TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO Nº 0601701–11.2018.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relator: Ministro Sérgio Banhos Representantes: Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos (PSL/PRTB) e Jair Messias Bolsonaro Advogados: Karina de Paula Kufa e outros Representados: Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PCdoB/PROS) e Fernando Haddad... Leia conteúdo completo
TSE – 6017011120186000384 – Min. Sergio Silveira Banhos
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO Nº 0601701–11.2018.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relator: Ministro Sérgio Banhos Representantes: Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos (PSL/PRTB) e Jair Messias Bolsonaro Advogados: Karina de Paula Kufa e outros Representados: Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PCdoB/PROS) e Fernando Haddad Advogados: Eugenio José Guilherme de Aragão e outros DECISÃO Trata–se de representação eleitoral, com pedido de direito de resposta e de tutela de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil Acima Tudo, Deus Acima de Todos (PSL/PRTB) e por Jair Messias Bolsonaro contra a Coligação O Povo Feliz de Novo e Fernando Haddad, sob o argumento de irregularidade na propaganda, no horário gratuito, em bloco, veiculada no rádio em 13.10.2018, na qual teriam sido utilizados recursos de trucagem e montagem e proferidas mentiras, em ofensa à honra do candidato representante. Os representantes alegam, em síntese, que (ID 534871): a) o vídeo veiculado imputa ao candidato representante a responsabilidade por casos de violência, sem nenhuma comprovação; divulga fake news, ao afirmar que Jair Bolsonaro votou contra a lei que protege as pessoas com deficiência; utiliza a fala do candidato fora do contexto e da explicação quanto à votação da PEC das domésticas; e utiliza montagem e trucagem para distorcer as palavras do representante na entrevista realizada; b) o candidato tem manifestado repúdio a qualquer tipo de violência, o que demonstra a inveracidade das afirmações contidas na propaganda impugnada; c) quanto ao homicídio do capoeirista, o próprio acusado afirmou que a motivação do crime não foi política; d) com relação ao ataque sofrido por uma garota de 19 anos por neonazistas que a teriam marcado com canivete, as investigações apontam para dúvidas sobre a veracidade da narrativa da vítima e, ainda que seja verdade, não existe nenhuma prova de que a violência teria sido praticada a mando do candidato Jair Bolsonaro, com sua conivência ou influência; e) “quando dizem ‘o comportamento do Bolsonaro inspira'[,] usam a onda de criminalidade que assola o país e criam a falsa sensação de que o Representante criou ou tem alguma responsabilidade sobre isso. Criam estados emocionais de medo, de pavor, de insegurança” (p. 6); f) os representados afirmam que teriam sido praticados mais de 50 atos de violência, realizando uma associação com o candidato representante, sem nenhuma plausibilidade; g) a propaganda foi utilizada para proferir mentiras e criar fatos sabidamente inverídicos para confundir o eleitorado; h) no programa impugnado, afirmou–se que o candidato Jair Bolsonaro votou contra os mais pobres, imputando–lhe conduta discriminatória e estimulando o ódio de classe, mediante clara difamação, em ofensa ao art. 58 da Lei nº 9.504/1997; i) foram utilizados os recursos de montagem e trucagem para distorcer a entrevista realizada pelo candidato representante a respeito da PEC das domésticas, situação que foi objeto de decisão proferida pelo Min. Luis Felipe Salomão nos autos da Rp nº 0601053–31/DF, julgada procedente; j) foi divulgada fake news ao se afirmar que o candidato Jair Bolsonaro votou contra a lei que protege as pessoas com deficiência, uma vez que o projeto de lei foi aprovado por unanimidade; e k) quanto ao projeto relacionado às pessoas com deficiência, “Jair Bolsonaro votou apenas contra um destaque do texto proposto, ele se opôs ao inciso VI, § 4º, Art. 18, que versava sobre o “respeito à especificidade, à identidade de gênero e à orientação sexual da pessoa com deficiência” (p. 10). Em caráter liminar, requerem a suspensão imediata da propaganda. No mérito, solicitam a procedência da representação “para deferir o Direito de Resposta ao candidato Representante, em tempo não inferior à veiculação da propaganda, e, confirmando a medida