TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601807–31.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERALRELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAESREPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇAAdvogados do(a) REPRESENTANTE: CAIO VINICIUS ARAUJO DE SOUZA – DF5910900, VICTOR LUGAN RIZZON CHEN – SP448673, VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS – SP153720, SERGIO LUIS DE OLIVEIRA –... Leia conteúdo completo
TSE – 6018073120225999872 – Min. Alexandre de Moraes
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601807–31.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERALRELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAESREPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇAAdvogados do(a) REPRESENTANTE: CAIO VINICIUS ARAUJO DE SOUZA – DF5910900, VICTOR LUGAN RIZZON CHEN – SP448673, VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS – SP153720, SERGIO LUIS DE OLIVEIRA – SP157720, ROBERTA NAYARA PEREIRA ALEXANDRE – DF59906, RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO – DF25120, MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES – DF57469–A, MARIA EDUARDA PRAXEDES SILVA – DF48704, MARIA DE LOURDES LOPES – SP77513, MARCELO WINCH SCHMIDT – DF53599–A, GUILHERME QUEIROZ GONCALVES – DF37961, GEAN CARLOS FERREIRA DE MOURA AGUIAR – DF61174–A, FERNANDA BERNARDELLI MARQUES – PR105327–A, FELIPE SANTOS CORREA – DF53078, EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO – DF4935–A, EDUARDA PORTELLA QUEVEDO – SP464676, CRISTIANO ZANIN MARTINS – SP172730, ANGELO LONGO FERRARO – DF37922–S, MATHEUS HENRIQUE DOMINGUES LIMA – DF70190REPRESENTADO: FLAVIO NANTES BOLSONARO, FABIO SALUSTINO MESQUITA DE FARIAREPRESENTADA: BEATRIZ KICIS TORRENTS DE SORDIAdvogados do(a) REPRESENTADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO – SP256786–A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO – DF17115–A, TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO – DF11498–A, MARINA ALMEIDA MORAIS – GO46407–AAdvogados do(a) REPRESENTADA: EVELYN CATARINA DO CARMO SANTOS – DF69899, MARIELLE ORRIGO FERREIRA MENDES – MT10662, LUCIANO FELICIO FUCK – DF18810, LUIS GUSTAVO ORRIGO FERREIRA MENDES – DF45233, ROMULO MARTINS NAGIB – DF19015 DECISÃO Trata–se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Flavio Nantes Bolsonaro, Fábio Salustino Mesquita e Beatriz Kicis Torrents de Sordi, em razão da veiculação de desinformação, nas redes sociais, no dia 29/10/2022, consubstanciada em publicação de vídeo editado contendo fala distorcida do candidato Luiz Inácio Lula da Silva dita no Debate ocorrido no dia 28/10/2022, promovido pela Rede Globo de Televisão. Na inicial, a autora narra, em síntese, que 'o candidato Lula, tratando sobre o emprego formal, de carteira assinada, criticou a forma de cálculo do Governo atual que maquia os dados de emprego para fins de causar a impressão de que as taxas de desemprego caíram' e ' o vídeo claramente editado e recortado pelos Representados destaca apenas a seguinte fala do candidato Lula no debate da Rede Globo': 'A primeira coisa que o povo brasileiro tem que compreender é que eles mudaram a lógica da medição de emprego. Eles colocaram o MEI como se fosse emprego, colocaram o emprego informal como se fosse emprego.' Ressalta, ainda, que, 'na tentativa de distorcer a colocação do candidato da coligação Representante, a edição dos vídeos destaca apenas a seguinte frase: “Eles colocaram o MEI como se fosse emprego”. Soma–se a isso, as seguintes imagens: No áudio que acompanha os vídeos impugnados, o narrador ainda afirma que “Lula quer acabar com o trabalho de mais e 13 milhões de brasileiros” e “o PT não gosta de você que é MEI porque você só trabalha. Você não paga taxa pra sindicado!” A legenda do conteúdo dos vídeos também foi assim descrita: Aduz, assim, os representantes que a 'frase foi maliciosamente descontextualizada e recortada, excluindo–se o trecho em que o candidato Lula deixa claro que sua colocação referia apenas à diferença na forma de medição das taxas de desemprego da época em que foi Presidente para o contexto atual.' Requer, liminarmente, a 'adoção de medidas por esta d. Justiça Eleitoral para impedir ou fazer cessar imediatamente as publicações impugnadas, sobretudo com a intimação das plataformas de redes sociais Twitter e YouTube, disponível nos seguintes links: Ainda em sede liminar, busca: 'i) que haja a intimação do Twitter, Kwai, Tiktok, Facebook e Instagram para a retirada dos links que seguem anexos (Anexo I) (ID 158312210 – fls. 21–25), o que se faz para contribuir com a celeridade do pleito e otimização do processo; ii) seja determinado aos Representados que se abstenham de veicular outras notícias e/ou publicações que contenham o mesmo teor, sob pena de multa, a ser arbitrada por esta c. Corte; iii) seja expedido ofício à empresa Twitter determinando a imediata retirada da publicação objeto desta ação.' No mérito, pretende: 'i) a confirmação da medida liminar, de modo a determinar que as publicações sejam removidas e que os Representados se abstenham de veicular outras desinformações com o mesmo teor; e; ii) A condenação por propaganda irregular e a consequente aplicação da multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), conforme previsto no art. 36 da Lei n. 9.504/97, ao Representado.' A liminar foi deferida, determinando–se que: i) as Plataformas Digitais e os Representados procedam à remoção imediata do conteúdo impugnado, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) – a contar de 1 hora da ciência dessa decisão – com as URLs indicadas pela Representante: ii) os Representados se abstenham de realizar novas publicações sobre os dados considerados inverídicos, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada um, por reiteração. O