TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Trata–se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil e por Jair Messias Bolsonaro em desfavor da Coligação Brasil da Esperança e de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da qual se insurgem contra a veiculação, no dia 22/10/2022, por 5 vezes, de propaganda eleitoral nas emissoras de rádio. Na inicial, os... Leia conteúdo completo
TSE – 6016774120225999872 – Min. Alexandre de Moraes
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECISÃO Trata–se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil e por Jair Messias Bolsonaro em desfavor da Coligação Brasil da Esperança e de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da qual se insurgem contra a veiculação, no dia 22/10/2022, por 5 vezes, de propaganda eleitoral nas emissoras de rádio. Na inicial, os Autores narram, em síntese: i) 'No dia 22.10.2022 (sábado), os Representados veicularam 5 vezes (1 vez pela manhã, 2 vezes pela tarde e 2 vezes pela noite) a inserção (anexa) de 30 segundos em rádio maculada com fato inverídico, vocacionado à ofensa moral do Presidente Jair Messias Bolsonaro, em franca violência à legislação eleitoral e o mais recente entendimento jurisprudencial do Eg. TSE'; ii) 'a referida inserção, produzida mediante mecanismos sofisticados de indução de pensamentos negativos sobre candidato adversário, degrada a imagem do Presidente Jair Messias Bolsonaro, ambicionando imputar, no seio do eleitorado, de forma absolutamente descontextualizada e vil, a (falsa) sensação de que ele seria uma pessoa desumana, insensível à situação das pessoas e dos trabalhadores porquanto reduziria o poder de compra do salário mínimo e acabaria com o 13º salário e as férias'; iii) 'quanto à desvinculação do salário mínimo da inflação, a propaganda é desonesta e se utiliza de inverdades ao afirmar que 'o governo Bolsonaro anunciou o fim dos reajustes pela inflação do salário mínimo e das aposentadorias', vinculando essa frase à compreensão de que, por decisão (inexistente!) de Jair Bolsonaro trabalhadores e pensionistas irão ser impactados negativamente com essa proposta, buscando, de forma covarde e insensível, induzir pânico nas pessoas mais carentes'; iv) a informação é enganosa, 'tendo ocorrido, em realidade, a apresentação de uma possível proposta do governo – que demandaria, ainda, inúmeras discussões, avaliações diversas, por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC)'; v) a propaganda conduz à equivocada conclusão de que a proposta do governo seria reduzir o poder de compra de trabalhadores e pensionista com a desvinculação do reajuste do salário mínimo do índice de inflação; vi) conforme pronunciamento do Ministro da Economia, Paulo Guedes, 'a proposta de desvinculação jamais teve por desiderato a realização de reajustes abaixo da inflação', mas a viabilização da correção do salário mínimo em índices superiores a ela, medida que ainda depende de previsão legislativa; vii) no tocante à extinção do 13º salário mínimo e das férias, 'a propaganda indica como fonte de sua afirmação notícia antiga e sem qualquer correspondência com a realidade'; viii) 'a agência de checagem Boatos.org, no dia 21/10/22, confirmou se tratar de informação falsa qualquer alegação de que o candidato Jair Bolsonaro irá acabar com férias, 13º e FGTS'. Requerem, liminarmente, 'a concessão da tutela de urgência requestada, a fim de que se determine a imediata retirada e se proíba a retransmissão, por quaisquer meios de propaganda eleitoral, da inserção constante da mídia anexa, arbitrando–se astreintes em valor proporcional à eventual desobediência'. No mérito, pretendem a confirmação da liminar e o reconhecimento da prática do ilícito, determinando que os Representados sejam definitivamente proibidos de divulgar a desinformação em questão, por qualquer meio de transmissão. Os autos foram distribuídos ao Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO e, nos termos da Portaria 1007/2022, vieram–me conclusos, tendo em vista o pedido de liminar. É o relatório. Decido. A concessão das medidas liminares pressupõe a demonstração da presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (o chamado periculum in mora). No caso concreto, em juízo de cognição sumária, inerente ao exame das medidas cautelares, não se mostram preenchidos os requisitos, tendo em vista a ausência de plausibilidade jurídica dos argumentos veiculados. A propaganda impugnada, transmitida na rádio, apresenta o seguinte teor: Narrador: Você que sofre para pagar as contas e o mercado. Você que é aposentado, você deveria estar com medo. Essa semana, o governo Bolsonaro anunciou o fim dos reajustes pela inflação do salário mínimo e das aposentadorias. Se já está difícil viver agora, com o Bolsonaro vai piorar. O próximo alvo é acabar com o 13º e as férias. Não é à toa que maus patrões tentam forçar seus funcionários a votarem em Bolsonaro. Mas o nosso voto é secreto. Bolsonaro nunca mais. A partir de tal contexto, cumpre enfatizar que a liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso às informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando–se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar. A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que: “o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81). No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar–se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas. A liberdade de expressão permite que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. A Constituição Federal não permite aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio. A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato. Por essa razão, é certo que 'a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrática de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto' (AgR–REspe 0600396–74, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 21/3/2022). No caso, embora os Representantes afirmem que a propaganda reproduz fatos sabidamente inverídicos com a finalidade de ofender a honra de Jair Bolsonaro, verifica–se que o conteúdo da publicidade está direcionado a questionar as repercussões relativas à desindexação de despesas do orçamento cuja discussão, consideradas declarações do Ministro da Economia, foi amplamente divulgada pela mídia. Trata–se, no ponto, de debate a respeito de possíveis propostas a respeito da economia e suas eventuais consequências, revelando–se compatível com a dialética do debate político, inerente ao ambiente da disputa eleitoral. No tocante ao 13º salário e férias, a propaganda em nenhum momento aponta que o candidato Jair Bolsonaro pretende a supressão de tais direitos trabalhistas. A afirmação contida na peça publicitária, considerado o tom negativo utilizado em relação à possível piora da situação econômica, aparenta, na verdade, conotação de advertência sob a perspectiva de que, no caso de vitória do candidato adversário, economia irá piorar ('Se já está difícil viver assim, com Bolsonaro vai piorar'). Vincular a eleição do outro candidato à piora da situação econômica do país constitui estratégia ínsita a campanhas eleitorais e à dialética inerente ao debate político, de modo que afirmações nesse sentido, por si sós, não representam qualquer situação de abuso à livre manifestação de pensamento que legitime a atuação da JUSTIÇA ELEITORAL. De fato, ainda que a jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL exija, para a configuração de propaganda eleitoral negativa, a existência de 'ato que, desqualificando pré–candidato, venha a macular sua honra ou a imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico” (AgR–REspe 0600016–43, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 13/12/2021), também é certo que 'não é qualquer crítica contundente a candidato ou ofensa à honra que caracteriza propaganda eleitoral negativa', de modo que 'as críticas políticas, ainda que duras e ácidas, ampliam o fluxo de informações, estimulam o debate sobre os pontos fracos dos possíveis competidores e de suas propostas e favorecem o controle social e a responsabilização dos representantes pelo resultado das ações praticadas durante o seu mandato' (REspe 0600057–54, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 22/6/2022). Da mesma forma, a orientação jurisprudencial do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é firme no sentido de que, 'ao decidir–se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar de zona di iluminabilitá, resignando–se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários' (HC 78.426, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 7/51999). No mesmo sentido: Inq. 3.546, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 1º/10/2015. Assim, mesmo que revele crítica e indique que a vitória do candidato adversário constitui cenário economicamente negativo, a relação da propaganda com questionamentos sobre propostas econômicas amplamente divulgadas na mídia a partir de falas do Ministro da Economia, inexistindo divulgação de fato sabidamente inverídico ou grave descontextualização de conteúdo, afasta a plausibilidade jurídica dos argumentos veiculados, de modo que a discussão dos aspectos questionados na Representação, na verdade, deve ser realizada no contexto do antagonismo e da disputa política, revelando–se inviável a pretensão de transferir o debate sobre o tema para o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, cuja intervenção deve limitar–se à preservação da integridade do processo eleitoral. Do mesmo modo, como bem apontou o Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO na Rp. 0601455–73, os Representantes dispõem dos mesmos espaços de comunicação para contraditar tais informações, não se mostrando demonstrada a necessária plausibilidade jurídica dos argumentos que confira respaldo à atuação da Justiça Eleitoral neste aspecto. Ante o exposto, INDEFIRO A LIMINAR. Citem–se os Representados para, querendo, apresentar defesa, nos termos do art. 18 da Res.–TSE 23.608/2019. Encaminhem–se os autos ao eminente Relator para referendo, nos autos do art. 2º da Portaria 791/2022. Publique–se com urgência. Brasília, 24 de outubro de 2022. Ministro ALEXANDRE DE MORAES Presidente
Data de publicação | 24/10/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60167741 |
NUMERO DO PROCESSO | 6016774120225999872 |
DATA DA DECISÃO | 24/10/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | Não especificado |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | representação |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL, JAIR MESSIAS BOLSONARO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Alexandre de Moraes |
Projeto |