liminar, impeça que seja novamente veiculada a propaganda impugnada” (p. 14). Por entender que extraíam da propaganda eleitoral impugnada elementos suficientes à configuração da alegada transgressão, deferi a tutela de urgência e determinei que os representados fizessem cessar imediatamente a divulgação da propagada eleitoral impugnada (ID 540903). Em defesa, os representados argumentam que, quanto à responsabilidade do candidato representante por casos de violência, os fatos tidos como inverídicos foram amplamente divulgados pela imprensa e inclusive o próprio candidato Jair Bolsonaro se pronunciou publicamente sobre os casos (ID 545055). Esclarecem que foi realizado um levantamento pela Agência de Jornalismo Investigativo “A Pública”, em que “ficou constatado que apoiadores de Bolsonaro realizaram, ao menos, 50 ataques em todo país” (p. 8). Quanto à utilização da fala do candidato representante sobre a “PEC das domésticas” e da alegação de montagem e trucagem, defendem que se trata da divulgação do posicionamento de Jair Bolsonaro acerca da “PEC das Domésticas”, “em que declara que foi o único parlamentar a votar contra todos os direitos trabalhistas das empregas domésticas nos dois turnos de votação” (p. 4). Ponderam que não se trata de alteração ou tentativa de falsear a realidade dos fatos, porquanto a propaganda buscou expor acontecimentos efetivamente ocorridos. No que concerne à veiculação de suposto fato inverídico, os representados reconhecem que houve uma falha ao veicular a informação de que o candidato representante votou contra a lei que protege as pessoas com deficiência. Aduzem que “a informação que se procurava passar aos eleitores era de que Jair e Eduardo Bolsonaro se opuseram a um importante destaque do Projeto de Lei Brasileira de Inclusão” e o que ocorreu no caso não foi uma mentira, mas uma imprecisão na hora de divulgar a informação (p. 7). Por fim, pugnam pela improcedência da representação. Os representados interpuseram recurso eleitoral contra decisão em que deferi o pedido liminar (ID 545059). A PGE manifestou–se pela parcial procedência da representação, em parecer assim ementado (ID 553887): Eleições 2018. Presidente da República. Representação. Propaganda eleitoral. Direito de resposta. Veiculação de afirmações sabidamente inverídicas. Parcial ocorrência. Frase proferida em entrevista. Distorção do contexto. Necessidade de resposta. 1. A afirmação que se baseia em fatos sobre os quais paira significativa controvérsia não é qualificada como inverdade manifesta e não legitima, por essa razão, a concessão do direito de resposta tutelado pela legislação eleitoral. 2. Referências a fatos públicos e notórios, amplamente divulgados nos meios de comunicação social, não possuem caráter ofensivo a ensejar a concessão de direito de resposta. 3. A propaganda eleitoral que, de outro lado, dá ensejo a interpretações equivocadas, falsas conclusões pelo eleitorado, ou veicula afirmação manifestamente inverídica, autoriza o desagravo a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/1997. Parecer pela parcial procedência da representação. É o relatório. Decido. Ab initio, anoto ser incabível o recurso inominado interposto contra a decisão na qual deferi a liminar, diante do que prescreve o art. 19 da Res.–TSE nº 23.478/2016, in verbis: “as decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato por não estarem sujeitas a preclusão, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra a decisão definitiva de mérito”. No caso em exame, os representantes se insurgem contra propaganda eleitoral veiculada no rádio, na modalidade bloco, em 13.10.2018, que possui o seguinte conteúdo (ID 534871, p. 2–3): Começa agora o programa Haddad Presidente 13. Todos pelo Brasil. PERSONAGEM 1: Você já parou pra pensar no que o comportamento do Bolsonaro inspira entre alguns setores da população? Escuta ai o que o cara disse: BOLSONARO: Vamos fuzilar a petralhada. Os caras tão na rua querendo fazer. BOLSONARO: Vamos fuzilar! Vamos fuzilar! Aconteceu na Bahia. PERSONAGEM 2: Mataram um homem de bem! Um pai de família, só porque ele votava no PT. Doze facadas, uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze facadas, por ódio, por raiva, porque não tinha mais argumentos. Em Natal mataram um homem só porque ele tava de camisa vermelha (vamos fuzilar!). Na covardia a moça foi arrastada, ameaçada, fizeram a canivete