Bytedance Brasil Tecnologia Ltda., Kwai, Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.e Twitter Brasil rede de informação Ltda. noticiam a retirada do conteúdo impugnado (ID 158312840; 158312844; 158312899; 158312802). Em contestação, a Representada Beatriz Kicis Torrentes de Sordi alega, em síntese: i) 'que a decisão liminar foi devidamente cumprida pela representada, razão pela qual a representação logrou êxito no que se propôs. Quanto a este pedido em específico, verifica –se a possível perda do objeto da presente representação frente à representada'; ii) 'a postagem impugnada na presente representação nada mais fez do que divulgar a opinião da defendente, de que quem defende valores liberais, vota no candidato por ela apoiado; iii) [...] a manifestação pública da representada sobre a sua preferência política para ocupar o cargo de Presidente da República do Brasil não pode ser confundida com propaganda eleitoral irregular, basicamente porque o período eleitoral é justamente o momento de apoiamento, utilizando – se a representação de artigo que trata de propaganda antecipada, o que não se confunde com período eleitoral' (ID 158326247). O representado Flavio Nantes Bolsonaro, por sua vez, alega, em síntese: i) 'a presente representação eleitoral está prejudicada'; ii) 'não houve qualquer manipulação no vídeo compartilhado, pelo contrário, tratou–se da reprodução fiel da fala proferida pelo candidato petista'; ii) 'não há, no presente caso, nenhuma descontextualização, mas de divulgação de trecho de fala efetivamente proferida e amplamente noticiada, compartilhada em rede social própria do Representado e que passam longe da pecha de “fato sabidamente inverídico”, não merecendo acolhida a pretensão ventilada na exordial' (ID 158333953). A Procuradoria–Geral Eleitoral opina pela extinção do processo, sem resolução do mérito: i) 'no tocante ao pedido de multa, não há previsão legal para sua incidência em casos como o dos autos'; ii) 'quanto aos demais pedidos, dado o atual momento do calendário eleitoral, o Ministério Público Eleitoral entende que a demanda se encontra sem objeto, considerando o limite temporal do art. 38, §§ 7º e 8º, da Res.–TSE 23.610/2019'. (ID 158377695) É o relatório. Decido. De início, conforme enfatizei ao deferir a liminar, a liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto. Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão (GEORGE WILLIAMS. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 15; RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14), que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva (Tribunal Constitucional Espanhol: S. 47/02, de 25 de febrero, FJ 3; S. 126/03, de 30 de junio, FJ 3; S. 20/02, de 28 de enero, FFJJ 5 y 6). A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente 'o cidadão pode se manifestar como bem entender', e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando–se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar. No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte–Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado pelo professor da Universidade de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais importante” (The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429). A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos (RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 319; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429). Os legisladores não têm, na advertência feita por DWORKIN, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários políticos úteis e nocivos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 326), devendo–se, portanto, permitir aos candidatos a possibilidade de ampla discussão dos temas de relevância ao eleitor. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os principais temas de interesse do eleitor e também sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais. No caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630–1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando–se a existência de verdades absolutas e permitindo–se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”. RONALD DWORKIN, mesmo não aderindo totalmente ao mercado livre das ideias, destaca que: “a proteção das expressões de crítica a ocupantes de cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos públicos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte–americana. Martins Fontes: 2006, p. 324). No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435). As opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271–72). O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688–89, 1959). A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos julgados, que a liberdade de expressão: “constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada no artigo 10.º da Convenção, está submetida a excepções, as quais importa interpretar restritivamente, devendo a necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo convincente. A condição de «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009) A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. Lembremo–nos que, nos Estados totalitários no século passado – comunismo, fascismo e nazismo –, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista (pravda), seja pela criação do Comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção do multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da Democracia. Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que: “o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81). No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar–se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas. O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística; bem como a proliferação de informações, a circulação de ideias; garantindo–se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam. A liberdade de expressão permite que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. Note–se que, em relação à liberdade de expressão exercida inclusive por meio de sátiras, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou sua importância no livre debate de ideias, afirmando que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar”. Considerando a expressão artística representada pela sátira, a Corte entendeu que: “sancionar penalmente comportamentos como o que o requerente sofreu no caso pode ter um efeito dissuasor relativamente a intervenções satíricas sobre temas de interesse geral, as quais podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática”. (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009) A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. Nesse cenário, a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos. Ou seja, a atuação da Justiça Eleitoral deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger o regime democrático, a integridade das Instituições e a honra dos candidatos, garantindo o livre exercício do voto (TSE, REspe 0600025–25.2020 e AgR no Arespe 0600417–69, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES). A Constituição Federal não permite aos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio. A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. Liberdade de expressão não é Liberdade de agressão! Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias! Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos! A lisura do pleito deve ser resguardada, sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (TSE, Representação 0601530–54/DF Rel. Min, LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJe DE 18.3.2021), e, portanto, as competências constitucionais dessa CORTE ELEITORAL, inclusive no tocante à fiscalização, são instrumentos necessários para garantir a obrigação constitucional de se resguardar eleições livres e legítima (TSE, RO–EL 2247–73 e 1251–75, redator para Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES). A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito (STF, Pleno, AP 1044, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES), inclusive pelos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores antes e durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no processo eleitoral (TSE, RO–EL 0603975–98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021). Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato. A Constituição Federal não autoriza, portanto, a partir de mentiras, ofensas e de ideias contrárias à ordem constitucional, a Democracia e ao Estado de Direito, que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores propaguem inverdades que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições. No caso, o conteúdo impugnado consiste em narrativa sobre tema econômico e social de grande relevância à população de forma geral e que, da maneira em que veiculada, tem a finalidade de disseminar ao eleitor a ideia de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teria emitido posicionamento desfavorável em relação os MEIs, conclusão que não se mostra passível de ser extraída o inteiro teor de sua fala. De fato, conforme se depreende da íntegra da fala de Luiz Inácio Lula da Silva, o discurso não apresenta qualquer posição do candidato prejudicial aos microempreendedores individuais, dirigindo, na verdade, críticas ao método para aferir a taxa de desemprego: Assim, reafirmada a conclusão quanto à ilicitude do conteúdo impugnado, passa–se a aferir a viabilidade jurídica da imposição de multa e de remoção definitiva. Na hipótese, o vídeo impugnado foi publicado em rede social no dia 29/10/2022, ou seja, no período crítico do segundo turno das Eleições para o cargo de Presidente da República. Por essa razão, não se revela viável a incidência, tal como requerido pela autora da Representação, do artigo 36 da Lei 9.504/97, uma vez que o dispositivo concerne à tutela de propaganda eleitoral antecipada, não possuindo pertinência temática com o caso concreto. Porém, nada obstante a ausência de enquadramento no dispositivo indicado na petição inicial, mostra–se plenamente viável ao TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL proceder à adequada qualificação jurídica dos fatos, uma vez que, conforme a orientação jurisprudencial desta CORTE, 'os limites do pedido são demarcados pela ratio petendi substancial, vale dizer, segundo os fatos imputados à parte passiva, e não pela errônea capitulação legal que deles se faça' (Ag. 3.066, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 17/5/2002). Desse modo, por se tratar de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada pela internet, melhor se ajusta ao caso o art. 57–D da Lei 9.504/1997: Art. 57–D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58–A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) § 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) § 3o Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013) Não se ignora que, ao interpretar o dispositivo, a jurisprudência desta CORTE, para eleições anteriores, firmou o entendimento no sentido de que a multa nele prevista é restrita à hipótese em que a propaganda é divulgada por pessoa não identificada, ou seja, “não sendo anônima a postagem de vídeo em página da rede social Facebook (na qual se veiculou vídeo em tese ofensivo a candidato), descabe sancionar o agravante com base no referido dispositivo” (AgR–REspe 76–38, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 2/4/2018). No mesmo sentido: Rp. 0601697–71, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 10/11/2020; AREspe 0600604–22, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 9/9/2022; AgR–REspe 