequada qualificação jurídica dos fatos, uma vez que, conforme a orientação jurisprudencial desta CORTE, 'os limites do pedido são demarcados pela ratio petendi substancial, vale dizer, segundo os fatos imputados à parte passiva, e não pela errônea capitulação legal que deles se faça' (Ag. 3.066, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 17/5/2002). Desse modo, por se tratar de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada pela internet, melhor se ajusta ao caso o art. 57–D da Lei 9.504/1997: Art. 57–D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58–A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) § 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) § 3o Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013) Não se ignora que, ao interpretar o dispositivo, a jurisprudência desta CORTE, para eleições anteriores, firmou o entendimento no sentido de que a multa nele prevista é restrita à hipótese em que a propaganda é divulgada por pessoa não identificada, ou seja, “não sendo anônima a postagem de vídeo em página da rede social Facebook (na qual se veiculou vídeo em tese ofensivo a candidato), descabe sancionar o agravante com base no referido dispositivo” (AgR–REspe 76–38, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 2/4/2018). No mesmo sentido: Rp. 0601697–71, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 10/11/2020; AREspe 0600604–22, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 9/9/2022; AgR–REspe 0600603–37, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 4/4/2022. Nada obstante, tendo em vista o grave contexto de propagação reiterada de desinformação, com inegável impacto na legitimidade das eleições, deve–se proceder à reinterpretação do dispositivo, de forma a melhor ajustar–se à finalidade da JUSTIÇA ELEITORAL, especialmente deste TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no combate às fake news na propaganda eleitoral. Realmente, a partir da leitura do dispositivo, não se mostra viável depreender que o ilícito se restringe à hipótese de anonimato, tornando insuscetíveis de punição outros abusos na livre manifestação de pensamento. O teor da norma, na verdade, embora especialmente relacionado a atos ocorridos por meio da internet, apresenta teor extremamente semelhante ao disposto no art. 5º, IV, da Constituição Federal – “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” –, o qual, como se sabe, não consagra a liberdade de expressão como direito absoluto e nem limita os excessos às hipóteses de anonimato, razão pela qual abusos no exercício desse direito fundamental não se mostram imunes à sanções impostas pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, é firme a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que 'o direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo–se, por isso mesmo, às restrições que emergem do próprio texto da Constituição, destacando–se, entre essas, aquela que consagra a intangibilidade do patrimônio moral de terceiros, que compreende a preservação do direito à honra e o respeito à integridade da reputação pessoal' (ED–ARE 891.647, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 21/9/2015). Nessa linha: HC 82.424, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Red. p/ acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno, DJ de 19/3/2004; ADPF 496, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, DJe de 24/9/2020; HC 141.949, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 23/4/2018. Assim, não é possível conferir ao art. 57–D a interpretação segundo a qual, tão somente pelo fato de haverem sido publicadas na internet, os autores pelos excessos na liberdade expressão ocorridos na propaganda eleitoral, ressalvados os casos de anonimato, não se sujeitam à sanção pecuniária, uma vez que se trata de compreensão restritiva destituída de respaldo expresso no enunciado normativo e que conflita, como visto, com a interpretação conferida à livre manifestação de pensamento. Além disso, tal diferenciação quanto à possibilidade de impor sanção pecuniária não encontra justificativa concreta, pois a disseminação de fake news, ainda que realizada por responsável identificado, produz os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das Eleições, considerando–se a higidez das informações acessíveis ao eleitor, do que àquela propagada por usuário apócrifo, razão pela qual a ratio da norma proibitiva em questão não pode se restringir aos casos de anonimato. No mais, essa interpretação, que viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela propagação de desinformação na internet, revela–se mais consentânea com a crescente preocupação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA no combate à desinformação, de modo que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática, tendo em vista seu caráter repreensivo aos autores que, até então, não se acham alcançadas pela punição. Nesse sentido, conforme já assentou esta CORTE, “a proliferação de mensagens falsas na internet tem alcançado grande repercussão na esfera eleitoral e consiste em tema que tem gerado acirradas discussões, diante da dificuldade de controle desses conteúdos, haja vista a facilidade de acesso a qualquer tipo de informação na rede mundial de computadores e em aplicativos de transmissão de mensagens eletrônicas, o que foi notoriamente potencializado pela proliferação do uso de smartphones, por meio dos quais é possível o compartilhamento imediato de conteúdo, geralmente sem nenhum tipo de averiguação prévia quanto à origem e à veracidade da informação' (REspe 0600024–33, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 7/3/2022). Mesmo nas Eleições 2016, ainda que sob a ótica de abuso de poder, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL já manifestava preocupação em relação a situações abusivas, incluindo–se a propagação de fake news, na internet, ocasião em que ficou registrado que “não cabe impor limites onde a lei não restringe, não merecendo respaldo a interpretação restritiva dada pelo Tribunal Regional no caso concreto, ainda mais em tempos hodiernos em que a Internet e suas múltiplas ferramentas e plataformas ganham densa relevância nas disputas eleitorais, sobretudo com o diminuto custo envolvid
Data de publicação | 08/12/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60166612 |
NUMERO DO PROCESSO | 6016661220225999872 |
DATA DA DECISÃO | 08/12/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | RJ |
MUNICÍPIO | RIO DE JANEIRO |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Representação |
PARTES | CRISTIANE BRASIL FRANCISCO, Ministério Público Eleitoral |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Alexandre de Moraes |
Projeto |