TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Na inicial, os Autores narram, em síntese: i) 'no dia 22.10.2022 (sábado) e dia 23.10.2022 (domingo) os representados veicularam por 10 (dez) vezes – duas vezes no período da manhã, duas vezes no período da tarde e uma vez no período da noite, tanto no sábado quanto no domingo – a inserção (anexa), em todas as emissoras de rádio, vocacionada à... Leia conteúdo completo
TSE – 6016730420225999872 – Min. Alexandre de Moraes
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Na inicial, os Autores narram, em síntese: i) 'no dia 22.10.2022 (sábado) e dia 23.10.2022 (domingo) os representados veicularam por 10 (dez) vezes – duas vezes no período da manhã, duas vezes no período da tarde e uma vez no período da noite, tanto no sábado quanto no domingo – a inserção (anexa), em todas as emissoras de rádio, vocacionada à honra do Presidente Jair Messias Bolsonaro – que, como maliciosamente planejada, atentou severamente contra a imagem do candidato Representante, em franca violação à legislação de regência e ao mais recente entendimento jurisprudencial do Eg. TSE'; ii) na publicidade, 'os Representados valem–se áudios de pessoas em situação de dor e sofrimento causadas pela COVID–19 para, a partir de MONTAGENS, mediante o encadeamento de falas DESCONTEXTUALIZADAS do Presidente Jair Bolsonaro, criar a FALSA percepção de que o candidato estaria REAGINDO e RESPONDENDO às pessoas em forte estado de sofrimento e desespero, com críticas, deboche, agressividade, indiferença e insensibilidade extremas, de modo a imputar ao candidato a pecha de pessoa desumana e cruel, como estratégia publicitária de ofensa ao adversário'; iii) 'é absurdo, e beira as raias da insanidade, sustentar juridicamente a possibilidade de a Coligação adversária incutir no imaginário popular, impunemente e sem qualquer reprimenda jurídica, a ideia de que Jair Bolsonaro seria indiferente, e pior, que ridicularizaria as mortes provocadas pela pandemia de Covid–19, utilizando de montagens com falas do Presidente complemente descontextualizadas'; iv) busca–se 'transmitir uma falsa ideia de que o Presidente teria agido com frieza monstruosa, ridicularizando e ofendendo pessoas doentes, em estado de forte sofrimento decorrente do Covid–19, em desavergonhada exploração da pandemia'; v) 'mediante estratégia ilegal e repugnante, busca–se transformar o adversário em verdadeiro MONSTRO, aos olhos do eleitor'; vi) 'não são necessários muitos esforços silogísticos para depreender que (des) veladamente a Coligação adversária lastimavelmente intenta incutir no imaginário popular que o candidato Jair Bolsonaro teria feito chacota com as graves mortes da Covid–19', tratando–se de 'VERDADEIRO DISCURO DE ÓDIO'. Requerem, liminarmente, 'a concessão da tutela de urgência requestada, a fim de que se determine a imediata retirada e se proíba a retransmissão, por quaisquer meios de propaganda eleitoral, da inserção constante do áudio anexo, com expedição de ordem ao pool de emissoras de rádio para que promova a interrupção da transmissão, sob pena de multa de R$ 50.000,00, a ser arcada de maneira solidária pela emissora que fizer a transmissão, para cada vez que a inserção for veiculada'. No mérito, pretendem a confirmação da liminar e o reconhecimento da prática do ilícito, julgando procedente a representação, 'com esteio nos arts. 53, §1º e §2º, da Lei das Eleições, e 9º e 9º–A, da Resolução/TSE nº 23.610/2019, para o fim de restar definitivamente proibida a retransmissão da inserção ora impugnada por qualquer meio de propaganda eleitoral'. Os autos foram distribuídos à Ministra CÁRMEN LÚCIA e, nos termos da Portaria–TSE 1007/2022, vieram–me conclusos, considerada a existência do pedido de liminar. A concessão das medidas liminares pressupõe a demonstração da presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (o chamado periculum in mora). No caso concreto, em juízo de cognição sumária, inerente ao exame das medidas cautelares, não se mostram preenchidos os requisitos, tendo em vista a ausência de plausibilidade jurídica dos argumentos veiculados. A propaganda impugnada reproduz falas do candidato Jair Bolsonaro, intercaladas com áudios de outras pessoas, supostamente concernentes a momentos da pandemia no Brasil. A publicidade tem o seguinte teor: Pessoa: Por favor! Tem muita gente morrendo. Candidato:Vão ficar chorando até quando? Pessoa: “Por favor, alguém que possa, que tá aí, me ajudar...” Candidato: Estou com Covid (risos ao fundo). Candidato: Não é competência nossa levar, nem atribuição nossa, levaroxigênio pra lá. Candidato: Não sou coveiro. Locutor: Não esqueceremos! Bolsonaro nunca mais! A partir de tal contexto, cumpre enfatizar que a liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso às informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando–se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar. A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que: “o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81). No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar–se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas. A liberdade de expressão permite que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. A Constituição Federal não permite aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio. A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato. Por essa razão, é certo que 'a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrática de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto' (AgR–REspe 0600396–74, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 21/3/2022). No caso, embora os Representantes afirmem que a propaganda reproduz teor ofensivo à honra do candidato, verifica–se que o conteúdo da publicidade, com base em trechos de falas efetivamente ditas por Jair Bolsonaro, visa a questionar a postura adotada pelo Chefe do Poder Executivo no combate à pandemia da Covid–19, tema que apresenta relevância social e inserido no debate eleitoral. Nada obstante o tom ácido e até mesmo apelativo empregado na propaganda, ao menos neste juízo de cognição sumária, o teor da propaganda situa–se no âmbito do exercício da crítica às falas e aos pronunciamentos do candidato proferidos durante a pandemia, revelando–se compatível com a dialética do debate político, inerente ao ambiente da disputa eleitoral que envolve, naturalmente, questionamentos, mesmo grosseiros, a discursos pretéritos e a ações realizadas durante o mandato do candidato que disputa à reeleição no específico momento da pandemia, considerada a crise sanitária de inegável repercussão social. De fato, ainda que a jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL exija, para a configuração de propaganda eleitoral negativa, a existência de 'ato que, desqualificando pré–candidato, venha a macular sua honra ou a imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico” (AgR–REspe 0600016–43, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 13/12/2021), também é certo que 'não é qualquer crítica contundente a candidato ou ofensa à honra que caracteriza propaganda eleitoral negativa', de modo que 'as críticas políticas, ainda que duras e ácidas, ampliam o fluxo de informações, estimulam o debate sobre os pontos fracos dos possíveis competidores e de suas propostas e favorecem o controle social e a responsabilização dos representantes pelo resultado das ações praticadas durante o seu mandato' (REspe 0600057–54, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 22/6/2022). Da mesma forma, a orientação jurisprudencial do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é firme no sentido de que, 'ao decidir–se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar de zona di iluminabilitá, resignando–se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários' (HC 78.426, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 7/51999). No mesmo sentido: Inq. 3.546, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 1º/10/2015. Assim, mesmo que revele crítica contundente, a relação da propaganda com questionamentos sobre as falas e comportamentos do Representante ocorridos durante a crise sanitária, inexistindo divulgação de fato sabidamente inverídico ou grave descontextualização de conteúdo, afasta a plausibilidade jurídica dos argumentos veiculados, tendo em vista a aparente compatibilidade da publicidade com o debate eleitoral. o que desautoriza a intervenção desta CORTE. As falas em questão contaram ampla divulgação da mídia tradicional. Assim, em exame preliminar da causa, inexistem elementos, ainda que indiciários, de ofensa ou conteúdo falso, não sendo possível a atuação desta JUSTIÇA ELEITORAL para impedir eventual mensagem subliminar. Ressalte–se, ainda, que, na RP 0601235–75.2022.6.00.0000, de Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, julgada em 16/10/2022, em que se impugnava vídeo com conteúdo semelhante, relacionado a imagens e falas do representante na Pandemia, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, embora concluindo haver irregularidade na propaganda por ter sido impulsionada, ressaltou que 'o conteúdo não seria impróprio, nem poderia ser glosado por esta Justiça Eleitoral, não fosse o meio de que se valeu a representada para veicular a mensagem, a qual, pelas suas caracterísitcas e consequências submete–se a regime jurídico específico.' Ante o exposto, INDEFIRO A LIMINAR. Citem–se os Representados para, querendo, apresentar defesa, nos termos do art. 18 da Res.–TSE 23.608/2019. Encaminhem–se os autos à eminente Relatora para fins de referendo da decisão, conforme o art. 2º da Portaria 791/2022. Publique–se com urgência. Brasília, 23 de outubro de 2022. Ministra ALEXANDRE DE MORAES Presidente
Data de publicação | 24/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60167304 |
NUMERO DO PROCESSO | 6016730420225999872 |
DATA DA DECISÃO | 24/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | representação |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Alexandre de Moraes |
Projeto |