0600603–37, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 4/4/2022. Nada obstante, tendo em vista o grave contexto de propagação reiterada de desinformação, com inegável impacto na legitimidade das eleições, deve–se proceder à reinterpretação do dispositivo, de forma a melhor ajustar–se à finalidade da JUSTIÇA ELEITORAL, especialmente deste TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no combate às fake news na propaganda eleitoral. Realmente, a partir da leitura do dispositivo, não se mostra viável depreender que o ilícito se restringe à hipótese de anonimato, tornando insuscetíveis de punição outros abusos na livre manifestação de pensamento. O teor da norma, na verdade, embora especialmente relacionado a atos ocorridos por meio da internet, apresenta teor extremamente semelhante ao disposto no art. 5º, IV, da Constituição Federal – “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” ––, o qual, como se sabe, não consagra a liberdade de expressão como direito absoluto e nem limita os excessos às hipóteses de anonimato, razão pela qual abusos no exercício desse direito fundamental não se mostram imunes à sanções impostas pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, é firme a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que 'o direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo–se, por isso mesmo, às restrições que emergem do próprio texto da Constituição, destacando–se, entre essas, aquela que consagra a intangibilidade do patrimônio moral de terceiros, que compreende a preservação do direito à honra e o respeito à integridade da reputação pessoal' (ED–ARE 891.647, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 21/9/2015). Nessa linha: HC 82.424, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Red. p/ acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno, DJ de 19/3/2004; ADPF 496, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, DJe de 24/9/2020; HC 141.949, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 23/4/2018. Assim, não é possível conferir ao art. 57–D a interpretação segundo a qual, tão somente pelo fato de haverem sido publicadas na internet, os autores pelos excessos na liberdade expressão ocorridos na propaganda eleitoral, ressalvados os casos de anonimato, não se sujeitam à sanção pecuniária, uma vez que se trata de compreensão restritiva destituída de respaldo expresso no enunciado normativo e que conflita, como visto, com a interpretação conferida à livre manifestação de pensamento. Além disso, tal diferenciação quanto à possibilidade de impor sanção pecuniária não encontra justificativa concreta, pois a disseminação de fake news, ainda que realizada por responsável identificado, produz os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das Eleições, considerando–se a higidez das informações acessíveis ao eleitor, do que àquela propagada por usuário apócrifo, razão pela qual a ratio da norma proibitiva em questão não pode se restringir aos casos de anonimato. No mais, essa interpretação, que viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela propagação de desinformação na internet, revela–se mais consentânea com a crescente preocupação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA no combate à desinformação, de modo que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática, tendo em vista seu caráter repreensivo aos autores que, até então, não se acham alcançadas pela punição. Nesse sentido, conforme já assentou esta CORTE, “a proliferação de mensagens falsas na internet tem alcançado grande repercussão na esfera eleitoral e consiste em tema que tem gerado acirradas discussões, diante da dificuldade de controle desses conteúdos, haja vista a facilidade de acesso a qualquer tipo de informação na rede mundial de computadores e em aplicativos de transmissão de mensagens eletrônicas, o que foi notoriamente potencializado pela proliferação do uso de smartphones, por meio dos quais é possível o compartilhamento imediato de conteúdo, geralmente sem nenhum tipo de averiguação prévia quanto à origem e à veracidade da informação' (REspe 0600024–33, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 7/3/2022). Mesmo nas Eleições 2016, ainda que sob a ótica de abuso de poder, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL já manifestava preocupação em relação a situações abusivas, incluindo–se a propagação de fake news, na internet, ocasião em que ficou registrado que “não cabe impor limites onde a lei não restringe, não merecendo respaldo a interpretação restritiva dada pelo Tribunal Regional no caso concreto, ainda mais em tempos hodiernos em que a Internet e suas múltiplas ferramentas e plataformas ganham densa relevância nas disputas eleitorais, sobretudo com o diminuto custo envolvido e o notório amplo alcance desses meio” (REspe 31–02, Red. p/ acórdão Min. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Voto. Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 27/6/2019). Ainda: A evolução sucedida nos meios de comunicação social, associada à regulação da propaganda na Internet sucedida na Minirreforma Eleitoral de 2
Data de publicação | 20/12/2022 |
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PALAVRA PESQUISADA | Notícias Falsas |
TRIBUNAL | TSE |
ORIGEM | PJE |
NÚMERO | 60180731 |
NUMERO DO PROCESSO | 6018073120225999872 |
DATA DA DECISÃO | 20/12/2022 |
ANO DA ELEIÇÃO | 2022 |
SIGLA DA CLASSE | Rp |
CLASSE | REPRESENTAÇÃO |
UF | DF |
MUNICÍPIO | BRASÍLIA |
TIPO DE DECISÃO | Decisão monocrática |
PALAVRA CHAVE | propaganda na Internet |
PARTES | BEATRIZ KICIS TORRENTS DE SORDI, COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA, FABIO SALUSTINO MESQUITA DE FARIA, FLAVIO NANTES BOLSONARO |
PUBLICAÇÃO | DJE |
RELATORES | Relator(a) Min. Alexandre de Moraes |
Projeto |