uma suástica nazista na barriga dela. Até a memória de Marielle, vítima de um crime bárbaro político tem sido desrespeitada. Mais de 50 atos, agora 70, agora um na minha esquina, hoje foi comigo na rua, com meu vizinho, o do churrasco, o da cerveja, virou bicho, gritava o nome, chamou de mito, veio para cima (vamos fuzilar!). PERSONAGEM 3: Eu quero viver em paz! PERSONAGEM 4: Bolsonaro mente para encobrir a realidade, ele tem muito o que esconder. De 28 anos como deputado não aprovou um único projeto para a segurança do Rio de Janeiro, um dos Estados mais violentos do País. Mas, na câmara, ficou amigo de Eduardo Cunha e votou sempre contra projetos que beneficiavam as pessoas mais pobres. O que ele fez pela segurança do Rio de Janeiro? O que Bolsonaro faz e diz de verdade? Bolsonaro é deputado há 28 anos e votou contra os mais pobres, votou contra os direitos dos trabalhadores, votou contra a lei que protege as pessoas com deficiência, votou contra os direitos das empregadas domésticas. BOLSONARO: Por exemplo, eu fui o único parlamentar que votou, nos dois turnos, contra os direitos trabalhistas das empregadas domésticas. PERSONAGEM 5: Contra o Bolsa Família, vota contra salário. PERSONAGEM 6: Um cara desse quer governar o meu país. PERSONAGEM 7: Chega né? Já basta o Temer. Bolsonaro, quando você descobre a verdade você não vota nele. PERSONAGEM 8: Bolsonaro defende a ditadura militar, a tortura, emprega funcionário fantasma. Usou recursos públicos para manter um apartamento em Brasília pra comer gente, como ele mesmo falou. BOLSONARO: Eu tava solteiro naquela época, e esse dinheiro do auxílio moradia eu usava pra comer gente. Conforme consignei na decisão liminar, a utilização dos recursos de trucagem e montagem é vedada pela legislação eleitoral. Nesse sentido, esclarecem Carlos Mário da Silva Velloso e Walber de Moura Agra: Trucagem é todo e qualquer efeito realizado em áudio ou vídeo que degrada ou ridiculariza candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade, beneficiando ou prejudicando qualquer candidato, partido político ou coligação (art. 45, § 4º, da Lei n. 9.504/97). Assim, com o acréscimo deste novo dispositivo, fica estabelecido o que se deve compreender por trucagem, pondo fim às controvérsias sobre seu conceito: especialmente se se levar em consideração a gama de possibilidades que a tecnologia moderna oferece para práticas que levem candidatos, partidos políticos ou coligações ao escárnio público. Entende–se por montagem toda e qualquer junção de registras de áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação (art. 45, § 5º, da Lei n. 9.504/97). Com a mesma finalidade da disposição anterior, esta inovação traz o conceito de montagem, também referida na mesma lei. (VELLOSO, Carlos Mário da Silva e AGRA, Walber de Moura de Moutra. Elementos de Direito Eleitoral. 4. Ed. São Paulo: 2014, p. 238) Na hipótese dos autos, após ouvir atentamente o áudio da propaganda questionada, verifiquei que houve sobreposição e repetição de sons à fala do candidato Jair Bolsonaro, sugerindo a utilização de montagem e trucagem, de modo a desvirtuar a realidade dos fatos, por meio da vinculação da fala do candidato à violência que aflige a população brasileira. Deve–se ressaltar, ademais, que se trata de propaganda veiculada em rádio, o que potencializa a dramaticidade com que os fatos são narrados, podendo inviabilizar a livre formação da convicção pelo receptor da mensagem. Pelos motivos expostos, determinei que os representados fizessem cessar imediatamente a divulgação da propaganda eleitoral irregular. Quanto à ocorrência de atos de violência atribuídos a eleitores do candidato representante, conforme consignou o Ministro Carlos Horbach nos autos da Rp 1696–86/DF “o fato de o candidato representante, de modo louvável, repudiar a violência e dispensar o apoio e o voto de quem a pratica não acarreta, automaticamente, a falsidade dos eventos e de suas possíveis conexões com apoiadores de sua candidatura, circunstância que não autoriza a aplicação do art. 58 da Lei das Eleições”. Outrossim, no que concerne à utilização da fala do candidato representante sobre a “PEC das domésticas”, verifico que a propaganda eleitoral impugnada foi embasada em notícias veiculadas na imprensa e em entrevistas concedidas pelo próprio candidato Jair Bolsonaro. Portanto, não se trata da veiculação de ofensas sem embasamento, nem da divulgação de fatos sabidamente inverídicos, mas da retransmissão de notícias divulgadas nos veículos de comunicação, mediante a manifestação de críticas de natureza político–ideológica, as quais se inserem na órbita da garantia constitucional da livre manifestação do pensamento. Por fim, com relação à informação veiculada na peça midiática impugnada de que o candidato Jair Bolsonaro teria votado contra a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), conforme consignei nos autos da Rp nº 1700–26/DF, em 14.10.2018, a equipe de Haddad retirou do ar postagem no Twitter que criticava Bolsonaro por supostamente ter votado contra a referida lei. Ademais, os responsáveis pela campanha de Haddad afirmaram, nos moldes de verdadeira retratação, ter corrigido o tuíte que mais cedo havia saído “impreciso”. Oportuno destacar, ademais, que a retratação dos representados foi amplamente divulgada por diversos veículos de comunicação1. Assim, embora tenha registrado naquela oportunidade ter havido publicação de fato sabidamente inverídico (fake news) capaz de desequilibrar a disputa eleitoral, consistente na divulgação de que o candidato representante votou contra a LBI, os acontecimentos que se seguiram demonstram que não se torna devida a concessão do pleiteado direito de resposta. Isso porque a informação de que o representante “votou contra os direitos das pessoas com deficiência” pode ser caracterizada como imprecisa e não como sabidamente inverídica, dado que o mesmo concorda que votou contra uma emenda do projeto. Em sendo assim, conforme leciona Rodrigo López Zilio, “para o deferimento do direito de resposta, não basta apenas veicular afirmação de caráter inverídico, por quanto a lei exige um plus – vedando a afirmação ‘sabidamente' inverídica”2. Ainda de acordo com o referido autor, deve ser “cabível o direito de resposta quando assacada uma inverdade escancarada, evidente, rotunda, manifesta e não quando o fato narrado admite contestação, ensejando espaço para uma discussão política”3. Assim, considerando–se que o fato já foi demasiadamente confrontado pelos candidatos ao cargo de presidente da República, tendo o representado apresentado retratação no Twitter, bem como porque a propaganda questionada já foi devidamente adequada, não há, no meu entender, necessidade de intervenção da justiça Eleitoral, no que diz com direito de resposta, uma vez que os atores políticos já se autorregularam. Desta feita, entendo que, em que pese a propaganda ser irregular, é inapta, neste momento, a atrair o disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, tendo em vista que já foi cessada a sua veiculação e os fatos devidamente esclarecidos pelos representantes. Por todo exposto, julgo parcialmente procedente a representação apenas para proibir a veiculação da propaganda impugnada. Publique–se. Intimem–se. Brasília, 22 de outubro de 2018. Ministro SERGIO SILVEIRA BANHOS Relator 1 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/14/bolsonaro–pessoas–com–deficiencia–estatuto–haddad–mentira–fake–news.htm. Acesso em 21.10.2018. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/apos–dizer–que–bolsonaro–votou–contra–deficientes–haddad–apaga–tuite/. Acesso em 21.10.2018. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,haddad–faz–aceno–a–fhc–e–diz–que–e–preciso–abrir–porta–em–nome–da–democracia,70002547053. Acesso em 21.10.2018. Disponível em: https://www.oantagonista.com/brasil/equipe–de–haddad–apaga–tuite–fake–sobre–voto–de–bolsonaro/. Acesso em 21.10.2018. 2 ZILIO, Rodrigo López. Direito de Resposta. 6ª Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, p. 490. 3 Idem
Data de publicação | 22/10/2018 |
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PALAVRA PESQUISADA | Fake News |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60170111 |
NUMERO DO PROCESSO | 6017011120186000384 |
DATA DA DECISÃO | 22/10/2018 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2018 |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | Representação |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | Direito de resposta |
PARTES | COLIGAÇÃO BRASIL ACIMA DE TUDO DEUS ACIMA DE TODOS, COLIGAÇÃO O POVO FELIZ DE NOVO (PT/PC do B/PROS), FERNANDO HADDAD, JAIR MESSIAS BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | MURAL |
RELATORES | Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos |
Projeto |